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Manifestantes de direita em SP se dividem sobre permanência de Temer

Pesquisa feita no último domingo revela que 75% dos que foram ao ato da Paulista são contrários à reforma da Previdência e rejeitam algumas políticas de cunho social

A avenida Paulista foi tomada no último domingo por manifestantes que foram protestar contra as manobras do Congresso para esvaziar a Lava Jato. Mas o foco da insatisfação não ficou só no Legislativo. Metade das pessoas que participaram do ato organizado pelos movimentos que lideraram a pressão nas ruas pelo impeachment de Dilma Rousseff também são contrários à permanência do presidente Michel Temer na presidência. É o que revela a pesquisa conduzida pela pesquisadora Esther Solano, juntamente com pesquisadores da Universidade de São Paulo, Marcio Moretto Ribeiro e Pablo Ortellado, feita com 512 pessoas, no último dia 26. Segundo o levantamento, 46,5% dos entrevistados se disseram contra Temer no poder, enquanto outros 46,9%preferem que ele fique. O restante não soube responder. A poucos dias do julgamento do processo de cassação da chapa Dilma-Temer, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o dado chama a atenção, uma vez que a saída do presidente é uma bandeira clara dos movimentos de esquerda.

Manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo
Manifestação na Avenida Paulista, em São PauloFERNANDO BIZERRA JR (EFE)

Com a reforma da Previdência, outra pauta cara à esquerda, os manifestantes da Paulista foram ainda mais radicais: 74,8% dos entrevistados são contra a proposta de Temer. É o caso da artista plástica Dalva Leite, 68 anos, que foi à Paulista defender a intervenção militar. "Não tem outra saída, ou o Brasil vai ser um país de escravos. Olha o que querem fazer com a Previdência?! Muita gente vai morrer antes de se aposentar. É o que chamo de aposentadoria pé na cova", disse Dalva que conversou com a reportagem no último domingo.

As coincidências, no entanto, parecem ficar por aí. Solano afirma que o antipetismo foi, novamente, o sentimento que unia os manifestantes de direita no ato de domingo. A venda dos bonecos de Lula preso por um ambulante, o famoso pixuleco, tentava atender essa demanda. Porém, após o impeachment de Dilma Rousseff, algo mudou. O desalento com os escândalos de corrupção está abrindo espaço para o acirramento de discursos em prol da "meritocracia, individualismo, negação da política e conservadorismo religioso".

Não por acaso, 72,9% dos presentes não se identificavam com nenhum partido. O PSDB e o Partido Novo são os que despertam maior simpatia entre eles, com 11,7% e 6,8% de menções, respectivamente. "O antipetismo é ainda o fator de coesão do grupo, mas o discurso de que todos os políticos são corruptos aumentou."

Essa insatisfação não atinge apenas a classe média mais abastada das regiões centrais. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo, "Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo", mostra que a população da periferia também apresenta essa tendência “Os políticos são vistos como simples usurpadores, que não cumprem com seus deveres em relação às necessidades dos cidadãos e, ainda, buscam somente vantagens pessoais", afirma o estudo. Para eles, a saída não é a política, mas sim, maior parceria com as empresas. "A esquerda não sabe como dialogar com essa realidade, o que ajuda a justificar a ascensão de João Doria à prefeitura de São Paulo, com seu discurso de ser um gestor e não um político", diz a pesquisadora.

Individual versus coletivo

Financiada pela Fundação Friedrich Ebert Brasil, a pesquisa mostra que os manifestantes são sensíveis a temas como racismo, mas não concordam com as políticas de inclusão atual. O levantamento mostra que 83% dos entrevistados concordam que os "negros ainda sofrem preconceito no Brasil". No entanto, 75,2% discordam que as "cotas são uma boa medida para fazer com que os negros entrem na universidade". Assim, eles não negam o preconceito - metade dos entrevistados concordou com a afirmação que a polícia é mais violenta com os negros do que com os brancos, por exemplo. "Mas baseados em valores meritocráticos e individualistas, são contra os programas sociais", afirma Solano. Um dos alvos é o  Bolsa Família. Mais de 80% dos entrevistados acreditam que o programa estimula as pessoas a não trabalhar. Em oposição, defendem a maioridade penal, pena de morte e o porte de armas.

Outras bandeiras defendidas pela esquerda também são rechaçadas. "Os manifestantes rejeitam termos como os direitos humanos e feminismo", afirma Solano. Segundo a pesquisa, 57,2% dos participantes disseram acreditar na afirmação de que o 'feminismo é machismo ao contrário´, muito embora os dois conceitos não sejam antônimos: machismo engloba preconceito contra a mullher e a bandeira do feminismo seja a defesa de direitos iguais para os dois gêneros. Isso não significa que eles não defendam os direitos das mulheres. Metade dos participantes afirmou que "cantar uma mulher na rua é ofensivo". Além disso, 78,5% concordam com a afirmação de que "não se deve condenar uma mulher que transe com muitas pessoas", e 94,1% não concordam com a frase: "o lugar da mulher é em casa cuidando da família".

Esse maior entendimento do direito das mulheres tem relação direta com a ampliação de campanhas de conscientização dos movimentos feministas. Porém, Solano alerta que se trata de uma espécie de "feminismo individualista", ao contrário da característica coletiva do movimento, no qual as mulheres podem ser e ter o que quiserem, contanto que trabalhem e sejam independentes. Durante a manifestação do último domingo, foi possível encontrar pessoas com postura antifeministas – com cartazes dizendo "Feminismo é câncer" e "Moça, não sou obrigada a ser feminista" – que chegaram a ser aplaudidas pelo público.

O direito ao aborto também é aceito pela metade dos participantes (51,5%), bem como a família de pessoas do mesmo sexo, defendida por 59,4% dos entrevistados. Porém, 55,1% dos entrevistados não concordam com a frase "travestis devem poder usar o banheiro feminino". Neste caso, o travesti representa um outro grupo, com o qual não há empatia.

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