Próspero ano novo?
Infelizmente, 2016 entra para os compêndios como o ano que, desrespeitando o calendário, invade 2017 como um caminhão sem freios
É tradição, nesta época do ano, desejarmos uns aos outros que tenhamos um próspero ano novo – é o que eu gostaria de fazer também agora, usando este espaço que ocupo desde fins de 2013. Mas, infelizmente, sob pena de parecer cínico, acredito que não podemos ignorar que o Brasil atravessa um momento crítico, uma situação de grave instabilidade econômica e política, mas, mais que tudo, uma profunda crise moral, sem precedentes na história do país. E o fator que provoca maior desânimo é não vermos, em um futuro próximo, qualquer possibilidade de reversão de expectativas. 2016 entra para os compêndios como o ano que, desrespeitando o calendário, invade 2017 como um caminhão sem freios.
Após dois anos de recessão, o mercado financeiro aposta que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá cerca de 0,5% no ano que vem, um percentual pífio, se considerarmos que a economia encolheu 3,8% em 2015 e 3,5% este ano. O resultado é uma taxa de desemprego em torno de 12% – o que significa mais ou menos 12 milhões de pessoas –, que se amplia para 27,7% se levarmos em conta apenas a faixa etária situada entre 14 e 24 anos. Além disso, segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os salários do trabalhador brasileiro sofreram a maior desvalorização em termos reais – ou seja, descontada a inflação - entre os países que formam o G-20. A queda deve alcançar 6,2% do valor nominal este ano.
Se a economia vai mal, não está melhor a política. O presidente não eleito, Michel Temer, termina o ano com uma popularidade baixíssima. Pesquisa da Datafolha, realizada ainda antes da divulgação dos depoimentos de executivos da Odebrecht envolvendo Temer em denúncias de corrupção, apontavam que 51% dos ouvidos consideram o governo ruim ou péssimo e 34% apenas regular. Na mesma pesquisa, 41% afirmavam que o desempenho da economia irá piorar e 27% acreditavam que nada vai mudar. Chegou-se até mesmo a cogitar que, sem apoio popular, Temer poderia renunciar para provocar novas eleições – coisa que não aconteceu.
Resta saber como se comportará o presidente não eleito no ano que vem. O cenário que se descortina aponta para três hipóteses: Temer empurrará o seu mandato até o fim, aprofundando as reformas autoritárias que vem conduzindo; ou, em um gesto de grandeza ou desespero, renunciará; ou ainda o Tribunal Superior Eleitoral decidirá pela cassação da chapa Dilma-Temer. Caso Temer venha a renunciar, abrem-se pelo menos duas possibilidades: eleição indireta pelo Congresso ou votação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permita um mandato-tampão de alguma liderança que promova eleições diretas. No caso de cassação da chapa pelo TSE, há um entendimento desse tribunal, baseado na minirreforma eleitoral de setembro de 2015, que poderia haver a convocação de eleições diretas em 20 a 40 dias após o afastamento, até seis meses antes do término do mandato. Essa interpretação, no entanto, teria de ser referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O problema é a crise moral que atinge todos os poderes, indiscriminadamente. No STF, há uma clara divisão entre os ministros, que deixaram de lado a ritualística do cargo e resolveram expor publicamente, e de maneira bastante agressiva, suas diferenças, baseadas em interesses pessoais, muitas vezes escusos. Em acordo de delação premiada, executivos da Odebrecht prometem arrolar dezenas de políticos dos mais diversos partidos, o que atinge o Legislativo – que já tem nove senadores e 45 deputados envolvidos na Operação Lava Jato – e o Executivo, incluindo Temer e alguns de seus ministros, como o da Casa Civil, Eliseu Padilha.
O problema é a crise moral que atinge todos os poderes
Restaria a nós, que ansiamos por um país melhor, mais justo e mais democrático, torcer para o encaminhamento de uma solução que contentasse a todos, mas principalmente a camada mais pobre da população, que sofre de maneira direta com a incompetência, a roubalheira e os desmandos. Mas mesmo esse desejo desaparece no firmamento. Os nomes que se apresentam no cenário político estão todos, uns mais outros menos, comprometidos com escândalos de corrupção: no ninho tucano, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves; Marina Silva, que aparece como candidata preferida em pesquisa Datafolha divulgada no começo de dezembro, comanda um partido, a Rede, que mostrou um desempenho medíocre nas eleições municipais; e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A questão é que o PT, outrora guardião da moralidade, chafurda hoje na mesma lama que um dia denunciou e condenou. Vários de seus altos dirigentes encontram-se presos ou envolvidos em processos ligados à Operação Lava Jato, como o próprio Lula. E, para demonstrar de forma cabal que os petistas não são mais os mesmos, basta observar que todos os vereadores do partido, sem exceção, votaram, no último dia de trabalhos da Câmara Municipal de São Paulo, por um aumento de 26% em seus próprios salários, que passaram de R$ 15 mil para quase R$ 19 mil reais por mês...
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