A guinada autopenitente de Marta Suplicy para aplacar rejeição à sua candidatura
Senadora aposta em discurso de arrependimento e pedidos de desculpas para chegar ao segundo turno
Marta Suplicy (PMDB) desce sorridente do carro, cumprimenta os jornalistas e a entourage de assessores e cabos eleitorais que a seguem, e inicia mais um dia de campanha batendo palmas e arriscando uns passinhos enquanto cantarola o seu novo jingle. Parece animada com a programação do dia: um passeio pela região da Liberdade, tradicional bairro oriental em São Paulo, no centro da cidade. Pacientemente, responde aos que a questionam sobre temas chatos, como a criação da taxa do lixo, em 2003, quando era prefeita. "Foi um erro, eu aprendi", diz a um eleitor, que parece sair satisfeito com a resposta. Está em sua quarta campanha pela Prefeitura da capital paulista e esforça-se para deixar pra trás a fama de arrogante que explica, em parte, o alto índice de rejeição que ronda suas candidaturas. Se errar é humano, a ex-prefeita está empenhada em mostrar-se o mais humana possível.
A exemplo do Lulinha paz e amor, que nasceu na disputa presidencial de 2002 para suavizar a imagem do então combativo candidato do PT ao Planalto, a versão Marta autopenitente é a marca que a peemedebista tenta emplacar na eleição municipal de 2016. Logo nos primeiros debates em que participou, em julho, ao ser confrontada por adversários, admitiu se arrepender da criação do fatídico imposto (que lhe rendeu o apelido Martaxa, ressuscitado à exaustão pelos desafetos). Semanas depois, na estreia do seu programa eleitoral na TV e no rádio, novamente pediu perdão: "Eu errei ao criar uma nova taxa. Eu errei ao falar o que não devia quando era ministra. Certas vezes, fui mais intolerante do que eu deveria. Mas mais importante do que aprender com os próprios erros é ter humildade para pedir desculpas por eles. Eu sou a Marta. Eu erro, eu acerto, como qualquer pessoa", afirmou, enquanto uma melodia emotiva ecoava ao fundo. A menção a seus tempos de ministra do Turismo remete ao infeliz conselho dado por ela aos turistas brasileiros no auge da crise aérea, em 2007, que enfrentavam filas imensas para embarcar “Relaxa e goza que depois você esquece todos os transtornos”, afirmou na época. Pediu desculpas um dia depois, mas a frase 'insensível' a perseguiu desde então.
O tom de autopenitência na campanha deste ano parece ter dado sinais de que funcionou, pelo menos em parte. Até há um mês, ela era a segunda mais rejeitada entre os candidatos (atrás apenas do prefeito e candidato à reeleição Fernando Haddad, do PT), mas aos poucos viu a repulsa por sua candidatura cair. Em três semanas, o índice de rejeição à peemedebista diminuiu de 35% (em 23 de agosto) para 27% (em 14 de setembro) no Ibope, tendência confirmada pelo Instituto Datafolha, que apontou uma queda de 32% para 29% na rejeição, no mesmo período. Em ambos os levantamentos, também viu a intenção de votos crescer e chegou a ficar empatada na segunda colocação, com 21% das intenções de voto no Datafolha e 20% no Ibope, com João Doria (PSDB), atrás apenas de Celso Russomanno (PRB). O cenário, no entanto, mudou radicalmente a menos de uma semana para o primeiro turno, como previam vários especialistas. Com o crescimento vertiginoso do tucano, que saltou para 30% das intenções de voto no Datafolha (em 27 de setembro), Marta se vê agora empatada tecnicamente na terceira colocação, disputando com Haddad uma chance de ir ao segundo turno —ambos ainda atrás do candidato do PRB. A disputa segue aberta.
"Qual o antídoto para desconstruir a imagem de que ela é antipática, tem um perfil aristocrático, é da elite paulistana quatrocentona...? Admitir que errou. Contra a arrogância, a estratégia de assumir erros passa uma mensagem de humildade", avalia o cientista político Carlos Melo, professor do Insper. Em outras palavras: como numa entrevista de emprego, tentar transformar defeito, em virtude. Pesquisas qualitativas também apontam que a nova postura, por enquanto, tem surtido o efeito esperado, segundo o cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas.
A estratégia de comunicação da campanha de Marta Suplicy à prefeitura é coordenada pelo jornalista e publicitário Alexandre Oltramari, que já fez peças para a gestão Haddad e integrou a equipe de marketing político da pré-campanha de Aécio Neves (PSDB) à Presidência da República. Embora a postura humilde chame a atenção e seja vista com estratégica por analistas políticos, oficialmente, ninguém admite que seja algo calculado. Pelo contrário. Em entrevistas, a senadora se diz mais "leve" e reflete ter "aprendido com a vida". "Eu acho que melhorei como pessoa", disse em mais de uma ocasião a jornalistas e em inserções da campanha na TV e rádio.
