A crise hídrica chega ao Planalto Central
Brasília entra em contagem regressiva para iniciar racionamento de água Cinco cidades satélites já sofrem com rodízios semanais
Se não chover intensamente nos próximos dois meses, o Distrito Federal passará a racionar o fornecimento de água para seus quase 2,9 milhões de habitantes. Além disso deverá criar uma nova taxa que incidirá na conta a ser paga mensalmente. Hoje, ao menos 300.000 pessoas de cinco regiões administrativas já sofrem com uma espécie de rodízio no abastecimento. Em alguns bairros, os imóveis ficam 23 horas seguidas sem água até duas vezes por semana.
Ao menos três razões impactaram na atual crise hídrica da capital do país: a falta de chuva (neste ano foram 86 dias sem cair uma gota d’água na região); uma série de ocupações irregulares de terras, (hoje são mais de 500 condomínios e invasões ilegais em áreas públicas) e a ausência de obras visando aumentar a captação de água. Três estão em andamento, mas a primeira delas só deve ficar pronta em 2017.
“Vivemos um ano atípico. Em fevereiro deveria chover 220mm, mas choveu 54mm. Em abril, deveria ser 120, mas só veio 15. Sem chuva e com as ocupações desordenadas, a crise só cresceu”, afirmou o doutor em geologia e coordenador do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Brasília, Marcelo Gonçalves Resende.
Os dois principais reservatórios que abastecem 85% da população, o do Descoberto e o de Santa Maria, atingiram nesta semana seus menores índices de armazenamento de água desde que a Agência Reguladora de Águas, Esgoto, Energia e Saneamento do DF (Adasa) passou a fazer a medição, em 1989. O primeiro, atingiu apenas 36,6% de sua capacidade, o segundo, 48,5%. Neste mesmo período do ano passado, eles estavam com 65% e 89%, respectivamente.
Há pouco mais de um ano, o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), comemorava que o reservatório de Santa Maria estava transbordando. A reportagem esteve no mesmo local nesta sexta-feira e o cenário é bem diferente das imagens que o chefe do Executivo local chegou a postar em suas redes sociais da barragem vertendo. Agora, as margens do Santa Maria estavam secas e bem distantes de atingir o paredão por onde a água escorria. A forte chuva que caiu nesta sexta não foi capaz de amenizar essa queda do nível das barragens. Para isso, seria necessário chover por quase duas semanas consecutivas ou em diversos dias ao longo dos próximos dois meses.
Um técnico que trabalha há quase duas décadas na Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) relatou que esse é o pior momento que ele já testemunhou. Por essa razão, a Adasa decretou estado de alerta, que consiste na ampliação das campanhas de conscientização da população, da preparação de planos para iniciar o racionamento, assim como a realização de estudos para criar novo imposto sobre a água.
O corte de água temporário que hoje abarca moradores de Planaltina, São Sebastião, Sobradinho, Brazlândia e Jardim Botânico, ocorrerá em todas as 29 regiões administrativas caso um dos reservatórios atinja os 20% de sua capacidade. Nessas cinco localidades o argumento é que o rodízio de fornecimento só ocorre porque elas não estão interligadas com a rede do Descoberto/Santa Maria e dependem da captação de pequenos córregos que estão com a vazão reduzida. Além disso, são áreas em que agricultores retiram a água diretamente dos rios e córregos, o que diminui a quantidade que poderia ser entregue à população. “Os irrigantes precisam dessa água assim como os moradores das áreas urbanas. Em alguns momentos chegou a se ter um conflito pela água, mas negociações são constantemente realizadas para evitar que falte água para um ou para outro”, afirmou o diretor financeiro e comercial da Caesb, Marcelo Teixeira.
Consumo excessivo e tempo seco
No Distrito Federal, o consumo médio por habitante supera os 180 litros diários de água, segundo a Caesb. Em dias mais quentes e secos, como o recorde do ano registrado na quarta-feira passada (34º C e 15% de umidade), ultrapassa os 200 litros diários. Para a Organização Mundial da Saúde, o consumo entre 100 e 110 litros diários bastaria para cada morador.
