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Estupro coletivo exposto nas redes: Justiça do Rio condena dois a 15 anos de prisão

Raí de Souza e Raphael Assis Duarte Belo foram condenados por violação de menor, em maio de 2016

María Martín
Raí de Souza, um dos condenados nesta segunda. R. M. REUTERS
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Exatamente nove meses depois da divulgação do estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos em uma favela do Rio, a Justiça acaba de ditar as primeiras sentenças. A 2ª Vara Criminal Regional de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, condenou nesta segunda-feira a 15 anos de prisão a dois dos cinco envolvidos diretamente com o crime. Raí de Souza e Raphael Assis Duarte Belo deverão cumprir 15 anos de prisão em regime fechado, considerados culpados por estupro de vulnerável e por produzir, reproduzir ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

Raí de Souza, de 22 anos, manteve relações sexuais consentidas com a vítima na madrugada do crime e estava preso desde o 30 de maio. Raí chegou a se apresentar na delegacia sorrindo e debochando no seu primeiro depoimento e negou ter participado do estupro, mas a investigação demonstrou que depois do sexo consentido, horas depois, ele chegou a segurar a vítima enquanto outros a tocavam, o que o levou a responder por estupro, além de responder ainda por gravar e divulgar imagens da menor, hoje acolhida em um programa de proteção à vítima. O celular de Raí, aliás, foi chave nas pesquisas que permitiram identificar os participantes e resgatar os vídeos e as mensagens trocadas com outros envolvidos para combinar seus depoimentos.

Cronologia do caso

21 de maio: De madrugada, a vítima de 16 anos vai com uma amiga num baile funk na comunidade do Barão, na zona oeste do Rio. Ali se encontra com Raí e Lucas. A adolescente manteve relações sexuais consentidas com Raí em uma casa abandonada da comunidade, enquanto sua amiga ficava com Lucas. Por volta das 10h da manhã, Lucas, Raí e a amiga abandonam a casa deixando a adolescente no local. Encontrada pelo traficante Moisés Camilo de Lucena, o Canário, foi levada para o local conhecido como abatedouro, onde aconteceu o estupro.

22 de maio: À noite, Raí aparece no abatedouro e, acompanhado de Raphael Belo, o Perninha e Canário, abusam da jovem e a gravam desacordada. A vítima declarou que o dois homens a seguravam enquanto outros dois a estupraram.

24-25 de maio. Os vídeos começam a se espalhar e chegam à família da jovem.

26 de maio. A adolescente presta seu primeiro depoimento ao delegado Alexandre Thiers, que acabou sendo afastado do caso no dia 29 de maio por constranger a vítima com questionamentos sobre as preferências sexuais da jovem. O novo destino de Thiers, que está de férias, ainda não foi definido.

27 de maio: A jovem presta mais depoimentos e Lucas Perdomo e Raí se apresentam na delegacia.

30 de maio: A Polícia Civil monta uma operação para prender seis envolvidos no crime. Raí e Lucas, que foi liberado depois por falta de provas, são detidos. Os demais estão foragidos.

31 de maio: A vítima entra no programa de proteção a testemunhas e abandona o Estado, sob outra identidade, com a família.

1 de junho: Rafael Belo é preso após se apresentar na delegacia. O inquérito continua com ordens de busca e apreensão e perícias no lugar do crime e nos materiais apreendidos.

17 de junho: O inquérito conclui com a participação de cinco pessoas no estupro e acusação de mais dois jovens por divulgar às imagens.

Raphael Belo, de 41 anos, era cinegrafista e o rosto dele aparece em uma das fotos tomadas junto à vítima desacordada e num dos vídeos introduzindo objetos na vagina da menor. Na época da prisão dos então suspeitos, a delegada responsável pela investigação, Cristiana Bento, surpreendia-se com a incapacidade dos envolvidos de enxergar um crime nas suas ações. “O último depoimento que eu peguei do Raphael, ele me disse que ela estava dormindo, mas que quando ela acordou eles pararam de mexer nela. Quando lhe perguntei se a menina fosse sua filha ele disse: ‘Deus me livre”, disse Bento em entrevista ao EL PAÍS em junho.

Além de Raphael e Raí, deveria responder pelos mesmos crimes um terceiro acusado, identificado como Moisés Camilo Lucena, o Canário, suposto traficante que está foragido e que foi identificado pela vítima como um dos homens que a segurou durante a violação. A investigação apontou que mais um rapaz estava no quarto durante o estupro, mas, por ser menor, ele responderá separadamente. O quinto participante, também foragido, é o chefe do tráfico da comunidade onde o crime aconteceu, Sergio Luiz da Dilva, o Da Russa. Não há provas de que Da Russa tenha participado diretamente, mas foi indiciado pelo crime de estupro por ele ter conhecimento do que estava acontecendo, pois o quartel-general do tráfico fica do lado do lugar conhecido como abatedouro, onde a menina foi estuprada.

Outros dois jovens, Michel Brasil e Marcelo Miranda, de 20 e 18 anos não responderão pelo estupro de vulnerável, mas sim por serem os primeiros a divulgar as imagens que deram a volta ao mundo. Os processos correm na Justiça Federal pelo caráter "transnacional” do seu crime – pessoas de vários lugares poderiam acessar as imagens criminosas por meio da Internet.

O caso teve repercussão internacional e incendiou o debate sobre a cultura do estupro no Brasil. A delegada Bento afirmou na época que o crime, que provocou forte comoção e marchas de mulheres em várias cidades, passará à história porque fez a sociedade pensar “sobre o conceito e a cultura de estupro” no Brasil, que busca “culpar a vítima ou despenalizar o agressor”.

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