Temer busca anular áudio, mas OAB diz que perícia não mudará indício de crime
Presidente desiste de interromper inquérito no Supremo e evita que plenário debata ao vivo seu caso OAB, que pede impeachment, diz que fala de mandatário confirma teor da conversa com Joesley
O presidente Michel Temer desistiu de pedir a suspensão do inquérito que tramita contra ele no Supremo Tribunal Federal no qual é investigado por corrupção passiva, obstrução à investigação e constituição e participação em organização criminosa. A estratégia na qual a defesa insistirá é na anulação de uma das provas que pesam contra o peemedebista, a gravação da conversa entre ele e o magnata Joesley Batista, da JBS. “Desistimos da suspensão porque nosso objetivo inicial foi alcançado, que era o de que a gravação passasse por uma perícia”, disse o advogado Gustavo Guedes, um dos defensores do presidente.
Para tentar desqualificar o áudio, tomado como autêntico pelo Ministério Público Federal e inserido no acordo de delação feito por Joesley, a defesa de Temer contratou o midiático e controverso perito Ricardo Molina, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que fez diante de câmeras e jornalistas em Brasília uma apresentação de quase uma hora. Se conseguir excluir a gravação como prova, é provável que a defesa de Temer também tente anular todo o processo. Quando o advogado Guedes foi questionado se usaria a tese "da árvore contaminada", na qual uma prova irregular invalida toda a ação, ele não respondeu nem afirmativamente nem negativamente. “Pode contaminar tudo”, limitou-se a dizer. O defensor não quis detalhar a linha de defesa, disse que só o fará ao lado do advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira, o criminalista responsável pela defesa de Temer no STF.
Além da estratégia jurídica, ao desistir da suspensão do processo Temer evita criar mais um fato político em torno da crise, com a deliberação de todos os ministros do Supremo sobre seu caso. Assim, mantém por mais tempo o suspense sobre que magistrados votariam a seu favor no caso de apresentação da denúncia formal ou eventual julgamento nesta Corte ou no Tribunal Superior Eleitoral. Nessa última seara, também atuam os ministros do Supremo Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux e participarão, ao lado de outros magistrados do julgamento da chapa Dilma-Temer no próximo dia 6 de junho.
Molina e OAB
Durante sua exposição, o perito Ricardo Molina apresentou um laudo a jornalistas em Brasília para “provar” que a gravação feita por Joesley não pode ser usada como prova judicial porque contém uma série de “prováveis” manipulações. “Minha convicção é que essa prova foi manipulada”. Disse ainda que a qualidade da gravação é péssima, que há mais de 50 interferências que podem representar edições e a comparou com uma foto de uma nave extraterrestre (um OVNI). “Essa gravação é como uma foto de um OVNI, que é sempre desfocada”, disse o perito, que já atuou de maneira privada ou pública nos mais diversos ramos da perícia forense, desde a autópsia de corpos (como no caso de PC Farias e no massacre de Eldorado dos Carajás) até na análise de vídeos de confrontos entre militantes tucanos e petistas na campanha eleitoral de 2010, no caso que ficou conhecido como a “bolinha de papel” arremessada contra o candidato José Serra (PSDB).
Nesta segunda-feira, a Polícia Federal anunciou que recebeu um dos dois gravadores que teriam sido usados no grampo a Temer e a outros dois investigados no mesmo inquérito, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ambos afastados das funções parlamentares _o procurador-geral Rodrigo Janot pediu, aliás, que o plenário do Supremo que avalie um pedido de prisão dos dois. O equipamento passará pela perícia, sem data para ser concluído. O outro equipamento deve chegar ao Brasil até quarta-feira, pois estava com o delator Joesley em Nova York, cidade onde ele se abrigou depois de fechar o acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República.
