_
_
_
_

Vitória de Crivella no Rio, a ponta de lança do projeto político da Igreja Universal

Influente membro da terceira igreja evangélica mais numerosa do Brasil governará a cidade-vitrine do país

O novo prefeito do Rio, Marcelo Crivella.
O novo prefeito do Rio, Marcelo Crivella.YASUYOSHI CHIBA (AFP)
María Martín

O Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do Brasil, sede dos últimos Jogos Olímpicos e do Carnaval mais famoso do mundo, acaba de eleger prefeito o líder evangélico Marcelo Crivella, de 59 anos. Sua vitória, com 59,37% dos votos decide uma eleição que levou ao segundo turno as duas faces do Brasil de hoje.

Mais informações
AO VIVO | Acompanhe a cobertura do segundo turno das eleições 2016
Crivella se vê ganhador no Rio e desaparece na reta final da campanha
O partido dos que não votam
A Igreja Universal avança, por LUIZ RUFFATO

Em um extremo estava o modelo conservador encarnado por Crivella, senador desde 2002, engenheiro, cantor gospel de sucesso, defensor da teoria criacionista, evangelizador na África e ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, a terceira com mais fiéis do Brasil, fundada por seu tio Edir Macedo, que controla a segunda maior rede de TV do Brasil, a Record. No outro, Marcelo Freixo, um professor de história, de 49 anos, deputado estadual e defensor da legalização do aborto e das drogas, que encarnou a resistência das forças de esquerda em plena crise do Partido dos Trabalhadores, da ex-presidenta Dilma Rousseff, destituída do poder há apenas dois meses. Para além dos espectros ideológicos irreconciliáveis, os programas de ambos os candidatos divergiam em alguns pontos, como a participação da iniciativa privada na gestão da cidade, que Crivella defende.

A folgada vitória de Crivella, do Partido Republicano Brasileiro (PRB), braço político de sua igreja, foi impulsionada pelo eleitorado evangélico, que representa um terço dos quase 4,9 milhões de votantes, e pelos eleitores mais pobres e menos instruídos. Crivella, que disputava sua terceira eleição a prefeito da cidade e já tentara se tornar governador em 2006 e 2014, atraiu também os votos de seus aliados políticos de centro e direita, como Índio da Costa (PSD) e Carlos Osório (PSDB) e a maioria dos vereadores eleitos pelo PMDB, e da direita radical, representada por Flávio Bolsonaro (PSC).

Freixo, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), paradoxalmente, contou com o apoio das classes mais ricas e educadas, assim como dos mais jovens. Os grandes vencedores, porém, foram a abstenção (26,85%) e os votos brancos (4,18%) e nulos (15,90%). A ressaca da crise política, os escândalos de corrupção e o longo processo de destituição de Rousseff se traduziram em desânimo nestas eleições municipais. Apesar de o voto ser obrigatório no Brasil, a abstenção já tinha sido a protagonista no primeiro turno no Rio e em outras grandes capitais, onde os candidatos mais votados não conseguiram superar a soma dos votos não dados.

No seu primeiro discurso como prefeito, Crivella agradeceu a Deus, sua família, seus aliados e até a Igreja Católica. “Aquele que se elege é apenas um representante de todos os que lutaram junto para que nosso projeto pudesse alcançar o coração dos nossos eleitores. É um momento de imensa emoção, sobre todo para mim que já vinha tentando ser prefeito do Rio em varias ocasiões. O momento em que saiu o resultado foi insquecível”, disse acompanhado da esposa e dezenas de militantes.

Crivella criticou, mais uma vez, a imprensa que, segundo ele, orquestrou uma campanha contra sua candidatura. Nos bastidores, na verdade, há também uma luta de poder entre a TV da Igreja Universal, a TV Record, e sua principal concorrente, a TV Globo. “Vencemos uma onda enorme de preconceitos, por parte de uma mídia facciosa que se opôs à nossa campanha”, diz Crivella.

Uma vitória sem precedentes

Crivella na prefeitura da segunda cidade mais populosa do Brasil é uma conquista sem precedentes para os evangélicos. As igrejas evangélicas estão em expansão no Brasil: o número cresceu 61% entre 2000 e 2010. Seus pastores já concentram poder no Legislativo –são 80 parlamentares, 14% a mais do que na última legislatura–, mas têm, até agora, pouco peso em cargos executivos.

O novo prefeito, que se empenhou durante toda a campanha em suavizar seu papel em uma igreja que demoniza outras religiões e vê a homossexualidade como um pecado terrível, promete não misturar religião com política. No entanto, Crivella já declarou anos atrás que trocou o altar pela política por determinação de sua igreja e que algum dia o Brasil teria um presidente evangélico. “E, então, queridos irmãos”, disse a um grupo de pastores em 2011, “poderemos ser a igreja evangelizadora dos últimos dias e levar o evangelho a todas as nações da terra”. Agora deverá demonstrar com sua gestão e suas indicações que seu gabinete ficará afastado do púlpito. Entre os nomes que têm se discutido para ocupar as secretárias de Crivella está o do cientista político e editor César Bejamin, para a pasta de Educação, Carlos Osório, candidato derrotado do PSDB, na secretaria de Transportes, e Índio da Costa na Casa Civil, embora ele prefira a secretária da Saúde.

Crivella deve enfrentar o enorme desafio do Rio pós-olímpico. A cidade, de mais de seis milhões de habitantes, enfrenta depois dos Jogos um brusco aumento do desemprego e sofre os reflexos da grave crise financeira vivida pelo país e, sobretudo, o Estado do Rio, em áreas fundamentais como segurança e saúde. Os cariocas precisam também de itens básicos como saneamento, ruas que não se tornem rios na época das chuvas, moradia social e ônibus com ar condicionado em verões que ultrapassam os 45 graus. O Rio precisa também projetar-se como destino de turismo internacional, não só de visitantes, mas de empresários e eventos esportivos, para rentabilizar as milionárias obras e as mais de 50.000 vagas de hotel com as que a cidade chegou à maior festa esportista do mundo.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_