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Os melhores livros em espanhol dos últimos 25 anos (mas você pode lê-los em português também)

50 críticos e escritores elegem os marcos da literatura latino americana e espanhola do último quarto de século

Os anos deram um lugar de distinção para 'A Festa do Bode' na obra de Mario Vargas Llosa. Junto com os seus primeiros romances, clássicos de leitura obrigatória na literatura do boom latino-americano nos anos sessenta e setenta, este romance, que inaugurou sua obra no novo século, é um dos mais vendidos até hoje, acima dos posteriores. E ganhou essa condição graças a uma estrutura perfeitamente encadeada, na qual o desenvolvimento das três linhas argumentais se reforça constantemente num ritmo emocionante de thriller político e intriga dramática. O eixo desta ficção histórica gira em torno do cruel e endeusado “dono” de um país submetido aos seus caprichos durante três décadas. O general Rafael Leónidas Trujillo governou e esgotou a República Dominicana, onde se estima que seja responsável por cerca de 50.000 mortes. 'A Festa do Bode' se desenvolve ao longo do último dia da vida do tirano –o 30 de maio de 1961– e paralelamente relata em detalhe as entranhas do complô definitivo para assassiná-lo, combinado com a história de Urania Cabral, vítima de abusos sexuais por parte do ditador. Mas é o conjunto, como retrato patético de um personagem desalmado na tradição dos romances sobre ditadores latino-americanos e do universo de abjetas fidelidades, cumplicidade cega e ganância daqueles que se rodeou para exercer o poder, o que confere interesse duradouro a essa documentada obra sobre a chamada Era Trujillo. / FIETTA JARQUE
Pode-se dizer que 'Os Detetives Selvagens' é o mais importante romance latino-americano “total” que foi escrito depois do boom, e possivelmente o último, o seu canto do cisne, mas é justo acrescentar que para chegar a isso é preciso romper o rótulo de “latino-americano” e substituí-lo por universal. O tema do romance (e daí a referência ao gênero policial do título) é tão universal e transcendente como a busca. Arturo Belano e Ulises Lima são tão “detetives” como poderiam ser Édipo ou Hamlet. Eles buscam uma verdade. Só que a verdade desses detetives literários não é um retorno à ordem, mas uma verdade “selvagem”. Querem encontrar o princípio de todas as rupturas e de todas as vanguardas, ou seja, o próprio princípio da pulsão poética, encarnada numa poeta quase analfabeta chamada Cesárea Tinajero. Nessa poeta desconhecida se aninha o fogo inextinguível da poesia, que é a ruptura. Portanto, para encontrá-la não é necessário romper apenas a linguagem e se aplicar na vanguarda (o tema central da primeira parte do romance, o diário de García Madero), mas também sacrificar a própria vida, como fez Rimbaud, pois não há achado sem perda. Assim, a segunda parte do romance procura reconstruir, de modo coral e como um sofisticado quebra-cabeça, os anos perdidos de Belano e Lima. Para tanto reconstrói os vários dialetos latino-americanos de dezenas de personagens secundários, um carrossel de linguagem e destreza narrativa que é certamente o melhor que se escreveu em castelhano nas últimas décadas. / IVÁN THAYS
Relido agora, surpreende ainda mais (se é possível) a torrencial força narrativa de 'Seu Rosto Amanhã': desde o início deslumbrante, que delineia o conflito do narrador e protagonista, aos círculos sucessivos em que se desdobra o romance e que incluem episódios históricos pouco conhecidos. Jacobo Deza se junta a um grupo já residual que uma vez fez parte do serviço de espionagem britânico MI6 e tem como tarefa olhar para informar e contar, averiguar o que ainda não é e dar-lhe um sentido, buscar reflexos, rastros distantes, do que as pessoas “entrevistadas” se tornarão: “conhecer hoje seus rostos”, saber do que serão capazes. Deza será um intérprete de pessoas, um tradutor de vidas, um antecipador de histórias. Essa tarefa exige uma reflexão moral e propicia uma indagação sobre o fato de contar, acoplada a uma meditação sobre o tempo e seus conteúdos. E tudo isto, juntamente com a admirável e libérrima orquestração de composição, e a uma narração poliédrica, que rompe continuamente a linha argumental com rodeios, desvios digressões, pausas reflexivas, cortes e encadeamentos, reminiscências ou antecipações, muito bem resolvidas literariamente, faz 'Seu Rosto Amanhã' ser o que é: uma ficção que perdura. / ANA RODRÍGUEZ FISCHER
‘Bartleby e companhia’ é o equivalente literário de 'Isto não é um cachimbo' de Magritte. Sob a aparência de uma ficção elegante narrada por um leitor corcunda sem o menor sucesso com as mulheres, o livro de Vila-Matas é uma longa e sutil meditação sobre o sentido da literatura, elaborada a partir de autores que se negaram (como o Bartleby de Melville) a praticar o ato de escrever. Como 'Pierre Menard, autor do Quixote', de Borges, e 'O jogo da amarelinha', de Cortázar, ‘Bartleby e companhia’ marca uma nova vitória na longa batalha contra a tradicional autoridade do escritor. / ALBERTO MANGUEL
