A “gentileza” da OAS que levou o acervo de presentes de Lula para a Lava Jato
Okamoto, do Instituto Lula, pediu ajuda a Léo Pinheiro para bancar armazenagem: “a quem eu ia pedir?”
Da viagem à África do Sul, na Copa do Mundo de 2010, vieram duas vuvuzelas de plástico com miçangas coloridas na parte exterior. Da Arábia Saudita, uma pasta executiva de couro sintético verde, de aparência meio anos 70, dada por um magnata local. De El Salvador, a chave da cidade de San Salvador, em metal dourado. Do Japão, uma chaleira em cerâmica. E, de Moçambique, dois tronos esculpidos em madeira maciça. Mas foi do Brasil mesmo que veio a maioria dos presentes recebidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos oito anos de seus dois mandatos presidenciais (entre 2003 e 2010).
Vítima de sua super-popularidade à época, o mandatário brasileiro recebeu de todos os cantos do país quase 370.000 cartas, além de camisetas, bonés, diversos retratos pintados à mão, em traços às vezes de gosto duvidoso, pulseiras, esculturas, dezenas de adornos indígenas, três ovos de avestruz pintados e até a cabeça empalhada de um surubim, um dos principais peixes de água doce do Brasil. Tem até jogo de baralho e colete de mototáxi. Tudo isso é parte de um acervo hoje lacrado pela Polícia Federal depois de entrar nas investigações da Operação Lava Jato, que apura a corrupção na Petrobras. Para o Ministério Público Federal, os presentes de Lula foram mantidos em um depósito pago com dinheiro de propina da OAS, uma das construtoras investigadas no esquema. Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e réu nas investigações, nega que tenha havido qualquer dinheiro ilícito nesta operação.
Uma lei de 1991 determina que os presentes recebidos pelos presidentes brasileiros sejam organizados e mantidos pela Secretaria de Documentação Histórica da Presidência enquanto o mandatário ainda está no poder. Apesar de ser de propriedade do próprio presidente, esse acervo é considerado de interesse público e, por isso, precisa ser preservado. Quando o governante deixa o cargo, tudo passa a ser de responsabilidade dele, que precisa retirá-lo do local o mais rapidamente possível para dar espaço para os presentes do novo ocupante do cargo. A ideia é que o material seja exposto em algum lugar, para que os cidadãos tenham acesso. Mas quem tem que cuidar disso é o dono dos presentes. "Eu fiquei com o pepino na mão", conta Okamotto, braço-direito de Lula desde a época das greves sindicais e que foi destacado, em dezembro de 2010, para resolver o problema.
A parte mais valiosa do acervo, composta por objetos de ouro e pedras preciosas, por exemplo, foi mandada para o Banco do Brasil. O restante deixou o Palácio do Planalto em janeiro de 2011 em dez caminhões de mudança ainda sem um rumo muito definitivo. Okamotto não havia conseguido um lugar para colocar aquela pilha de objetos e os caminhões levaram tudo para um depósito da própria Granero, que fez a mudança. Era para ser uma solução provisória, segundo ele. "A ideia nunca foi deixar guardado. A gente queria catalogar, classificar esse acervo e achar um lugar para expor", conta. "Tem gente que fala que é tranqueira… Mas quando você começa a analisar, por trás de uma carta tem uma história, um drama, uma esperança, um desabafo. Mais cedo ou mais tarde, você vai poder medir a alma do povo brasileiro. Vai poder ver como era a relação do governante com os governados. É um negócio fantástico. Aqueles presentes... As pessoas demoraram horas, semanas e meses fazendo coisas pra homenagear uma pessoa de que gostam. Culturalmente tem um valor astronômico", diz ele.
Logo que Lula saiu da Presidência, o Instituto Lula ainda não existia. A armazenagem do material pela Granero foi orçada em 25.000 reais e Okamotto afirma que não tinha como pagar esse valor. Foi quando Léo Pinheiro, dono da construtora OAS, foi visitar Lula e topou também com Okamotto, que pediu ajuda. "Expliquei pra ele que o material estava na Granero e que a gente estava com problema pra ver como ia pagar. Ele falou que achava que tinha alguma coisa com a Granero e perguntei se ele não podia dar um apoio pra bancar essa despesa". E, assim, a OAS começou a pagar a fatura, num ato de "gentileza", conta o ex-sindicalista. "Se coloca no meu lugar: pra quem eu ia pedir dinheiro? Felizmente ou infelizmente o primeiro cara que apareceu foi o cara da OAS." Ele diz ainda que a Lei permite que esse acervo seja mantido pela iniciativa privada.
Para o Ministério Público Federal, entretanto, a "gentileza" era, na verdade, uma propina disfarçada por favores obtidos em contratos com a Petrobras. A construtora pagou pelo aluguel do espaço 1,3 milhão de reais entre 2011 e 2016, quando a mudança foi levada para um depósito do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde hoje se encontra. "Eles alegam que há um crime, um caixa geral de corrupção da OAS. E que esse caixa geral pagou esse negócio. Para ser crime eu tinha que ter participado de negócios da Petrobras e ter combinado: dessa corrupção aqui você tira um pedaço para pagar o meu armazenamento. Eles vão ter que provar que eu tinha algum papel nas negociações da Petrobras, que eu fiz algum acordo e que eu sabia de alguma coisa. Se eu não sabia, que culpa tenho eu?", questiona ele, que diz que não teme ser considerado culpado.
Elefante branco ou memória histórica
Não é a primeira vez que o acervo presidencial traz dores de cabeça a um presidente. José Sarney, ele próprio autor da Lei de 1991 que trouxe os meandros da preservação, organização e proteção desses presentes, foi alvo de uma polêmica recente. Inicialmente, seu acervo era mantido pela Fundação Sarney, que afirmou, em 2011, não ter mais dinheiro para mantê-lo.
A filha do ex-presidente, Roseana Sarney, então Governadora do Maranhão, criou, então, a Fundação da Memória Republicana Brasileira, que recebeu os presentes do pai como doação e passou a mantê-lo com dinheiro público. Mais de 40.000 itens foram doados, que vão de livros a medalhas corporativas, passando por uma escultura que representa Sarney e o ex-presidente Tancredo Neves.No ano passado, quando Flavio Dino, do Partido Comunista do Brasil, assumiu o Governo do Estado, chegou a fechar a Fundação e ameaçou privatizá-la, mas depois a reabriu.
Fernando Henrique Cardoso, presidente entre 1995 e 2002, mantém o seu acervo na Fundação FHC, criada logo que ele deixou o Governo. Ela recebe doações privadas, que são auditadas. Já Dilma Rousseff, que deixou o cargo neste ano após o impeachment, levou seus presentes em quatro caminhões para Porto Alegre, onde tem um apartamento. Tudo permanece encaixotado e guardado.
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