Campanha "franciscana" e disputa por voto na periferia
Humilde também é a campanha deste ano, em termos de custos e gastos —ou melhor, "franciscana", segundo a definição usada frequentemente pelo presidente municipal do PMDB, o advogado José Yunes, escolhido pelo presidente Michel Temer (de quem é amigo pessoal) para coordenar a campanha de Marta. Com a mudança na legislação, que neste ano vetou as doações de empresas a candidatos, a ex-prefeita enxugou a equipe e a agenda (que em pleitos anteriores era bem mais extensa), e na última semana chegou a promover a um jantar para tentar atrair o apoio de empresários, com convites vendidos a 7.500 reais por pessoa.
"É muito difícil fazer campanha nesse novo formato. Nós temos que pedir a amigos que peçam para seus amigos para que a gente consiga arrecadar recursos", justificou-se, na última quarta-feira, dia 14, ao ser questionada sobre o jantar. Marta estima que mesmo em sua versão "franciscana", a campanha deva custar entre 10 milhões e 15 milhões de reais. É o marido dela, o empresário Marcio Toledo, ex-presidente do Jockey Club de São Paulo, o encarregado por tentar atrair apoio financeiro à campanha, que aposta também que a presença do vice Andrea Matarazzo (PSD) na chapa ajude na aproximação com o empresariado.
O fato de Marta estar bem posicionada nas pesquisas não se dá unicamente ao reconhecimento dos seus erros. A candidata tem recall entre os eleitores, sobretudo na periferia de São Paulo, onde teve votação expressiva todas as vezes em que concorreu ao cargo de prefeita, em virtude de programas criados por ela, como os Centros Educacionais Unificados (CEUs) e o Bilhete Único. Não à toa, Marta é hoje alvo de todos os adversários: apostando no desgaste do PT com a operação Lava Jato, João Doria e Celso Russomanno insistem em lembrar que até há bem pouco tempo ela era petista. Já Fernando Haddad e Luiza Erundina (PSOL) exaltam esse mesmo fato, mas para tentar tirar dela potenciais votos progressistas, lembrando que o PMDB de Marta é o partido do ex-deputado Eduardo Cunha (e de outros nomes também envolvidos em escândalos de corrupção). Em sabatina nesta quarta para o EL PAÍS e a TV Brasil, Haddad chegou a dizer que ele pediu demissão quando trabalhou como secretário de Finanças de Marta, quando ela era prefeita em São Paulo (2001-2004), “porque ela resolveu gastar mais do que arrecadava, gerando um rombo e deixando um legado de calote que eu não vou fazer", disse.
Também insistem em recordar que a candidata votou pelo impeachment de Dilma Rousseff —o que parte do eleitorado não engole, embora a peemedebista diga que, na periferia, isso não faz diferença. "Não é bem assim. A Marta sofreu uma fuga de intenção de votos entre os eleitores mais escolarizados, e essa é uma das razões", explica Abrucio.
A saída do PT após 30 anos de militância é um ponto delicado para a campanha de Marta. Ela, que argumenta ter saído do partido "desiludida" ao ver a legenda imersa em casos de corrupção, tem dificuldades em convencer seus eleitores tradicionais de que o PMDB (igualmente envolvido em escândalos) era a melhor opção. No mais recente debate no qual participou, no último domingo, dia 18, disse ter escolhido o PMDB por se tratar de um partido grande. "Eu vi que não tem um partido grande e estruturado que me desse a possibilidade de estar ali [no Senado] ou todos tinham. Eu escolhi o PMDB, o partido que me pareceu onde eu poderia melhor desempenhar as funções como Senadora da República do maior Estado brasileiro", argumentou.
A candidata, no entanto, não trata como erro nem ter sido petista nem ter se tornado peemedebista. Em seu programa eleitoral, faz referências sutis à sua trajetória dentro do PT: "Quando mulher não tinha voz, eu ajudei a construir um partido para quem não tinha vez", disse. Também na TV, apesar da proximidade com Temer, tenta mostrar independência em relação ao Governo Federal. "O ministro do trabalho, que pertence ao PTB, quer que o Congresso Nacional aprove jornada de trabalho de 12 horas diárias para os trabalhadores brasileiros. Eu sou totalmente contra", afirmou, tentando distanciar-se da polêmica reforma trabalhista que o Planalto tenta emplacar.
Apesar da saia-justa, a seu favor pesa o fato de tanto Erundina quanto Haddad disputarem entre si os votos dos eleitores de esquerda que, em parte, podem eventualmente ver em Marta uma opção de "voto útil" para evitar um possível segundo turno entre Russomanno e Doria, segundo algumas análises de cientistas políticos que acompanham a evolução da disputa na capital paulista. O cenário, porém, está longe de uma definição e ainda há muito espaço para reviravoltas. A poucas semanas para o fim da corrida eleitoral, a mais rápida, ofuscada e pobre eleição da história recente ainda deve esquentar, já que boa parte do eleitorado só começa a se lembrar agora de que daqui a bem poucos dias tem que eleger o prefeito da maior cidade do país.
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