Sai ditador militar, entra Clarice Lispector
A notícia mais importante da semana, aqui no meu jornal imaginário, não foi a civilizadíssima prisão do ex-herói nacional Eduardo Cunha
Meus queridos colegas de ofício que me desculpem, mas a notícia mais importante da semana, aqui no meu jornal imaginário, não foi a civilizadíssima prisão do ex-herói nacional Eduardo Cunha. Mesmo sabendo que “Cunha é Temer”, nas palavras gravadas do senador governista Romero Jucá sobre a metafísica maluca da ratoeira peemedebista.
Mesmo que a prisão tenha envolvido o novo fetiche da Lava Jato, o hipster “Lenhador da Federal”, zeloso membro do fã clube do próprio Cunha até o Impeachment de araque. Mesmo ciente da importância do ex-presidente da Câmara no roteiro do filme “B” de ação golpista.
Mesmo que o gelo baiano derreta no asfalto e este frio e calculista queridinho do Brasil canarinho das passeatas venha a incendiar a República, roteiro do qual desconfio como um bíblico São Tomé da Adega Pérola. Sou mais a “mínima moralia” do funk: está tudo dominado, dominadíssimo, você só saberá quando pagar o preço da bagaça toda via PEC 241 da morte.
No meu particularíssimo jornal imaginário, a grande manchete da semana seria mais ou menos assim: Sai Castelo Branco, entra Clarice Lispector. Em maiúsculas, com três exclamações, faz favor amigo tipógrafo, como nas publicações do tempo dos gráficos anarquistas ou dos notícias populares da vida.
Jovens alteram nome da própria escola, de Castelo Branco, ditador fuinha, para Clarice Lispector, escritora admirável. Bela iniciativa. pic.twitter.com/LFaTHUdTzY
— marcos nunes (@marcosnunescgm) October 20, 2016
Agora explico, na pedagogia possível: Estudantes trocam general da ditadura militar pelos mistérios da literatura. E lá estaria a foto, em seis colunas, ocupando toda a primeira página, com os meninos e meninas do Colégio Estadual Castelo Branco, em Foz do Iguaçu (PR), substituindo a placa da fachada da escola. Nada mais simbólico e comovente. Eu bato calejadas palmas para as belas novidades. Rumo à estação Esperanza.
Universo Lispector
Foi isso que a rapaziada aprontou na turística Foz do Iguaçu esta semana. Na onda de ocupações de escolas públicas no Paraná, um sopro que começou em São Paulo e faz redemoinho em todo o país. É apenas o começo. Talvez o gesto mais importante e inovador aqui nos tristes trópicos do momento, distante da política morangos mofados, caríssimo Caio Fernando Abreu — para citar mais um clarividente militante do universo Lispector.
A pauta, para quem carece de objetividade lesada, é não permitir que vinguem as novas regras sem-noção do ensino médio do ministro Mendoncinha. Mendoncinha, repitam comigo, gravem esse nome para o museu do desastre do futuro do Brasil. Se preferir bote no álbum dos piores momentos do país um retrato dele ao lado do ator Alexandre Frota, recebido com honras no gabinete como colaborador do projeto “Escola sem partido”.
Calma, mestre Paulo Freire, nos seus 95 anos de existência, escute um jazz, você que sabia tudo também sobre esse gênero, todo esse estadão de coisas passará, acredite, algum dia o oprimido vai sacar aquela parada do opressor que mora dentro dele de graça, sem pagar aluguel, assinando apenas simples promissórias aos credores reaças. Coisas da vida.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (editora Companhia das Letras), entre outros livros.
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