Colômbia tenta acabar com violência depois do desarmamento das FARC
Atentado em shopping e sequestros despertam fantasmas. Autoridades buscam uma paz completa
A Colômbia fecha nesta terça-feira um ciclo de mais do meio século marcado pela violência das FARC. Os cerca de 7.000 combatentes da maior guerrilha do país concluem a entrega de armas e iniciam a fase final de sua reincorporação à sociedade. Mas esse processo não é suficiente para alcançar uma paz completa. No dia 17, uma bomba matou três mulheres em um shopping de Bogotá, existem grupos insurgentes que continuam cometendo sequestros e as máfias de narcotraficantes declararam guerra à polícia em maio, ao se ver encurraladas pelas forças de segurança. As autoridades enfrentam o desafio de consolidar a normalidade.
O caminho percorrido na Colômbia desde a assinatura dos acordos entre o Governo de Juan Manuel Santos e as FARC, no ano passado, não tem precedentes. A guerra com essa organização terminou. “Não é a mesma coisa ter uma guerrilha ainda armada e ter uma guerrilha que largou as armas. Então, acredito que o que conseguimos é uma permanência desta situação pós-conflito, e isso me parece notável. O sentido histórico é que se obtém a plena irreversibilidade [do conflito]”, explica ao EL PAÍS Jorge Restrepo, diretor do Centro de Recursos para a Análise de Conflitos (Cerac).
Mas a violência persiste. No dia 17, a sociedade colombiana voltou a se deparar com seus piores fantasmas: em plena tarde de compras, a explosão de uma bomba colocada em um banheiro feminino no Centro Comercial Andino acabou com a vida de três jovens e deixou uma dezena de feridos, semeando o pânico na capital. Uma semana depois, as forças de segurança realizaram dez operações de busca e detiveram no sábado oito suspeitos de envolvimento no ataque. Um nono suspeito foi detido no domingo. “As evidências em poder dos investigadores assinalam que os quatro homens e as quatro mulheres [detidas no sábado] pertenceriam ao autodenominado Movimento Revolucionário do Povo (MRP)”, assinalou a procuradoria. Trata-se de um grupo rebelde menor que, segundo as autoridades, teve vínculos com células da organização guerrilheira Exército de Libertação Nacional (ELN).
O ELN, a guerrilha mais relevante ainda ativa, reuniu-se em fevereiro com o Governo em uma mesa de diálogo em Quito (Equador) para tentar negociar um cessar-fogo. Seus dirigentes, assim como as FARC, condenaram o atentado no Andino, mas sua estrutura horizontal e caótica complica essas conversações, que têm avançado pouco. Por volta da meia-noite de sexta-feira, o ELN libertou dois jornalistas holandeses que tinha sequestrado uma semana antes na região de Catatumbo, perto da fronteira com a Venezuela.
A libertação ocorreu depois de um dia de muita confusão, em meio a confirmações e desmentidos. A guerrilha alegou que nessa zona, abandonada pelo Estado, “a possibilidade de efetuar privações temporárias da liberdade de pessoas desconhecidas e alheias às comunidades é uma atitude preventiva, de proteção e segurança, natural para qualquer força insurgente”. A verdade é que o ELN ainda não abandonou a prática do sequestro, o que representa o ponto de maior tensão nas conversações com a equipe negociadora do Governo.
A essas circunstâncias se soma a violência de grupos armados que vivem do narcotráfico. O mais perigoso, o chamado Clã do Golfo, caracteriza-se pela ofensiva contra o Estado conhecida como plano pistola: o grupo oferece aos sicários 700 dólares (cerca de 2.300 reais) por policial assassinado. Guardadas as devidas proporções, isso fez o imaginário coletivo voltar aos tempos da guerra contra Pablo Escobar.
Menos atentados
No entanto, é evidente que a Colômbia contemporânea é muito diferente da Colômbia do passado. “O número de atentados terroristas é bastante inferior e tem diminuído”, assinala Restrepo, assinalando que “o radicalismo violento é uma exceção”. Depois do desarmamento das FARC, além disso, as forças de segurança “podem executar ações militares sem a preocupação de romper o cessar-fogo”, o que “é uma péssima notícia para o crime organizado e o ELN”, destaca. “Na Colômbia está se confundindo medo com insegurança e com uma percepção de insegurança”, acrescenta o analista. Mas os riscos são, de fato, menores.
“A mensagem é a de que o terrorismo não compensa e será castigado pela justiça, castigado pelas autoridades”, afirmou Santos após o anúncio da detenção dos supostos responsáveis pelo atentado no shopping center. O presidente alertou desde o primeiro momento que não permitirá que nada prejudique o caminho para a paz. “Avançamos muito para consolidar a tranquilidade dos colombianos e tenham certeza de que não vamos permitir que aquilo que foi conseguido até agora seja freado por um punhado de extremistas, de covardes ou de quem não quer a reconciliação do povo colombiano”, afirmou.
O Papa e a reconciliação
Esse é o objetivo central, neste momento, das autoridades, que enfrentam o desafio de consolidar uma convivência pacífica em um clima de alta polarização da sociedade, em que muitos setores continuam rejeitando os acordos com as FARC. Os ex-presidentes Álvaro Uribe e Andrés Pastrana impulsionaram na semana passada uma “grande coalizão” para as eleições de 2018 “entre os distintos setores que obtiveram a vitória do ‘não’ no plebiscito”.
Neste contexto, o papa Francisco viajará à Colômbia em setembro com um objetivo: a reconciliação. Jorge Bergoglio presidirá um “grande encontro de oração pela reconciliação nacional” em Villavicencio, capital do departamento de Meta (centro do país), um dos mais afetados nas últimas décadas pela guerrilha e pela produção de coca.
A viagem do Papa, que visitará também Bogotá, Medellín e Cartagena durante quatro dias, será uma oportunidade para dar novos passos rumo à paz, principalmente no diálogo com o ELN. A Igreja Católica colombiana pediu na semana passada às equipes negociadoras do Governo e da guerrilha que façam o possível para alcançar um acordo bilateral de cessar-fogo por ocasião da visita.
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