Sonia Braga, a estrela que desce do salto
Sete minutos de entrevista com a atriz, que gosta de ficar descalça e não economiza abraços
Um segurança de mais de dois metros de altura faz guarda na porta da sala reservada a Sonia Braga em um luxuoso hotel de São Paulo. Segundo informa sua assessora, a desta repórter seria a 11a entrevista da atriz naquela cálida tarde de segunda-feira, a poucos dias da estreia paulistana de Aquarius, o novo filme de Kleber Mendonça, em que ela faz o papel principal. O tema do papo seria esse e o que mais inspirasse a estrela brasileira, artista internacional, há tempos cristalizada na mente dos brasileiros com seus papéis em novelas como Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois maridos, Dancin’ Days... várias mulheres em uma só. Mas chega o aviso: serão sete minutos de entrevista.
Na sala fria, Sonia, linda aos 66 anos como aos 18, está sentada de pernas cruzadas sob um holofote, entre alguns equipamentos de som e vídeo e junto a uma cadeira vazia reservada ao seu interlocutor. Os sete minutos já eram seis e meio, mas a atriz paranaense, vestido vermelho e curto, trança nos icásticos cabelos e óculos de grau, decide se levantar e caminhar na direção da repórter, sandálias pretas de plataforma, altíssimas. Acredito ter visto o vestido antes, o que alça Sonia ao posto de celebridade que merece admiração porque repete roupa sem poréns. Ela se aproxima, cumprimenta com um beijo e um forte abraço. Belisca algo da mesa de buffet com uma mão enquanto tira os saltos com a outra. Ficou do meu tamanho. Virou Gabriela, descalça e animada para agarrar uma pipa, na cena que muitos têm cravada na lembrança.
A entrevista relâmpago começa com uma pergunta sobre Clara, a protagonista de Aquarius, cujos trejeitos com os cabelos longos revelam muito de Sonia Braga no filme, junto com outros detalhes mais. “Nós somos o mesmo elemento, forte. Sem modéstia: se eu não fosse um elemento forte – como pessoa, não como atriz –, não teria feito certos trabalhos. Fazer sucesso é como ser eleita”, responde a atriz gravando nossa conversa com o meu iPhone na mão, enquanto analiso a textura aveludada de sua pele e a brancura dos seus dentes. “As pessoas te olham e acreditam em você, na sua verdade profunda”.
Tem pouca maquiagem em seu rosto e o cabelo preso com rigor numa trança. Quase o mesmo visual ela tinha quando, em pose de diva, segurou um cartaz impresso em folha A4 com frases contrárias ao impeachment no Brasil no tapete vermelho do Festival de Cannes, sob os flashes dos fotógrafos. Essas fotos viajaram o mundo quando Aquarius foi lançado, no meio da disputa entre grandes por uma Palma de Ouro, em um dos atos de protesto mais duros e discretos já vindos do cinema. "O Brasil está dividido e isso não acontecia desde a redemocratização. Há pessoas no novo Governo que são corruptas. Toda essa transição vai ser nociva à nossa democracia, que foi tão difícil de conquistar", declarou Sonia na época.
Durante o Festival de Cannes, depois dos primeiros flashes fotográficos, Kleber Mendonça e equipe abriram seus cartazes já no topo da escada, a poucos passos de entrar na sala onde o filme seria exibido. Continuaram a ser fotografados. Sonia, que já tinha entrado, percebeu que algo acontecia e voltou atrás. Quando viu do que se tratava, pediu emprestada uma das folhas amassadas e fez questão de desdobrá-la e fazer-se fotografar, ela também, descontente com os rumos não só do país. “Acho que isso é no mundo todo. Se você pensar na mulher, no direito de estudo, no direito da palavra... Os direitos femininos têm de ser revistos. Acho incrível mesmo que a gente esteja vivendo no século XXI, porque para mim tudo isso é um absurdo”, me diz.
A estrela que endossou os seus diante das câmeras do mundo afirmou em várias entrevistas recentes (e sabemos que não foram poucas) que nunca trabalhou num set tão feliz como o de Aquarius, que “não tinha divisões entre elenco e equipe”. Contou também que esse trabalho a devolveu à adolescência, injetando oxigênio numa longa carreira que, a seu ver, andava morna. "Veio para mim no momento em que eu precisava. Estava sem voz, sem veículo. Só no Facebook não dá, né?"
Logo um dos assessores presentes na sala do hotel, que já não era tão fria, surge com um dedo em riste, indicando que havia tempo só para uma pergunta mais. Com o corte, a única coisa que parecia ter sentido nesse esquema hollywoodiano era saber o que, em tantas entrevistas, ninguém tinha lhe perguntado. “Perguntam muito pouco sobre crianças. A grande preocupação da minha vida são as crianças”, respondeu Sonia, que nunca teve filhos. O tempo do encontro havia acabado e, já de saída, só alcancei a dizer que eu tinha dois. “Escreva isso hoje para eles”, disse ela, em tom profundo. Houve o abraço derradeiro e ela pôs de novo o salto. A próxima entrevista ia começar.
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