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Aulas de ética na rede

Filósofos fazem sucesso nas redes sociais ajudando a popularizar o termo tão em voga no país de hoje

Adolescentes com seus smartphones.
Adolescentes com seus smartphones.Getty

Nos últimos anos, a ética deixou de ser um termo dissecado em herméticas aulas de filosofia para começar a ser discutido em ensolaradas mesas de bar, animados almoços de família e, principalmente, nas tempestuosas redes sociais. A popularização do tema, obviamente, é resultado das mudanças que o país vem sofrendo nos últimos anos. Mas para que a palavra não caia num vazio existencial, muitas pessoas têm se guiado por espécies de gurus das ciências humanas, intelectuais que não se furtam em ensinar pelos meios de comunicação mais democráticos o que são esses assuntos debatidos há milênios e tão em voga no Brasil de hoje. Os mais famosos são os professores Clóvis de Barros Filho, Leandro Karnal e Mario Sergio Cortella, todos eles filósofos. Têm mais de um milhão de seguidores nas redes sociais, mais de dois milhões de visualizações em uma única palestra no Youtube, dezenas de livros publicados (alguns na casa de 200 mil vendidos) e são assíduos frequentadores dos grupos de Whatsapp.

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Cada um faz entre 20 e 30 palestras por mês, inclusive no exterior, principalmente para empresas. “Ética é a ciência que estuda a moral”, afirma Clóvis de Barros Filho, que foi professor dessa disciplina por 30 anos em universidades de São Paulo. “E a ética só existe no coletivo”, completa. Ou seja, ela só faz sentido na convivência e no reconhecimento do outro. Seja com um, dez, centenas, um país. Cortella explica que o termo é um conjunto de valores e princípios de avaliação de conduta que não existe se não for plural – de novo, a questão da vida em sociedade. “É a ética que orienta as três grandes questões da vida humana: Quero? Posso? Devo?”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral e comentarista da CBN e da TV Cultura. Segundo ele, uma atitude só é ética se as três respostas forem sim.

A normas morais nada mais são do que um zelo pelo convívio social. Basta imaginar um cidadão que mora sozinho num apartamento. Ele tem protocolos de conduta de uma pessoa que vive só. Até que passa a compartilhar o espaço com alguém. Rapidamente ele percebe que tem de parar de fazer parte das coisas que fazia. A partir do momento que passa a conviver, ele tem de impor um limite à sua conduta. Essa normatização, que ocorre no convívio de duas, cinquenta, ou cinquenta mil pessoas é que se chama ética. As pessoas podem e devem seguir em busca do seus desejos, desde que não agridam os outros, apontam os especialistas.

É claro, como observa o professor Barros Filho, que quando tratamos desse assunto, é muito tentador pensar nas primeiras páginas dos jornais, onde não faltam histórias escabrosas de abalos de conduta. Mas há excelentes exemplos fora delas. “Não há problemas só no Palácio do Planalto ou no Congresso Nacional”, diz o professor. Um exemplo que ele gosta de dar aos seus alunos é o da piscina. “Sempre me intriguei como as pessoas conseguiam ficar duas, três horas sem sair da água para urinar. Pensava que eu tinha algum problema prostático. Até que li uma pesquisa canadense que constatava que havia 70 litros de urina em cada piscina”, diz Barros Filho.

“As pessoas condenam as outras a conviverem com seus excrementos simplesmente para não terem o desconforto de sair da água”, diz ele. Eis o ponto que explica por que muita gente tem dificuldade de incorporar a ética em sua rotina: “Ética pressupõe desconforto e maturidade.” A piscina, diz o professor, é uma alegoria: muitas pessoas fazem o que for preciso para ter vantagem. Ainda que coloquem em risco a vida de outros. Mas o professor Barros Filho faz um alerta. Numa sociedade onde as práticas mais corriqueiras são desrespeitadas, a civilização fracassou. Talvez por isso a ética começou a ser tão discutida por aqui. “O mundo está vivendo a crise da transição num cenário turbulento de ambiguidades que leva a diferentes leituras éticas simultâneas. Talvez nunca se tenha discutido tanto o que vale e o que não vale, com o agravante de as próprias instituições atravessarem séria crise de credibilidade”, afirma Leandro Karnal.

Se neste momento o país vive um desalento ao constatar a ausência de ética na sociedade, há uma boa notícia dentro desse desconforto: “Essa era uma palavra ausente do espaço público até 30 anos atrás”, diz Barros Filho. “Estamos vivendo uma revolução.” E nas empresas não é diferente. Cortella afirma que as companhias adotam o tema não para ele ser tratado como um bem subjetivo, mas como um valor negociável. “A ética é um elo estrutural, uma salvaguarda para as empresas, pois hoje em dia elas também são punidas em caso de malfeito de um funcionário”. E a pessoa nasce ou não ética? É possível aprender a ser ético? Essa é uma discussão antiga, de pelo menos dois mil anos. Barros Filho diz que há, sim, uma dimensão pedagógica, que pode ser aprendida na família, nas organizações religiosas, nas instituições de ensino e claro, nas empresas. Que nada mais é do que ensinar a respeitar os outros. “Afinal, o contrário de ético seria conduta canalha”, encerra o professor.

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