O impacto das eleições dos EUA no Brasil, de acordo com 5 especialistas
Hillary é o continuísmo e Trump, o imprevisível num contexto que Brasília está fora do radar
Cinco em cinco especialistas de diferentes áreas ouvidos pelo EL PAÍS concordam: o Brasil está fora do radar da política externa norte-americana, a relação não foi tema de campanha e dificilmente sofreremos impactos diretos advindos do resultado da corrida eleitoral pela Casa Branca. Tudo continua na mesma, então? Mais ou menos. Há o consenso de que o resultado pode trazer surpresas, mas surpresas globais em que o Brasil estaria enredado indiretamente. Neste ponto, ressaltam que Hillary Clinton representa o continuísmo, enquanto Donald Trump, claro, o imponderável.
“Do ponto de vista econômico, tanto Trump quanto Hillary defendem posições protecionistas, por isso, qualquer acordo de livre comércio será dificultado, o que não é o caso do Brasil”, comenta o historiador Luiz Felipe de Alencastro. Apesar de ser republicano, agremiação que tradicionalmente tem se alinhado ao liberalismo, Trump, assim como em todo o resto, adotou uma postura singular, posicionando-se como um protecionista ferrenho. Já Hillary, na tentativa de conquistar o eleitorado de Bernie Sanders, com quem rivalizou pela indicação do Partido Democrata à disputa presidencial, andou adotando posições mais protecionistas. A questão não é trivial para o Brasil, que mantém com os EUA seu segundo maior fluxo comercial (50 bilhões em 2015), só perdendo para a China.
Ex-embaixador em Washington durante 1991 e 1993, Rubens Ricupero também foca na questão dos acordos comerciais para dizer que o Brasil navega em mares que serão atingidos de forma secundária por qualquer resultado nos EUA. “As perspectivas mais preocupantes no momento são para países como o México, que tem relação direta com os norte-americanos. Embora as pessoas não se acostumem com isso, não é de hoje que o Brasil tem relações mais distantes com os EUA”, diz.
Se na década de 90, durante os anos Fernando Henrique Cardoso, a proximidade foi grande por conta dos empréstimos que o país fez junto ao FMI, depois o Brasil acumulou reservas internacionais e perseguiu uma política externa mais independente e foi se afastando da esfera de influência norte-americana. “Se ainda estivéssemos nos anos Lula e Hillary ganhasse, o cenário seria de atritos, já que ela nunca viu com bons olhos a diplomacia brasileira mais altiva, como no caso das negociações nucleares com o Irã. Este não é o caso, contudo. Hoje, não há muitas coisas acontecendo entre os dois países”, comenta Ricupero. Neste tabuleiro, apresenta-se a Venezuela, que vive grave crise econômica e turbulência política. Ainda que o Brasil de Temer, em confronto aberto com Nicolás Maduro, não seja mais um mediador possível no conflito interno venezuelano, há sinais de que Washington seguirá consultando Brasília e Buenos Aires sobre a questão.
Apesar da atual distância e da posição protecionista que Trump e Hillary assumiram, mesmo assim a torcida da política externa brasileira recai sobre a democrata. “Trump é imprevisível. Com o seu discurso de ódio, ele traz um risco não só para o Brasil, mas para o mundo. Já de Hillary espera-se continuidade com o que já vem sendo feito. É impossível, por exemplo, imaginar ela tomando posições como a de Jimmy Carter, que no final dos anos 1970 tomou posições contrárias a regimes autoritários”, diz Alencastro.
Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV-SP, os dois cenários não são animadores para o Brasil, mas, levando em conta que o Governo brasileiro tem feito um esforço de aproximação com os EUA, uma vitória de Hillary seria bem-vinda. “Com Trump, por exemplo, qualquer conversa sobre o TPP (sigla em inglês para o Acordo de Associação Transpacífico) ou aproximação com a União Europeia deve ficar completamente inviabilizada. E esse tipo de decisão com certeza terá impactos indiretos no Brasil”, diz Stuenkel.
Na Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Ancham), a visão de que os dois candidatos apresentam posições mais protecionistas é a mesma. Contudo, Deborah Vieitas, CEO da associação, faz a ressalva de que neste momento o mundo está lidando com duas plataformas eleitorais e não exatamente com o que vai prevalecer pós-eleição. “Houve uma exacerbação muito grande de determinados tópicos, mas a verdadeira agenda vamos conhecer depois desta terça-feira”, diz.
Vieitas ainda lembra que apesar do recente distanciamento entre EUA e Brasil, apontado pelos outros especialistas, em abril, por exemplo, foi firmado um acordo de cooperação em infraestrutura. “O papel da nossa associação é manter a discussão aberta independentemente do resultado das eleições”, comenta. Em um primeiro momento, contudo, admite que os olhos do presidente eleito devem se voltar para questões internas. “Temos que mencionar que estamos falando do novo chefe da Casa Branca com a aprovação mais baixa da história. Trump, por exemplo, já deixou claro que não acatará o resultado das urnas. Por isso, a preocupação, antes de mais nada, será interna”, concorda Stuenkel.
No horizonte imediato, portanto, deve ficar para depois a agenda mais concreta da relação bilateral - que inclui uma demanda popular: o pleito de Brasília pela liberação do visto de entrada para brasileiros nos EUA.
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