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‘Petites luxures’: erotismo francês que excita com desenhos ‘naïfs’ e elegantes

Conversamos com seu criador (ou criadora), que não revela sua identidade para dar rédea solta ao prazer

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Às vezes os projetos mais interessantes surgem de situações adversas. Foi o que ocorreu com o Petites Luxures (pequenas luxúrias). Quando um problema de saúde o deixou de cama, o autor, em vez de se desesperar e ficar de mau humor, aproveitou para focar toda essa energia em algo criativo (e cheio de boas vibrações). A partir desse momento, há menos de dois anos, imaginou um universo onde o sexo e a criatividade dão as mãos. Porque suas ilustrações são um convite a participar, mas sem facilitar nada. Quem olha precisa se esforçar para completar as linhas, acrescentar a sua própria dose de imaginação e inclusive escavar desejos escondidos sob o travesseiro. E tudo isso sem perder a classe nem o savoir faire.

Petites Luxures é um alter ego. A única coisa que sabemos sobre a pessoa que se esconde por trás dele é que vive em Paris, trabalha como ilustrador e gosta de sexo. Mas, apesar de não ter um rosto associado à sua obra, tem milhares de seguidores na sua conta do Instagram, a @petitesluxures. Conversamos com ele (ou ela) via e-mail, por expresso desejo do entrevistado, sobre como a sutileza pode ser mais poderosa que o evidente e sobre as ambiguidades da censura.

Como você começou na ilustração?

Sempre desenhei, ao menos desde que fui capaz de apanhar uma caneta, mas este projeto é bastante recente. Em novembro de 2014 passei alguns dias de cama porque estava doente, então comecei a desenhar para me ocupar.

Gostaria de ter sido tatuador(a)?

De jeito nenhum. A verdade é que eu gosto de tatuagens, mas quando jovem queria ser arquiteto(a), depois desenhista, e depois ilustrador(a), que é o que sou agora.

Ninguém conhece sua identidade. Por que você prefere se esconder atrás de um alter ego? É importante eliminar os rótulos sobre as pessoas mesmo na hora de criar?

Quero que as pessoas tenham uma visão neutra na hora de contemplar minhas ilustrações. Isso as ajuda a imaginar suas próprias histórias sobre os meus desenhos, e assim se apropriar deles. Seria mais difícil se soubessem quem está por trás dessas cenas, e, além disso, teriam muitas ideias preconcebidas sobre eles.

O que torna Petites Luxures excitante? Você acha que há diferenças entre o que um homem e uma mulher acham sexy?

O que me excita é problema meu (e da pessoa com quem compartilho minha vida) (risos). Mas minha inspiração para desenhar vem de tudo o que me cerca; o divertido do meu trabalho é transformar coisas que não são eróticas em coisas que são. Acho que cada pessoa tem seus próprios fetiches, seja mulher ou homem. De todo modo, não tenho um objetivo específico, só presto atenção às minhas sensações. Então espero que outros também achem excitante.

A diferença entre a forma e a temática está presente na obra: seus desenhos são naïf, mas as situações que descrevem são explícitas. Por que faz assim?

Assim posso ilustrar cenas sexuais fortes sem ter que ser vulgar ou nem torná-las muito obscenas. São apenas linhas, se você imagina as mesmas sequências em fotografia poderia ficar inclusive pornográfico. Eu gosto da ideia de “falso naïf”: em princípio meus desenhos parecem inocentes, mas se você olha mais atentamente…

Há alguma mensagem política que você gostaria de enviar com suas ilustrações?

Não quero enviar nenhuma mensagem política. Mas eu gostaria de transmitir que o sexo e o prazer são duas das coisas mais naturais do mundo, e que não é vergonhoso ter um momento de loucura com aquele ou aqueles de quem você gosta. Praticar sexo não deveria ser algo embaraçoso, embora tantas décadas de educação férrea nos tenham feito sentir o contrário.

Você é feminista?

Talvez, mas só porque quero mostrar que as pessoas são iguais no prazer e no sexo. E todas as sociedades – e também o mundo do erotismo e da pornografia – tentaram apresentar as mulheres como pessoas inferiores aos homens, e não estou nada de acordo com isso.

Suas ilustrações estão de algum modo incompletas. É assim mesmo?