Levrero escreve sobre a escrita enquanto frustração, rotina, degrau em direção à luz, prática religiosa, conjuração diante da morte, doença, grafomania... Livro dentro do livro, ‘La novela luminosa’ é o resultado do ‘Diario de la beca’: a primeira é um pequeno anjo de Chagall com varizes, o segundo, o treinamento de um atleta. Levrero fala do autentico escritor anulando a fronteira entre autobiografia e ficção com misticismo, símbolos de pássaros e humor. A autocontemplação hipocondríaca de Levrero aborda o discurso literário ao mesmo tempo com reverência e com irreverência. Solidifica-se a escritura de um devoto que questiona Deus e que sabe que o doente da letra se assemelha a um enfermo. Que nós, os enfermos, desfrutemos da febre. / MARTA SANZ
Lembro-me do comentário feito por Carlos Castilla del Pino poucos dias depois do lançamento desse romance: “Este livro vai ser um best seller”. E, com efeito, ele o foi: um milhão de exemplares vendidos dá bastante o que pensar. Por que? Porque Javier Cercas inaugurava uma nova forma de romancear a guerra civil espanhola, não só se aprofundando no sofrimento humano dos soldados de um lado e de outro, os quais não tiveram ninguém para se recordar deles depois de mortos, mas também construindo a sua narrativa como uma busca da verdade, abrindo mão dos apriorismos ideológicos. Um soldado republicano tinha condições de matar um fascista, mas não o fez. Cercas transforma o soldado que adota esse gesto de piedade em herói. E os leitores fizeram o mesmo. / ANNA CABALLÉ
“Borges almoça em casa”, o mote mais repetido em suas 1663 páginas, se tornou um talismã para os devotos e os críticos deste livro único. Crônica de uma das amizades literárias mais prolíficas do século XX (aquela que uniu os Prêmios Cervantes Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares entre 1931 e 1987), 'Borges' é, ao mesmo tempo, uma biografia atípica nascida de conversas de depois do almoço quase taquigrafadas, e a edição posterior dos diários que Bioy manteve ao longo de mais de cinquenta anos, o registro de uma época e um texto de uma oralidade inesquecível, que destaca sacadas de um dos autores mais geniais que o castelhano já produziu. Seus diálogos destilam agudeza, malícia e mexericos, erudição e, sobretudo, paixão pela escrita. Vale a pena relê-lo sem uma ordem pré-definida, como quem consulta o I Ching. / RAQUEL GARZÓN
'Coração tão branco' é um romance sobre o segredo, ou, dito de uma forma menos indireta, sobre a necessidade do engano e da mentira nas relações sentimentais. E é um romance, como todos os de Javier Marías, sobre o modo como o acaso e a fatalidade –“eu não quis saber, mas soube”, diz o prodigioso início do livro—constroem a nossa vida. Em 'Coração tão branco', já adquire sua forma final essa escrita imantada, de ritmo circular, com que Marías interrompe qualquer fuga do leitor e lhe apresenta ininterruptamente conflitos morais ou existenciais sempre insolúveis. Uma obra-prima que criou toda uma escola. / LUISGÉ MARTÍN
O grande romance do último Marsé. Mais uma vez no terreno do imediato pós-guerra, mais uma vez sob o olhar adolescente, mais uma vez pintando com uma sensibilidade e exigência extremas, que mostram as tristes e sujas cores da pobreza, do medo, da repressão, e as pessoas submissas e maltratadas. Marsé recorre à luz da imaginação e da fantasia para iluminar a dor de vidas truncadas, e isso com uma intensidade, uma compaixão e uma lucidez implacáveis. Utilizando uma mistura de passado e futuro que vai compondo as cenas na imaginação do leitor e com uma aposta arriscada nas vozes narrativas, com um pulso de mestre, o autor lança mão, mais uma vez, de seu encontro com a realidade da esperança violentamente arrancada dos sentimentos e das ilusões de personagens surgidos do imperdoável charco do nacional-catolicismo. / JOSÉ MARIA GUELBENZU
Este romance inacabado mostra que Juan José Saer concebia sua tarefa como um cerco da arte. Inesperada obra autobiográfica, escreveu-a enquanto agonizava. Lida hoje em dia, testemunhamos quase que um desdobramento da escrita como mecanismo de recuperação da infância. Um personagem retorna e emergem o pai sírio, o campo de imigrantes, a juventude dos outros, os cadáveres vivos de amigos e amores. / NORA CATELLI
Primeiro ganhou o favor dos leitores, depois levou o Prêmio Nacional de Narrativa 2010. 'Anatomia de um instante', a inovadora abordagem de Javier Cercas sobre o golpe de 23 de fevereiro na Espanha é um jogo magistral entre realidade e ficção que mantém os leitores em suspense até o final com um fato histórico de desenlace muito conhecido. Uma única conquista só ao alcance da melhor literatura. / M. M.
