Apagão diplomático no G20
Crise política é péssima notícia não só para a política externa, mas também para sistema internacional
O presidente Temer teve uma atuação apagada na cúpula do G20 em Hamburgo e voltou ao Brasil sem ter realizado nenhum encontro bilateral. Depois de apenas 30 horas na Alemanha, retornou a Brasília para continuar a luta por sua sobrevivência política. Enquanto o peemedebista perdeu o último almoço na cúpula com seus pares, o presidente argentino Mauricio Macri teve uma agenda cheia, incluindo reuniões com outros líderes em ascensão, como o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o primeiro-ministro de Cingapura, Lee Hsien Loong, e o novo presidente francês Emmanuel Macron. Como é anfitrião do próximo G20, em 2018, Macri esteve, na foto oficial da cúpula, ao lado da líder alemã Angela Merkel e do presidente chinês, Xi Jinping, que organizou a cúpula do ano passado.
Poderia ter sido pior. A participação de Temer, mesmo que mínima, evitou que o Brasil fosse a notícia negativa do evento, como o único país que não teve representação de primeiro nível. O erro maior foi a decisão desastrosa de anunciar o cancelamento da viagem na semana passada — revertida poucos dias depois —, o que levou outros líderes interessados em se reunir com Temer a remanejar suas agendas.
Contrariando a percepção popular no Brasil, mesmo com um presidente extremamente enfraquecido, o país é muito importante para ser deixado de escanteio em grandes debates globais. Entre as dez maiores economias do mundo, é impossível avançar em discussões sobre grandes desafios, — como mudança climática, instabilidade financeira, corrupção ou o combate ao tráfico de drogas, — sem participação brasileira. Esse é, em boa medida, o resultado de um árduo trabalho diplomático brasileiro que se orientou, apesar de algumas alterações ao longo dos anos, no sentido de um grande consenso, em vigor desde meados da década de 1990, de que uma maior participação internacional era do interesse do Brasil.
A indecisão de Temer em relação à viagem para a Alemanha, porém, dificilmente poderia ser mais rica em simbolismo. Afinal, foi durante as duas primeiras cúpulas presidenciais do G20 em 2009, em Londres e em Pittsburgh, que o Brasil atingiu o auge de sua visibilidade global, consolidando-se como uma potência diplomática global. Junto com a China e os Estados Unidos, o Brasil foi um dos três principais contribuidores para o crescimento global nos primeiros dez anos do século XXI. Em Pittsburgh, os países integrantes do BRICs (à época, ainda sem a África do Sul) negociaram um aumento de 5% de sua representação no Fundo Monetário Internacional (FMI), assim tornando a instituição mais inclusiva. No mesmo ano, a primeira cúpula presidencial do BRICs ocorreu em Ecaterimburgo, parceria que refletiu o deslocamento histórico para as potências emergentes.
Oito anos mais tarde, o Brasil encontra-se não apenas na pior crise econômica de sua história, mas também em uma crise política que reduz sua capacidade de priorizar sua atuação externa e ajudar a moldar uma das mais profundas transformações do sistema internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial: o recuo sistemático dos Estados Unidos, por décadas o principal pilar da ordem internacional, e a emergência de um mundo muito menos centrado no Ocidente. Existe agora um risco real de que uma crise política crônica no Brasil causará um recuo diplomático brasileiro ainda mais profundo do que o gerado pela atuação externa lastimável da presidente Dilma Rousseff. Seria uma catástrofe para o interesse nacional do Brasil. Afinal, o país depende, muito mais do que outras grandes nações, de uma ordem internacional embasada em regras — atores como a Rússia, ao contrário, podem ocasionalmente recorrer ao poder militar. É precisamente essa ordem que agora está enfrentando uma ameaça sem precedentes. A sobrevivência do sistema, em grande medida, dependerá de outros para preencher o vazio que os Estados Unidos deixaram. A ausência do Brasil, tradicionalmente um ator altamente construtivo, não poderia ocorrer em um momento mais inconveniente para a comunidade internacional.
É preciso, portanto, evitar que a continuação da crise interna impeça uma atuação externa assertiva até as eleições presidenciais de 2018. Este setembro, a nona cúpula do grupo BRICS acontecerá em Xiamen, na China. O encontro representa mais uma oportunidade importante para debater como se dará o difícil processo de adaptação a um mundo mais centrado na Ásia, com os EUA quase à deriva. Desde sua criação, nenhum presidente perdeu uma cúpula do grupo BRICS. Em 2010, o presidente da China, Hu Jintao, decidiu participar da segunda cúpula em Brasília, apesar de um grande terremoto na província de Qinghai, ressaltando seu compromisso com os BRICS. Resta torcer para que, seja quem for o presidente brasileiro em setembro, ele ou ela esteja em condições de estar presente na cúpula e ter encontros bilaterais com todos os participantes — sem fugir, às pressas, antes do almoço de despedida.
Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo, onde coordena a Escola de Ciências Sociais em São Paulo e o MBA em Relações Internacionais. Também é non-resident fellow no Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim, membro do Carnegie Rising Democracies Network
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