Análise

Ressaca olímpica de Temer deve trazer cortes e medidas impopulares

Despois do desfecho do impeachment, serão conhecidos os planos do presidente interino

Temer junto ao presidente Armênio, Serzh Sargsyan, em PlanaltoANDRESSA ANHOLETE (AFP)

O presidente em exercício, Michel Temer, está convencido de que promove uma obra divina. “Deus colocou essa tarefa no meu caminho para que a cumpra”, afirmou o governante em entrevista à GloboNews em junho passado, um mês depois de assumir o lugar da presidenta Dilma Rousseff. Mas, para que esse suposto mandado de Deus seja cumprido, é preciso que Temer seja presidente para valer. Isso acontecerá, muito provavelmente, no final de agosto, quando Dilma será definitivamente afastada do poder pelo Senado. Temer começará, então, a governar de verdade. Os especialistas preveem a partir daí um pacote de medidas de cortes.

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Temer aguarda esse dia com ansiedade. Prova disso é a quantidade crescente de entrevistas que tem dado como presidente para falar sobre os seus planos para o futuro. Por outro lado, ele se mostra convencido de que, uma vez firmado no cargo, conseguirá convencer a maioria do país de que não é um golpista nem um traidor, como Dilma, sua ex-aliada, tem repetido sempre que pode. Temer avalia, também, que bastará a sua mudança de estatuto para que os empresários estrangeiros voltem a investir no Brasil. Daí a pressa que tem procurado imprimir na agenda do Senado para que este vote o impeachment o mais rápido possível, para que ele possa participar da reunião do G-20, marcada para 4 e 5 de setembro na China, como presidente efetivo. “A primeira coisa a fazer é restabelecer a confiança”, afirmou nesta sexta-feira, em mais uma entrevista, desta vez ao jornal Valor. Temer acredita que esses investidores ajudarão o país a sair do círculo vicioso da recessão em que vem se movendo há dois anos. Para ficar em apenas um dado, os economistas estimam que o PIB brasileira, este ano, cairá cerca de 3%.

A expectativa de Temer de fazer o motor da economia entrar em funcionamento assim que assumir a presidência de modo efetivo está longe, no entanto, de ser unânime. É verdade que há setores no país que comemoram com entusiasmo a mudança no poder, em especial os empresários, que apoiaram desde o início a destituição de Dilma e os maciços movimentos de direita que encheram as ruas, em protesto, meses atrás. Mas também é verdade que Temer adotará um pacote de medidas impopulares que afetarão a vida da população. A popularidade do atual presidente já é baixa –cerca de 14%, segundo as últimas pesquisas. Na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos tentou falar o mínimo, menos de dez segundos, e mesmo assim foi vaiado. Já anunciou que não irá à cerimônia de encerramento: em seu lugar mandará o novo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia

A impopularidade de Temer só tende a piorar à medida que sejam adotados os cortes já aprovados que atingem a saúde, a educação e os direitos trabalhistas

E ela só tende a piorar à medida que sejam adotados os cortes já aprovados pelo Congresso e que atingem setores essenciais como a saúde, a educação (o investimento em universidades cairá em 45% em 2017, segundo o Governo) e os direitos trabalhistas. Temer também deverá aumentar a idade para a aposentadoria, que hoje está entre 55 e 60 anos. No fundo, a aposentadoria dos brasileiros é, na maioria dos casos, puramente simbólica, pois eles continuam trabalhando uma vez que a pensão (o piso é de 880 reais e o teto, 5.192,82 reais) não é suficiente para se viver apenas dela.

Essas intenções de cortes transparecem às vezes nas frases polêmicas de alguns ministros de Temer. Um dos mais loquazes, nesse quesito, é justamente o ministro da Saúde, Ricardo Barros, que, em meio a um rosário de declarações incendiárias dadas nos últimos meses, encontram-se estas três: “A maior parte das pessoas que procuram os ambulatórios tem na verdade problemas psicossomáticos”. “Os homens trabalham mais e por isso tem menos tempo para ir ao médico”. “Quanto mais pessoas procurarem a saúde privada, melhor, pois a capacidade da pública é limitada”.

Ao longo dos três meses em que vem governando o país, Temer e sua equipe tem repetido que os seus planos de cortes contam com o apoio das pessoas que saíram às ruas para protestar contra Dilma e, na sua avaliação, seus excessivos gastos públicos. Uma coisa é certa: o presidente em exercício tem repetido reiteradamente que não tem a intenção de cortar os programas sociais pontuais mais emblemáticos dos Governos do PT de Lula e Dilma, como os subsídios às famílias pobres com filhos (Bolsa Família) e as moradias subsidiadas para aqueles que não possuem casa própria (o programa Minha casa Minha Vida).

Temer tem repetido que os seus planos contam com o apoio das pessoas que saíram às ruas para protestar contra Dilma

A resistência a essas medidas de cortes não vem, por enquanto, das ruas nem da oposição, mas do próprio Congresso. Ou seja: Temer enfrenta o mesmo problema político que inviabilizou boa parte das iniciativas de Dilma: um Parlamento atomizado e ingovernável. Na última quarta-feira, o Congresso rechaçou um projeto de lei que congelava os salários dos funcionários públicos.

Como se tudo isso não bastasse, o espectro da corrupção começa a se aproximar do próprio Temer. Seu partido, o PMDB, está envolvido no caso de corrupção da Petrobras e ele mesmo será denunciado, de acordo com a revista Veja, pelo empresário mais importante do país, Marcelo Odebrecht, acusado de subornar políticos. Ainda segundo a revista, Odebrecht afirma ter negociado diretamente com Temer uma doação ilegal de 10 milhões de reais para uma campanha eleitoral do PMDB. O atual presidente em exercício afirma que essa doação foi legal.

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