A gravação, de todo modo, não é o único indício apresentado pelo Ministério Público de que Temer teria cometido os crimes. Só o fato de o presidente ter recebido Joesley em uma agenda clandestina, ouvido relatos de que ele estaria cometendo uma série de crimes, já seria capaz de gerar uma ação investigá-lo sob a acusação de ter cometido alguns delitos. É nessa lógica que se baseia um dos pedidos de impeachment que será apresentado contra ele, produzido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A OAB afirmou nesta segunda-feira que mesmo que o áudio da conversa tenha tido alguma edição, as falas do próprio presidente em seus pronunciamentos já trazem indícios de que houve crime. "Na medida que ele não afirma que o diálogo não existiu e diz que interpretou que seu interlocutor era um fanfarrão, já é gravíssimo", destacou o presidente da instituição, Claudio Lamachia. A entidade decidiu no último sábado entrar com um pedido de abertura do processo impeachment contra o presidente, que será protocolado no decorrer desta semana.
Segundo a decisão, acatada por 25 unidades federativas, há indícios de que o presidente cometeu crime de responsabilidade. Segundo a entidade, o presidente pode ter ferido o artigo 85 da Constituição Federal, que versa sobre os crimes de responsabilidade do Presidente, e o artigo 116 da Lei 8.112/1990, que descreve os deveres dos servidores públicos. Ele pode ter incorrido nestas infrações ao não informar às autoridades legais a ocorrência dos crimes relatados a ele por Batista. No encontro com Temer, gravado por Batista, o empresário afirmou que tinha comprado um juiz, um juiz substituto e um procurador que poderiam interferir em investigações.
Tanto em seu pronunciamento, no sábado, quanto em uma entrevista publicada nesta segunda-feira na Folha de S.Paulo, o presidente confirmou ter se encontrado com Batista no Jaburu e disse que escutou dele a informação de que o empresário havia relatado os crimes. "Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta. Confesso que não levei essa bobagem em conta. O objetivo central da conversa não era esse", justificou Temer em entrevista ao jornal. Ele disse ainda que o fato de o encontro não estar na agenda era um "hábito", pois ele costuma receber muitas pessoas, e que ele não sabia que o empresário estava sendo investigado, apesar de ele ser alvo de três operações policiais, todas amplamente divulgadas na imprensa.
Para a OAB, há indícios de que o presidente agiu de maneira incompatível com o cargo, contrariando a Constituição e a Lei do Impeachment, ao se encontrar com o diretor de uma empresa investigada pela Justiça em um encontro com "protocolo não-habitual". "O conteúdo da conversa é gravíssimo", afirmou Lamachia, em uma entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira. "Muito se está discutindo sobre a validade da gravação e eventuais edições no áudio. A decisão da OAB foi tomada com base nas declarações do próprio presidente. Elas já reconhecem o teor da conversa que ele teve com o empresário", destacou o presidente da OAB. "Se o presidente não tivesse confirmado parte do teor das conversas dos áudios, a situação poderia ser diferente", ressaltou.
Para ele, o presidente deveria ter agido e denunciado o empresário à Justiça mesmo considerando que o que ele afirmava era mentira. Como não o fez, incorreu em crime de prevaricação e de responsabilidade. "Na medida que o presidente diz que o empresario é um fanfarrão e um delinquente e não tomou atitude por conta disso, só agrava o fato. Se ele sabia que estava diante de um interlocutor que era um fanfarrão e um delinquente, não deveria nem tê-lo recebido", destacou Lamachia. "O mínimo que ele deveria ter feito era encerrar a conversa e comunicar às autoridades competentes e jamais indicar um interlocutor para alguém que é um fanfarrão ou um delinquente", diz ele.
O pedido da OAB se junta a outros nove já protocolados na Câmara dos Deputados desde que o escândalo da JBS estourou. Agora caberá ao presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM), refutá-lo ou aceitá-lo, o que daria início ao processo, como houve com Dilma Rousseff. Maia é, até o momento, aliado de Temer e não dá indicativos de que acatará o início de qualquer investigação contra o presidente. Os dois, inclusive, têm se reunido. "Temos que aguardar que haja celeridade, clamar por celeridade, porque a sociedade está toda estarrecida com o que está vivendo."
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