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Estados Unidos temem a paralisia total após sua campanha mais áspera

O resultado ameaça agravar ainda mais a polarização dos anos de Obama

M. B.
John Kettman, de LaSalle (Illinois), pintou os rostos dos candidatos
John Kettman, de LaSalle (Illinois), pintou os rostos dos candidatosJIM YOUNG (REUTERS)

As eleições mais ásperas em tempos recentes podem terminar em uma presidência dominada pela paralisia legislativa. Ao suceder previsívelmente Barack Obama na Casa Branca, Donald Trump enfrentará uma oposição hostil, que questionará sua legitimidade, e até mesmo sua preparação para exercer o cargo. A eleição de terça-feira, ao término de uma intensa campanha entre a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump, ameaça agravar ainda mais a polarização dos anos de Obama. Uma diferença é que, ao contrário de outras ocasiões, hoje não existe nenhuma esperança de que as eleições curem feridas e tragam mais harmonia entre democratas e republicanos.

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A campanha entre Trump e Clinton – ambos, ao contrário de Obama, políticos com uma alta taxa de impopularidade – foi de terra arrasada. O republicano ameaçou prender a democrata se chegar à Casa Branca e deu a entender que não reconhecerá o resultado eleitoral se perder. Também ameaçaram, ele e outros republicanos, iniciar um processo de impeachment e destituição no caso da vitória de Clinton. O retorno, na reta final da campanha, do caso dos e-mails que ela utilizou quando era secretária de Estado, foi interpretado como um mau presságio. Uma presidência Clinton seria um pesadelo de escândalos reais e fictícios, obscurecida por investigações sem resultado, mas sem fim.

Hillary Clinton – como Obama, como a maioria da imprensa e os principais parceiros internacionais dos EUA – alertou sobre o viés autoritário de seu rival. Um resultado que levasse Trump à presidência, dizia, não seria só mais uma eleição. Colocaria em perigo alguns dos fundamentos da república. Voltar depois à normalidade após um ano e meio em uma montanha russa, à beira do precipício, parece improvável.

A polarização não é nova. O cientista político Francis Fukuyama, que teorizou sobre o fim da história, cunhou o termo vetocracia para designar uma variação perniciosa do sistema de equilíbrio de poderes nos EUA. Esse sistema, com um Congresso e um Supremo Tribunal fortes destinados a neutralizar qualquer ambição absolutista do presidente, é a base da democracia norte-americana. Nenhum poder é maior do que outro, todos se vigiam entre si. Mas o sistema “se tornou muito poroso, muito democrático para seu próprio bem, dando a muitos atores os meios para torpedear os ajustes nas políticas públicas”, escreveu Fukuyama. Na vetocracia todos vetam a todos: todos têm poder para destruir, mas não para criar.

Nos anos de Obama, a polarização se acelerou. O presidente chegou à Casa Branca em 2009 prometendo unir o país e terminar com as divisões partidárias em Washington, demonstrar, como dizia, que “não existe uma América liberal [progressista, nos EUA] e uma América conservadora” e “não existe uma América negra, uma América branca, uma América latina e uma América asiática”, o que “existe são os Estados Unidos da América”.

Depois Obama descobriu que a Washington real e a ideal orbitavam em galáxias distantes. Na Washington ideal o bem comum dissimulava as arestas mais sectárias. Na real Obama viu como o Partido Republicano lhe dava as costas, no início de seu mandato, em suas duas inciativas centrais, o plano de estímulo fiscal para sair da Grande Recessão e a reforma da saúde. Quando os republicanos recuperaram o controle da Câmera dos Representantes em 2011, qualquer possibilidade de legislação ambiciosa foi abortada. Os EUA entraram em um bloqueio permanente, salpicado de disputas fiscais que aproximaram os EUA do precipício da suspensão de pagamentos.

Após cada eleição, legislativa e presidencial, se renovava a esperança no fim da paralisia. E a cada vez os fatos desmentiam a esperança.

A política norte-americana entra hoje em uma fase desconhecida, uma nova dimensão, potencialmente mais virulenta, da vetocracia. As feridas – cada lado considera o outro candidato um criminoso, um incompetente – não serão fáceis de curar.

O primeiro teste será a nomeação de um juiz do Supremo Tribunal para substituir o falecido Antonin Scalia. O substituto nomeado pelo democrata Obama, Merrick Garland, está há meses esperando que o Senado o confirme, mas os republicanos impedem. O presidente também quer aproveitar esses meses de transição, até que em 20 de janeiro seu sucessor preste o juramento do cargo, para fechar a prisão de Guantánamo, uma das contas pendentes de seus oito anos na Casa Branca, e tentar uma improvável ratificação do TPP, o tratado de livre comércio com países da Bacia do Pacífico.

Mais complicado será fechar as fraturas sociais expostas pela campanha. As ofensas de Trump às minorias e às mulheres. O racismo e a misoginia que persistem nesse país. A realidade de uma classe trabalhadora branca ignorada pelos políticos nas últimas décadas e que encontrou em Trump um porta-voz. Os EUA tardarão em digerir a eleição de 8 de novembro.

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