Paulinho e Marisa, dois tímidos muito tímidos
Marisa Monte canta 'Carinhoso' e não há mais nada a dizer. Pare o mundo que eu vou descer
Marisa Monte cantando Carinhoso é algo para ser escutado tanto quanto visto; uma visão que alcançaa alma imortal com apenas dois minutos de duração. E se, ao seu lado, estiver Paulinho da Viola tocando a dita cuja (a viola), não há mais nada a dizer.
Os dois astros da MPB se reuniram, no último fim de semana, para fazer o que melhor sabem fazer, no rebatizado "Kms de Vantagens Hall", na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. É um local tão acolhedor quanto um hangar de aviação em uma noite de inverno, 80 reais de táxi a partir do centro da cidade, a não ser para a alta sociedade que tem motorista com quepe lhes esperando na porta para levá-los de volta.
O título do espetáculo - "Paulinho da Viola encontra Marisa Monte" - dá a entender que foi um amor à primeira vista, um "estava passando por aqui", "primeiro a senhorita", e não foi assim. Acontece que os dois músicos trocam canções e músicas há duas décadas, como se fossem feitos um para o outro e vice-versa. São mais parecidos com um casal de fato, versão MPB. O público sabe e abarrotou o recinto por três noites consecutivas, com 8.500 espectadores por show. Total: 25.500.
Ela, de vermelho e preto, com um vestido fino e o cabelo caindo até os ombros; ele, em seu habitual estilo prêt-à-porter, sóbrio e elegante. Paulinho sempre foi tido como um gentleman, tão discreto, dentro e fora do palco, com sua maneira de colocar a voz de barítono médio como um colchão vicoelástico sobre o qual descansa a seda negra e colorida de sua companheira de palco. Em "Paulinho da Viola encontra Marisa Monte", o sambista leva a dama pela mão a seu território, que é o do samba dos antigos sambistas tristes e analfabetos, eruditos da rua, e você só pode contar com ele para não cair nos mais ignominiosos descuidos. Por isso, Paulo César Batista de Faria (seu nome verdadeiro) representa a memória coletiva de um país sem memória, como todos são; sua consciência sentimental, diriam.
Na busca por defeitos em Paulinho da Viola, encontra-se apenas um: a voz baixa. Questão que não teria muita importância em uma reunião de amigos, ou algo parecido, mas, quando se fala do "Kms de Vantagens Hall", com os garçons e funcionários travando uma luta fratricida pela caipirinha perdida, a criança que teve vontade de chorar, os que aproveitam para transmitir os acontecimentos por streaming por meio do celular, incluindo comentários em voz alta... "O que acontece é que ele é tímido", explica a cantora. "Mais ou menos como eu".
E foi assim, como se fosse sem querer, que começaram a cantar Carinhoso, de Pixinguinha, em versão dupla, por causa de sua curta duração; e Para ver as meninas ("ao meu jeito, eu vou fazer um samba sobre o infinito"), e Roendo as unhas ("meu samba não se importa se desapareço, se digo uma mentira sem me arrepender"), duas composições do próprio Paulinho, música e letra; e Samba da minha terra, de Dorival Caymmi, com sua rima afiada e sagaz, "quem não gosta de samba bom sujeito não é", equivalente ao "com o paparabapapá, quem não gosta de vinho é um animal", com o qual a bilbainada celebra as grandes festas no País Basco.
O encontro interestelar é uma espécie de crônica do desamor em capítulos, com os dois protagonistas felizes e contentes de terem se conhecido, apesar da timidez, e um octeto de afinados instrumentistas secundários que lhe serve (entre suas qualidades, está a de ficar em silêncio quando o momento exigia) em seu momento tribalista ("Carnavalia") e em seu momento Portela, inevitável; e em "Carinhoso", parte 1 e parte 2, que valeu o show. Mas isso já foi dito.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.