Lições básicas para que as empresas não caiam em fraudes
Estabelecer normas claras e investir em profissionais éticos são medidas decisivas para garantir boa conduta empresarial
Desde que a Lei Anticorrupção (12.846/13) foi regulamentada no ano passado, há uma corrida de empresas em busca de implementar processos administrativos que ajudem a evitar desvios de conduta empresarial. Casos de fraude, assédios, violações de direitos humanos ou danos ambientais também estão na mira de companhias, que apostam em um conjunto de medidas e ferramentas (chamadas de compliance) para fazer com que seus negócios cumpram as leis. O EL PAÍS conversou com analistas e empresas para saber quais estratégias têm ganhado destaque na preferência das companhias.
1. Criação e implementação de um código de ética
Parece óbvio que uma empresa deveria ter um código de ética com normas sobre condutas para reger o comportamento dos funcionários e colaboradores, mas isto está longe der ser uma realidade no Brasil. O bom senso (e às vezes, a falta dele) ainda é a ferramenta mais utilizada pelas empresas para fazer com que seus colaboradores cumpram as normas e leis vigentes. “O problema é que o bom senso é muito democrático, porque cada um tem seu valor”, afirma Renato Santos, sócio da S2 Consultoria. O empresário entrevistou fraudadores confessos em diversas empresas e descobriu que as causas dos desvios de conduta são muito mais simples do que se imagina. “Há aqueles que racionalizam a fraude. São pessoas que justificam para elas mesmas que não é errado fazer, porque todos fazem”, conta.
Por isso a necessidade de normas claras e transparentes sobre o que as pessoas podem ou não fazer na operação de um negócio. Após escândalos de corrupção, grandes empresas têm modificado seus processos para melhorar a gestão ética de seu negócio.
2. Investir em profissionais capazes de suportar as pressões éticas do dia a dia
“Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Essa expressão, frequentemente atribuída a Getúlio Vargas dá o tom de como costumavam ser feitos as negociações no Brasil. Costumavam, porque a tendência é que a lei passe a valer para todos. Mas a pressão sobre empresas e colaboradores ainda não passou. Muitas pessoas trabalham no limite da ética, uma zona cinza onde negócios são feitos na base da pressão. “Não é incomum encontrarmos companhias que colocam o funcionário no dilema entre ser ético ou cumprir a meta, por exemplo”, conta Santos. E em meio a este impasse, a ética nem sempre sai ganhando. “Muitas empresas têm investido em realizar testes de potencial de integridade resiliente para identificar como um indivíduo ou um grupo reagem as pressões éticas e corrigir eventuais problemas”, afirma Santos. A busca por profissionais especializados em compliance é uma saída para tentar corrigir na origem os desvios de conduta.
3. Mapear como os colaboradores praticam cultura empresarial
Dizem que a oportunidade faz o ladrão? Mas isso não é necessariamente verdade. Sempre existe uma escolha a ser feita. Afinal, ninguém vai roubar um celular só porque ele foi deixado em cima de uma mesa. “Mas sem oportunidade, o ladrão não se faz”, lembra Santos. As empresas costumam investir em auditoria para tentar encontrar as “oportunidades” que levam ao desvio de condutas em seus negócios. Infelizmente, eles não são tão claros como se gostaria. Ao entrevistar fraudadores, Santos descobriu que mais do que determinar regras, averiguar como elas são interpretadas e cumpridas no dia a dia também é importante.
É comum que empresas determinem, por exemplo, valores máximos em brindes que seus funcionários podem receber por mês. Mas só colocar no papel não dá certo. Santos conta que em uma reunião com funcionários de um cliente, uma pessoa admitiu que costumava receber viagens como brinde de fornecedores, e que isto não era errado. “Ele contou que o fornecedor parcelava a compra da viagem, e as parcelas ficavam dentro do valor determinado pela empresa, de um salário mínimo”, diz. Por isso, entender como as pessoas praticam a cultura da empresa é um passo fundamental para impedir problemas.
4. Abrir canais para ouvir colaboradores, fornecedores e clientes
Muitos problemas que acontecem na empresa estão fora do alcance de auditorias regulares. Mas funcionários, fornecedores e até mesmo clientes podem saber o que está acontecendo. “É um engano pensar que apenas áreas como compras, marketing e financeiro estão mais propensos a participar de fraudes”, afirma Santos. “Uma pessoa da área de manutenção pode, por exemplo, colocar especificações técnicas em um pedido que só um fornecedor é capaz de atender”, afirma. Para combater essas práticas, é importante ouvir os próprios funcionários. A abertura de canais de ouvidoria anônimos (os chamados canais de denúncia) pode ajudar colaboradores e fornecedores a informar diretamente ao conselho de administração da companhia sobre desvios de condutas. Mesmo assim, não é fácil fazer com que as pessoas denunciem.
Dados do Relatório Global de Fraude & Risco 2016/17, da Kroll Consultoria, mostram que 44% das fraudes identificadas globalmente pelo estudo foram reveladas pelos chamados whisteblowers (denunciantes) como Edward Snowden, o analista de informática norteamericano. No Brasil, no entanto, os denunciantes respondem por apenas 17% das descobertas. Medo, desconfiança e sensação de impunidade fazem com que muitas pessoas não queiram participar. Para desmistificar a visão policialesca do canal denúncia e aumentar a participação, a mineradora Vale, por exemplo, teve que mudar o nome para Canal de Ouvidoria. “Denúncia parece coisa de dedo duro e o objetivo não é esse. Queremos promover um comportamento ético na companhia”, afirmou Alexandre de Aquino Pereira, ouvidor geral da companhia, em entrevista para o El PAÍS, em abril.
A Petrobras é outra companhia que também lançou um novo canal de denúncias independente, estruturado para funcionar 24 horas, com atendimento em português, inglês e espanhol. “A recepção das denúncias estará a cargo de uma empresa independente especializada”, informa a companhia em seu site. O novo canal faz parte do conjunto de medidas da companhia para aprimorar e fortalecer a governança.
5. Sempre punir os responsáveis
Nas Olímpiadas do Rio, um caso ganhou destaque. O nadador norte-americano Ryan Lotche, juntamente a um grupo de amigos, mentiu sobre ter sido assaltado na cidade, causando um constrangimento diplomático entre os países. Assim como o nadador foi punido nos EUA, com a lei Anticorrupção, e os vários escândalos envolvendo grandes empresas, a sensação de que tudo acaba em pizza está diminuindo. “O problema é que no Brasil as pessoas sempre tiveram a sensação de que tudo é permitido. E no mundo empresarial não era diferente. Mas as coisas estão mudando”, afirma Santos. Por isso é importante que as empresas façam sua parte. “Demitir o funcionário envolvido em fraude por medo de ser processado depois, passa a mensagem de que os que fazem as coisas erradas não têm punição”, diz Santos.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.