Em 'El desierto y su semilla', Baron Biza conseguiu extrair beleza de algo que, para qualquer outro, só poderia significar espanto: a reconstrução do rosto da mãe do narrador, desfigurado por um jato de ácido jogado por seu marido. Instala-se uma nova lógica e é preciso aprender sua língua: esta é a principal mensagem que este romance nos transmite, com um tom desprovido de sentimentalismo e, ao mesmo tempo, dotado de uma sensibilidade extrema. / Mercedes Cebrián
Se os últimos livros de Rafael Chirbes são uma síntese entre literatura social e literatura experimental, 'Crematorio' é o retrato perfeito da Espanha da bolha imobiliária. Um ano após a publicação veio a crise. / J. Rodríguez Marcos
O México é o início e o fim da literatura de Elena Poniatowska. Tudo cabe sob seu céu. Mulheres quebradas e inteiras. Morte, arte e revolução. Esses são os pontos cardeais da autora mexicana e estão todos em 'Tinísima', a reconstrução da vida da fotógrafa e revolucionária Tina Modotti (1896-1942). / Jan Martínez Ahrens
'La noche de los tiempos' está entre as grandes obras de Antonio Muñoz Molina e entre as fundamentais para entender a Guerra Civil. Apareceu no meio do calor do debate sobre a memória histórica. O autor realiza uma análise muito honesta e completa da consciência republicana. Nesse sentido, a obra é valente e moralmente tão lúcida quanto irrepreensível. Os ânimos não estavam calmos na época para compreendê-la em toda sua profundidade. Mas os anos passam e o livro vai se tornando um dos referentes mais sólidos da literatura espanhola contemporânea. / Jesús Ruiz Mantilla
Fernando Vallejo confessa que não é escritor em terceira pessoa. “Não sei o que pensam meus personagens”, diz. Então, quando contou neste romance a agonia de seu irmão, doente de AIDS, e o desprezo por uma mãe que chamou de A Louca, os colombianos encontraram nestes personagens um epitáfio para seu país. / Ana Marcos
Juan José Saer pensou por muito tempo que queria escrever um romance policial que não fosse de “gênero”. Durante uma viagem ao litoral fluvial da Argentina, Pichón Garay, que vive em Paris, conta a seus amigos o caso do inspetor Morvan. Um romance dentro de outro, uma obra-prima. / Edgardo Dobry
Na Argentina, onde há uma verdadeira paixão pela história do país, Tulio Halperin foi o historiador mais admirado. Em 'Son memorias' recordou sua infância e juventude entre 1920 e 1955, misturando-as com os acontecimentos mais importantes nesse período. / Francisco Peregil
Os fragmentos de Ferlosio contêm o que resta de uma longa mudança entre palavras e coisas. Iluminações, piscadelas, machadadas... abrem um sulco para que penetre o veneno do conhecimento. / José Andrés Rojo
Viagem ao interior das sombras para encontrar a luz, 'Fragmentos de un libro futuro' terminou com a morte de seu autor e ficou como testamento literário de Valente. Um livro atravessado pela morte e as cores do outono que guarda o cume do seu canto. / Jorge Morla
'Jamás el fuego nunca' é o Pedro Páramo deste século. Rulfo escreveu o canto fúnebre da ordem patriarcal. Eltit escreve a elegia do último casal rebelde e fantasmático, cuja fé na mudança se apaga entre o mercado e seus policiais. / Julio Ortega
Carmen Martín Gaite trata, em 'Nebulosidade variável', de um de seus temas favoritos: a sobrevivência através da escrita. Com esse romance, como com 'Usos amorosos de la posguerra española', se conectou com o público em geral. Seu espanhol é esplêndido. / R.M.
'Santa Evita' inventou a ficção misturada com a realidade com tal potência que já não se sabe se a genial criação de Eloy Martínez é menos verdade que a realidade protagonizada por Eva Perón. Ler esse livro é uma lição para aqueles que procuram a raiz da literatura. / Juan Cruz
Tobogã entre o absurdo e a piedade, a fábula e o retrato social da Barcelona de 1975 a 1995, tempo para andar pelos bairros populares, os sonhos da juventude cercados pelas drogas, a falsa esperança da confusa Transição ou os cambalachos pré-Olímpicos. Puro desencanto entre personagens de caráter de um narrador que desapareceu cedo. / Carles Geli