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Ex-diretor do FBI James Comey depõe no Senado e acusa Trump de “mentir e difamar”

Ex-diretor do FBI considera que o presidente “queria obter algo” em troca de mantê-lo no cargo

Jan Martínez Ahrens

Foi a hora da verdade. O ex-diretor do FBI James Comey enfrentou nesta quinta-feira os seus próprios atos. Diante do Senado, em uma sessão que sacudiu os EUA, o homem do qual dependia a investigação da trama russa trouxe à luz as entranhas do poder e mostrou a pior faceta de Donald Trump. Acusou-o de mentir e difamar, de tentar “dar-lhe diretrizes” e até de “querer obter algo” em troca de mantê-lo no cargo. Uma acusação de tal profundidade que injeta nova vida a uma possível acusação de obstrução.

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Comey se dirigiu ao Comitê de Inteligência do Senado sob o olhar de um país inteiro. Na véspera tinha tornado público o conteúdo que iria servir de base ao seu depoimento. Sete páginas nas quais detalhava seus três encontros e seis conversas com Donald Trump. A primeira, em 6 de janeiro na Trump Tower; a última, uma ligação telefônica em 11 de abril.

O relato proporciona um raro vislumbre sobre o interior da Casa Branca, mas, sobretudo, revela o choque entre o perturbador e descomedido bilionário de Nova York e um funcionário público de longa carreira conhecido por sua integridade e valores religiosos. Com evidente escândalo, Comey, de 56 anos, descreve em seu texto os desejos do presidente, expressos na intimidade da Sala Verde ou do Salão Oval, de atraí-lo para a sua causa, de que deixasse de lado a investigação sobre o demitido tenente-general Michael Flynn ou de que ele mesmo fosse exonerado publicamente. Conversas privadas, diretas ou até brutais, nas quais Trump também negava ter dormido com prostitutas em Moscou, que lhe pedia lealdade ou “eliminasse a nuvem” da trama russa.

Esse texto, pronto para fundamentar um caso de obstrução, a pedra angular de um possível impeachment, foi a pista da saída de Comey. Traje escuro, camisa branca, gravata vermelha, o ex-diretor do FBI o divulgou em seu depoimento e se lançou diretamente à medula do conflito: sua demissão em 9 de maio, seis anos antes do prazo legal. Uma destituição que em princípio Comey encarou com naturalidade –“sempre achei que o diretor do FBI pode ser despedido por qualquer razão ou sem ela”– , mas que se tornou preocupação quando o presidente começou a ofendê-lo publicamente. Primeiro indicando que o havia despachado por “essa coisa da Rússia” e depois acusando-o de ser um “cabeça oca” e um “fanfarrão”.

“A Administração Trump decidiu difamar a mim e ao FBI dizendo que na organização reinava a desordem, que era mal dirigida e que não havia confiança em seu líder. Isso era mentira, pura e simplesmente”, afirmou Comey com evidente dor. Sua reação, própria de alguém que conhece bem o tabuleiro de Washington, foi tornar público parte do conteúdo de suas anotações. Dirigiu-se a um amigo, o professor de legislação da Universidade Colúmbia Daniel Richman, e lhe pediu que entrasse em contato com um jornal (The New York Times) para que publicasse sua versão do ocorrido. Uma bomba cuja onda expansiva não deixou ainda de ser sentida.

Foi um momento de surpresa. E de sinceridade. Ninguém esperava que o ex-diretor do FBI se confessaria autor dos vazamentos. Por trás da manobra, contudo, havia uma profunda desconfiança de Comey em relação a Trump. Sua própria prática de redigir notas sobre os encontros de ambos foi um reflexo disso. Em sua primeira reunião com o presidente, em 6 de janeiro na Trump Tower, quando ainda não havia sido alvo da investida, Comey lhe deu detalhes da investigação sobre a trama russa – a averiguação do FBI para determinar se a equipe eleitoral do republicano agiu de forma coordenada com o Kremlin na campanha de desprestígio de Hillary Clinton.

Ante a forte reação de Trump, que se sentiu alvo do inquérito, Comey afirmou que ele não estava sendo investigado, mas anotou a conversa e redigiu o primeiro memorando. “A investigação podia alcançar o presidente, e não sabia se mentiria sobre a natureza da reunião e se algum dia teria de me defender”, afirmou.

Desde então, o diretor do FBI viveu sob pressão. No jantar realizado em 27 de janeiro na Casa Branca, ele percebeu como o presidente, que lhe recordava a todo instante que seu cargo era desejado por outros, “tentava estabelecer uma relação”. “Meu senso comum me fez pensar que ele queria obter algo em troca da garantia de me manter na função.” Isso também ocorreu no seguinte encontro a sós, quando Trump perguntou-lhe sobre o tenente-general Michael Flynn, protagonista da trama russa, expressando seu desejo de que o deixassem fora da investigação. Foi outra carga para Comey. O pedido ia contra o seu senso de “independência do FBI”. Além disso, ele percebeu que o mandatário, com tantos pedidos, estava dando “diretrizes”. Finalmente, já demitido, entendeu que a causa era a trama russa.

O diretor do FBI até esse ponto chegou, mas não deu o passo seguinte. Evitou qualquer interpretação. Quando os senadores republicanos lhe perguntaram se considerava que o presidente havia incorrido em obstrução, disse que a resposta cabia ao promotor do caso, Robert Mueller. “Para mim, foi tudo muito desconcertante”, limitou-se a afirmar. Mas o golpe já havia sido desferido. Agora era a vez de outros.

Às 5h da manhã, no Senado, para ouvir Comey

Nicolás Alonso (Washington)

Desde as primeiras horas da manhã, dezenas de pessoas faziam fila para poder entrar na sala do Comitê de Inteligência do Senado, onde James Comey depôs. “Hoje pode ser um dia histórico, queria estar aqui”, afirmou Louis, um jovem que trabalha no Capitólio mas que nesta quinta-feira pediu autorização para assistir à audiência. Chegou às 5h.

Os congressistas tentavam driblar as câmeras nos corredores do Senado. Alguns inclusive mudaram seu trajeto habitual de entrada ao recinto. O ex-diretor do FBI só entrou ali menos de dois minutos antes do início da sessão.

Após quase três horas de perguntas e respostas – e mais detalhes sobre as pressões de Trump contra Comey –, o ex-funcionário saiu da sala do Senado com passo firme, em silêncio e com olhar perdido.

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