A tentação às manchetes fáceis na mídia é tema de filme
‘Mercado de notícias’, em cartaz no Brasil, combina uma peça inglesa de 1625 com depoimentos de 13 jornalistas sobre os pecados da profissão
Difundir notícias, fatos, informações é uma prática tão antiga quanto a própria civilização. Mas nem sempre houve a chamada imprensa, invenção intrincada do homem que surge a partir da prensa móvel de Gutemberg no século XV e que agrupa veículos que exercem o jornalismo. Mas o que é o jornalismo, senão a difusão de notícias?
Ben Jonson (1572 – 1637), o mais conhecido dramaturgo inglês da época elisabetana depois de Shakespeare, responde em sua peça cômica The Staple of News entre outras coisas, que a imprensa é “esse mercado, onde cada época pode ver sua própria insensatez”. O cineasta gaúcho Jorge Furtado, famoso por longas-metragens como O homem que copiava e curtas como Ilha das Flores, aprovou a abordagem irônica porém atual do tema e resolveu falar sobre ele em seu primeiro documentário longo, Mercado de notícias.
O filme foi lançado há uma semana no circuito comercial brasileiro, depois de competir na principal seção do festival É Tudo Verdade e de receber vários prêmios no Cine PE, de Recife. E parte justamente da peça de Jonson – em que um jovem herdeiro que não sabe como gastar seu dinheiro decide investir numa agência de notícias – para tecer um debate sobre a essência do jornalismo e a necessidade de sobrevivência comercial dos meios de comunicação. Embate esse que pode resultar em excessos como sensacionalismo, favorecimento de interesses e até antijornalismo.
Esses pecados são, a julgar por The Staple of News, tão frequentes hoje como em 1625-1626, quando a peça foi escrita e encenada em Londres, época em que ser repórter era uma novidade quente (o primeiro jornal britânico nasce em 1622). Essa constatação inspirou Furtado a intercalar trechos da peça com depoimentos de 13 jornalistas que ele admira para discutir critérios, falhas e a própria importância da imprensa hoje e sempre.
“O filme é uma defesa do bom jornalismo, algo essencial em um momento no qual nasce uma nova tecnologia, como a internet. Quando surgiram os veículos online e depois as redes sociais, as pessoas passaram a afirmar que os jornalistas não eram mais necessários. Minha sensação é justamente o oposto: precisamos mais que nunca de profissionais com critérios”, explica o diretor, que convidou ao projeto profissionais brasileiros como Mino Carta, Luis Nassif, Cristiana Lôbo, Renata Lo Prete, José Roberto de Toledo e Bob Fernandes.
Não que o documentário evite mostrar “barrigas” da mídia nacional, tocando em episódios como a bolinha de papel que atingiu o então candidato José Serra em 2010, durante sua campanha presidencial, e do falso Picasso, em que a cópia de uma obra do pintor, pendurada na sede do INSS, em Brasília, foi considerada legítima. “No caso do Serra, me chamou a atenção como a importância de ver e escutar um fato, algo básico na apuração de uma notícia, foi totalmente ignorado pelos meios. Ninguém se perguntou o que era aquela bolinha que apareceu em todas as imagens divulgadas na época. E, com o Picasso, a cobertura partia de um preconceito (em relação a um novo governo que ‘não sabia’ lidar com arte), um despreparo e uma tentação à manchete fácil claros”, diz.
A relevância do debate é indiscutível, tendo em vista as coberturas frequentemente polêmicas de grandes acontecimentos do Brasil nos últimos tempos – como as eleições, a Copa do Mundo de 2014 e, muito recentemente, a morte do candidato à presidência pelo PSB Eduardo Campos na tragédia do avião que caiu em Santos na última quarta-feira. Para Furtado, “a credibilidade da imprensa cai muito quando, antes do Mundial, afirmam que tudo vai dar errado, e depois se vê que não é bem assim. Há uma torcida em lugar de uma cobertura factual, como aconteceu com a morte de Campos. Chegou a sair que a mulher e o filho dele estavam no avião. Num caso extremo como esse, a imprensa tinha que se perguntar se é melhor dar a notícia certa em meia hora ou a errada imediatamente. Mas a necessidade de furar o concorrente ganha”.
Apesar do terreno pantanoso sobre o qual a notícia se move, especialmente em tempos de informação abundante, o diretor é otimista em relação ao futuro do jornalismo. “Precisamos da imprensa para tudo, para tomar decisões. Mas os meios precisam entender que o produto deles é a credibilidade, não a informação. Com isso, os leitores ficarão mais criteriosos na hora de escolher como se informar”, finaliza.
Mercado de notícias está nos circuitos de cinema de 10 cidades brasileiras, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Porto Alegre e João Pessoa.
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