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Os 100 dias do ‘Chapo’ na prisão: uma escalada de delações e violência

A extradição de Joaquín Guzmán multiplicou as revelações de traficantes que tentam acordos com a polícia

Amanda Mars
O traficante ‘El Chapo’ desembarca nos EUA após ser extraditado pelo México.
O traficante ‘El Chapo’ desembarca nos EUA após ser extraditado pelo México.AP

No mesmo dia em que Donald Trump tomava posse como presidente dos EUA, Joaquín Guzmán Loera, mais conhecido como El Chapo, encarava pela primeira vez um juiz de Nova York. Havia aterrissado na noite anterior no aeroporto de Long Island, extraditado pelo México e escoltado pelos homens de James Hunt. Um peixe grande. O agente especial que comanda a DEA (agência antidrogas dos EUA) em Nova York também estava lá, era um Dia D, por causa de tantos anos que havia passado no seu encalço, porque se tratava do maior traficante do mundo e porque, com a queda de Guzmán, ele sabia que muito outros viriam atrás. Em seus primeiros 100 dias nos Estados Unidos, enjaulado em uma penitenciária de segurança máxima em Manhattan, a disputa de poder fez o Estado mexicano de Sinaloa mergulhar num banho de sangue, enquanto em território norte-americano as investigações se multiplicam, e muitos traficantes, assustados, começam a abrir a boca.

“Trazer um sujeito como El Chapo para cá faz com que muitos se perguntem se serão os próximos, então muita gente procura o Governo para cooperar e tentar conseguir um acordo, porque acha que, se [as autoridades dos EUA] são capazes de apanhar alguém assim [como El Chapo], poderão apanhar todos, e muitos traficantes estão entrando em contato com advogados norte-americanos”, diz o agente a este jornal.

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No México, correu como a pólvora o rumor de que Guzmán, vendo já tudo perdido, começou a abrir a boca para delatar velhos cúmplices, subordinados e rivais, numa tentativa de atenuar sua situação. Atualmente, ele passa 23 horas por dia em confinamento solitário, à espera do julgamento. A detenção de Edgar Veytia, procurador-geral do Estado de Nayarit (México), estimulou as especulações, porque a investigação foi liderada pelo mesmo funcionário que imputou El Chapo, embora seus advogados neguem taxativamente qualquer relação entre os dois fatos.

As guerras intestinas explicam muitas vulnerabilidades. “Cada vez que há lutas internas, o cartel se enfraquece, porque seus membros começam a se preocupar mais com uma coisa do que com outra – quem vai ser o próximo chefe, em vez de como burlar a lei”, explicava o chefe da DEA nova-iorquina, falando antes dessa detenção. Havia “muitíssimas investigações” abertas, segundo ele.

Nesta terça-feira, caiu na Cidade do México Dámaso López, um dos sucessores do chefão, capturado precisamente em meio à luta entre as diferentes facções do cartel: de um lado López, de outro os filhos de Guzmán, mais Beltrán Leyva… A batalha no território de El Chapo fez a violência se aproximar de um novo patamar. Corpos começaram a ser atirados de pequenos aviões, como exibição de força e ameaça, e nos dois primeiros meses foram registrados 230 homicídios – cifra que os analistas dessas regiões acreditam já ter duplicado.

Segundo Hunt, enjaular El Chapo foi algo comparável à captura de John Gotti, que na década de 1980 chegou a ser o chefe do clã Gambino, uma das grandes famílias mafiosas de Nova York. Resta ver qual será a posição assumida pelos filhos de El Chapo. “Tenho certeza de que tem muita gente ressentida com o fato de os filhos estarem onde estão sem terem precisado competir como eles”, afirma o diretor da DEA. Queixas de nepotismo em versão narco: “É como quando Gotti nomeou seu filho como chefe, houve muito ressentimento por isso, e foi o que afundou a família, mas não estou no México”, acrescenta.

Nova audiência judicial

A Justiça norte-americana considera El Chapo como o principal narcotraficante do mundo e o acusa de milhares de mortes, torturas e sequestros. Desde Al Capone, Chicago não declarava alguém como seu inimigo público número um. Nos EUA, Guzmán Loera responde por 17 crimes, pelos quais pode passar o resto da vida na cadeia. Desde que foi extraditado para os EUA, há pouco mais de 100 dias, vive confinado numa cela, quase incomunicável, e seus advogados dizem que começou a sofrer alucinações e ouve música em um rádio desligado.

No mundo do tráfico, rei morto, rei posto. “Alguém vai ocupar esse vazio, há muito dinheiro aí para que isso não ocorra”, afirma Hunt. Mas essa detenção criou um tsunami na organização, e isso é providencial para as forças de segurança.

Nesta sexta-feira, El Chapo voltará a ver o juiz no Brooklyn. Não se sabe a data do julgamento, mas sim que nele haverá um desfile de líderes de cartéis colombianos para depor contra ele.

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