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Tribuna
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Com o Nobel para Bob Dylan, é hora de redescobrir os trovadores

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores.

Bob Dylan na casa do cantor Gordon Lightfoot em Toronto, com Roger McGuinn (direita) e Gordon Lightfoot (esquerda) em 1975.
Bob Dylan na casa do cantor Gordon Lightfoot em Toronto, com Roger McGuinn (direita) e Gordon Lightfoot (esquerda) em 1975.Ken Regan/Ormond Yard Press

Por esta, as casas de aposta britânicas não esperavam: o cantor Bob Dylan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2016. Seria um sinal de que as já questionáveis fronteiras entre a cultura pop e a chamada alta literatura estão se desfazendo? Deixemos essa questão a quem interessa: os círculos acadêmicos obcecados por categorizar os gêneros do discurso.

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Ao mundo hispanoamericano, no entanto, cabe uma lembrança oportuna: a importância dos trovadores para nossa formação cultural e sua atualidade nem sempre reconhecida.

Sim, houve um tempo em que poesia e música eram indissociáveis. A literatura na Península Ibérica nasceu com o canto dos trovadores da Idade Média, menestréis ambulantes ou abrigados nas cortes da Galícia e do norte de Portugal. Eles construíram um vigoroso retrato do amor medieval e deram lugar à voz feminina nas suas composições. Foram eles também os que denunciaram as mazelas daquela sociedade em suas cantigas de escárnio e maldizer.

Soterrados por séculos de esquecimento, os trovadores sofreram críticas pedantes que os consideravam repetitivos, vulgares...populares demais, enfim. Houve uma crueldade especial por parte dos eruditos até sua eventual redescoberta pela professora Carolina Michaelis de Vasconcelos, já no início do século XX. Vale notar que a lacuna de percepção que os menosprezou por 600 anos tem uma estreita relação com o esnobismo acadêmico que recusa às letras de canção o status de nobreza da poesia.

Para os brasileiros, nada disso faz sentido. Aí esteve Vinícius de Moraes que não nos deixa mentir. Tampouco a profunda absorção e diálogo entre MPB e literatura. Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, tornou-se espetáculo musical nas mãos de Chico Buarque; Caetano Veloso e suas constantes referências e citações literárias; José Miguel Wisnik e sua produção musical; Antonio Cícero poeta e letrista, e aí vão muitos et ceteras. Quando perguntaram a Manuel Bandeira qual o mais belo verso já escrito no Brasil, o poeta pernambucano respondeu: “Tu pisavas nos astros, distraída”, decassílabo de Orestes Barbosa na letra de Chão de estrelas.

Mesmo assim, entre nós, as manchetes denunciam a surpresa diante do compositor nobelizado. Como se não fosse ele sério o suficiente. Como se ele fosse produto de outro mundo... popular demais, enfim.

Espanha, Portugal e Brasil não poderiam reagir com espanto diante do prêmio a Bob Dylan. Nossa literatura em comum nasceu com a música dos trovadores. A lírica galego-portuguesa é um ponto de convergência das culturas ibéricas e influenciou profundamente a tradição brasileira. Não há como compreender a cultura popular nordestina, os repentes, os cantos de aboiar, a literatura de cordel, sem a presença do medievo ibérico, notadamente das cantigas trovadorescas. E o amor romântico, da literatura à música popular mais dor de cotovelo, alimenta-se delas também, em boa medida.

Infelizmente, o ensino de literatura nas escolas brasileiras mais e mais abandona o trovadorismo. Já na Galícia, há um movimento de revalorização da produção dos trovadores, na educação e na cena cultural. Os jovens voltam a se interessar pela cultura daquele período, produzindo inclusive música de excelente qualidade, reinventando a tradição. Seria hora de nós, aqui no Brasil, seguirmos o exemplo.

José Ruy Lozano é professor do Instituto Sidarta e autor de livros didáticos.

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