Mais de 500 meninos foram vítimas de violência em coral católico na Alemanha
Segundo relatório solicitado pela Igreja, 67 deles sofreram agressões sexuais, incluindo violações
A aprazível e bem-sucedida vida dos “pardais da catedral de Ratisbona”, o coral infantil mais famoso da Alemanha, sofreu uma reviravolta dramática na noite de 9 de março de 2010. Nesse dia, o famoso diretor e compositor alemão Franz Wittenbrink revelou no programa de televisão Menschen bei Maischberger que os famosos pardais eram vítimas de castigos corporais e abusos sexuais. “Nas turnês, éramos as estrelas, mas quando voltávamos ao internato adentrávamos um sinistro mundo da Idade Média”, afirmou. Nesta terça-feira, o advogado Ulrich Weber apresentou o relatório final da investigação solicitada pela Igreja: mais de 500 meninos sofreram maus-tratos físicos, e 67 deles foram vítimas de agressões sexuais, incluindo violações, entre 1945 e o início da década de 1990.
As denúncias do músico em 2010 provocaram um terremoto na cidade bávara de Ratisbona (Regensburg, em alemão) e revelaram que o mundo dos famosos meninos cantores tinha uma faceta obscura, que na terça-feira foi conhecida em sua total dimensão: pelo menos 547 meninos foram vítimas de abusos, um número muito superior ao publicado em janeiro de 2016, quando um relatório provisório falou em 231 vítimas. Em fevereiro de 2015, as autoridades católicas locais só tinham reconhecido 72, segundo a AFP.
Parte desses maus-tratos ocorreu quando o irmão do papa emérito Bento XVI, o monsenhor Georg Ratzinger, dirigia o coral, entre 1964 e 1994.
“As vítimas descreveram sua vida no coral como uma prisão, um inferno ou um campo de concentração”, disse o advogado, ao apresentar o relatório de 450 páginas, em Ratisbona. “Eles qualificaram aquela como a pior época em suas vidas, marcada por violência, medo e desamparo”.
Quando a Alemanha ficou sabendo sobre a violência e os abusos sexuais que marcaram a vida dos meninos cantores até o início da última década do século passado, o então bispo de Ratisbona, Gerhard-Ludwig Müller, tentou sem sucesso minimizar o escândalo e afirmou, através de um porta-voz, que apenas quatro ou cinco crianças tinham sido maltratadas. O bispo deixou seu cargo em 2012, quando foi convidado por Bento XVI para ocupar o posto de prefeito da Congregação da Doutrina da Fé no Vaticano, exercendo a função até o último dia 2 de julho, quando foi destituído pelo papa Francisco.
A atuação de Müller nos anos em que permaneceu à frente do bispado de Ratisbona foi duramente criticada na terça-feira pelo advogado Ulrich Weber, que denunciou que ele teve um papel decisivo em impedir que o escândalo fosse investigado a fundo. “Praticamente todas as pessoas que tiveram alguma responsabilidade no coral sabiam dos casos de violência”, disse o advogado. “Todos mostraram pouco interesse pelo assunto. Para eles era mais importante proteger a instituição: ignoraram as vítimas e protegeram os responsáveis”.
Durante a investigação, o advogado conseguiu identificar 49 pessoas, mas admitiu que os delitos cometidos por alguns diretores do internato e funcionários prescreveram. Na apresentação do relatório, Weber também se referiu aos erros de Georg Ratzinger, irmão do papa emérito e que dirigiu o coral de 1964 a 1994.
Quando o escândalo veio à tona, o irmão mais velho de Bento 16 admitiu que quando esteve à frente do coral esbofeteou, em inúmeras ocasiões, os meninos que não eram disciplinados, mas ressaltou que nunca soube dos abusos sexuais cometidos. “O problema dos abusos nunca foi abordado, e nunca se falou nesse tipo de assunto”, disse em uma entrevista publicada em março de 2010 pelo jornal Passauer Neue Presse.
Na entrevista, Georg Ratzinger também admitiu que o diretor do internato costumava infligir duros castigos corporais aos alunos e contou que, durante as turnês do coral, muitos meninos lhe contaram sobre os maus-tratos que recebiam. “Se soubesse da violência exagerada com que se agia eu teria dito algo. Peço perdão às vítimas”, disse.
Ao se referir ao papel que teve Ratzinger durante sua longa permanência como diretor do coral, Ulrich Weber afirmou que ele não teve conhecimento dos abusos sexuais, mas o responsabilizou por ter ignorado conscientemente os castigos corporais. “O diretor do coral da catedral, apesar de estar informado, preferiu fazer vista grossa e não tomar uma atitude”, disse o advogado.
Weber recebeu a tarefa de conduzir uma investigação em 2015, quando o atual bispo de Ratisbona, Rudolf Voderholzer, pressionado pelo escândalo, pediu perdão às vítimas e colocou nas mãos do advogado o trabalho titânico de esclarecer o pior capítulo da história milenar do coral.
A maioria dos casos prescreveu. Por isso, 49 dos supostos autores da violência identificados no relatório não seriam julgados, segundo a AFP. No entanto, o bispado aprovou uma ajuda financeira de 20.000 euros para as vítimas. Até o momento, cerca de 300 pessoas admitiram ter sofrido abusos durante sua permanência no coral. Mas Weber calcula que há mais de 700 pessoas que passaram sua infância no “inferno” de Ratisbona.
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