Porque quero que meus desenhos sejam “interativos”: quanto menos eu mostrar, mais você terá que imaginar o que olha. E a imaginação tem muito peso no processo erótico, na excitação. Se tivesse optado por fazer desenhos “completos”, seria como se dissesse: “Pegue como está”. Mas prefiro dizer: “Pegue este começo, imagine sua própria história e faça desta ilustração algo seu”.

Como é a sociedade francesa com relação ao sexo?

Não sei como é a vida sexual de todos os franceses. Mas de maneira global acho que está bastante equilibrada: centenas de anos de educação religiosa transformaram o sexo em um tabu, mas a revolução sexual dos anos sessenta e os setenta de certo modo acabou com isso. Agora você pode ter conversas explícitas sobre sexo com seus amigos sem que seja muito obsceno ou pervertido. Mesmo assim, precisa ser nem um âmbito privado; você não vai gritar pela rua: “Ontem fiz sexo e foi ótimo”, mas pode contar sem problema a um amigo (seja ele menino ou menina).

Em muitas das suas ilustrações há uma figura com a tatuagem de uma âncora nas costas. É você ou alguém que você conheça?

Quem sabe? É uma alusão a alguém real, isso é certo.

Em sua obra você consegue transformar um momento cotidiano, como cozinhar ou pintar as unhas, em algo erótico. Como faz?

A maioria dos desenhos são ficções, fantasias. As coisas de meu dia a dia me inspiram: a música, um lugar, uma cor, uma palavra… Então meu trabalho é imaginar cenas eróticas a partir de todas essas coisas. É um exercício divertido. Com um pouco de imaginação, tudo pode ser erótico se você se propuser a isso. Tenho certeza de que todo mundo se excitou alguma vez com algo que supostamente não é erótico, não?

Nota-se um componente importante de desfrute em sua obra. É intencional?

Sim, gosto da ideia de insouciance (um estado mental entre a calma e a despreocupação total). O sexo é grátis, e você não precisa de nada para fazê-lo (inclusive pode fazê-lo sozinho). É a maneira mais poderosa e natural de conseguir prazer e de esquecer nossos problemas por um momento.

Quais são suas influências?

Tento não olhar muito de perto as minhas grandes influências, porque quero que minha obra seja espontânea e pessoal, e que não se veja influenciada por artistas que eram ou são bastante melhores do que eu. Mas eu gosto muito do trabalho de Guido Crepax e Aubrey Beardsley, por exemplo. E de arte não erótica eu gosto de Savignac, Saul Bass e Jean Jullien: imagens muito simples com ideias muito fortes.

Na sua obra também há ironia, como nas ilustrações intituladas ‘Brexit’ e ‘Boas Resoluções’. Qual é a sua intenção?

Sempre quis plasmar algumas ideias inteligentes e ao mesmo tempo oferecer um pouco de diversão em meu trabalho, para tornar as cenas menos planas. Às vezes, um pouco de ironia é genial.

Como evita a censura nas redes sociais? O que acha dela?

Sempre tenho medo de que apaguem minha conta do Instagram, obviamente. Acho que a simplicidade dos meus desenhos ajuda a superar a censura, por enquanto. Já vi apagarem contas de desenhos eróticos muito sutis por mostrar menos do que eu normalmente mostro. Não entendo esta censura hipócrita: você pode mostrar imagens nazistas ou racistas, pode fazer apologia do terrorismo, mas não pode nem sequer mostrar o seio de uma mulher. A que se deve isso? Os seios nunca mataram ninguém, é a primeira coisa que vemos ao nascer.

Nas suas ilustrações, qualquer parte do nosso corpo está sexualizada. É assim?

Ninguém pode dizer o que é certo ou não a respeito do erotismo e do prazer. Todo mundo se excita com o que prefere ou com o que gosta: uma parte do corpo, uma posição. Inclusive me falaram sobre um fetichismo que tem a ver com tricotar. Então, sim, possivelmente qualquer parte do nosso corpo pode ser sexual, se alguém achar que é.

As cenas que você descreve são também um processo de aprendizagem para ser feliz e viver bem. Alguma vez você tentou comunicar esse sentimento?

Espero que as pessoas se sintam assim ao verem meus desenhos, porque esse é o principal propósito da minha obra.

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