“Desde que Brasília foi criada, tivemos abundância de água. Nossa região já foi considerada uma das caixas d’água da região. Até por isso, criou-se um problema. Ninguém escuta uma campanha de conscientização enquanto houver água na torneira. Parece que temos de chegar no nível crítico para a população começar a prestar atenção e economizar”, ponderou o diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles. Ele é um dos que coordena os trabalhos para implantar uma taxa extra na água, mas diz que o momento ainda não é para pânico. "Temos de conscientizar as pessoas".
Os primeiros alertas de que a crise estava se aproximando foram dados há quase cinco anos, quando se notou que os índices pluviométricos na região central do país estavam diminuindo. O governo chegou a se mexer para evitar qualquer tipo de medida drástica, mas a principal obra imaginada para evitar o racionamento, o reservatório de Corumbá 4, que seria responsável por abastecer 850.000 pessoas (metade no Estado de Goiás e metade no DF) atrasou mais de dois anos. Deveria ficar pronta este ano, mas a previsão é que o prazo se estenda para 2018.
Quem acompanha de perto a obra acha que ela não será entregue tão cedo. A razão é que o presidente da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), José Taveira, foi preso pela Polícia Federal, no mês passado, em um esquema de suposto de desvio de dinheiro para quitar dívidas políticas do PSDB goiano. A Saneago é a principal parceira da Caesb no empreendimento. Desde a prisão de Taveira, a parte da obra que cabe a Saneago está parada. Ela seria a responsável por captar a água do rio Corumbá. Já a parte da Caesb, que seria de fazer o tratamento dessa água, segue, mas em ritmo mais lento.
As outras duas obras para abastecer a população brasiliense ainda estão longe de acabar. A do sistema Bananal, responsável por abastecer 170.000 pessoas, ficará pronta em outubro de 2017. Uma outra, que pretende captar a água do lago Paranoá (um reservatório artificial que cobre quase todo o Plano Piloto) acaba de ser licitado e a previsão é que a obra seja concluída em 2019. A expectativa é que 600.000 moradores sejam abastecidos por esse novo sistema.
Ocupações ilegais
Apesar de ser uma cidade planejada, Brasília é uma das regiões onde há o maior nível de invasões de áreas públicas do país. O que chama a atenção é que a maior parte delas é feita por moradores de classes média e alta. São condomínios residenciais distantes da área central da cidade e que acabam ocupando mananciais, aterrando nascentes ou simplesmente cimentando áreas que seriam usadas para absorver a chuva. Boa parte dessas invasões chegaram a ser estimuladas pelo próprio Governo nos anos 1980 e 1990.
“Temos uma dificuldade grande de retirar esses moradores. A pressão imobiliária não leva em conta nem se a área é de preservação ambiental ou não”, alertou a promotora de Justiça Marta Eliana de Oliveira, da Área de Meio Ambiente. Segundo a promotora, uma combativa ambientalista que atua na área desde 2005, há mais de 500 invasões ilegais que acabam enfrentando algum processo judicial.
Além das novas obras, Oliveira defende a aplicação de uma “tarifa de contingenciamento”. “Na área ambiental temos os princípios do poluidor-pagador e do usuário-pagador. Se as pessoas estão consumindo mais do que deviam, acho que deveriam pagar por isso”, afirmou a promotora.
Enquanto especialistas e representantes do Governo assumem que a ocupação irregular é um dos principais motivos para a crise hídrica, a própria administração pública dá mau exemplo. No mês passado, iniciou a construção do Trevo de Triagem Norte, um conjunto de 17 viadutos que tem a intenção de desafogar o trânsito de carros em um dos principais acessos de Brasília para algumas das cidades-satélites. O problema é que o início da obra já resultou na derrubada de mais de uma centena de árvores e no aterramento da nascente de um pequeno córrego. O discurso, às vezes destoa das ações.
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