Policiais acusados de chacina de jovens no Rio são soltos e aguardam julgamento em liberdade
Agentes, que deram 100 tiros contra o carro do grupo de amigos, recebem habeas corpus Policiais militares vão aguardar o julgamento em liberdade e continuarão trabalhando
A notícia chegou em uma mensagem de WhatsApp e desolou as famílias dos cinco jovens que no mês de novembro morreram atravessados por dezenas de balas em Costa Barros, um subúrbio do Rio de Janeiro: os quatro policiais militares envolvidos responderão ao processo em liberdade.
A decisão de liberá-los, após sete meses presos, veio do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Néfi Cordeiro, ex-oficial da Polícia Militar do Paraná, que concedeu o habeas corpus a um dos policiais, que responde apenas por fraude processual por alterar a cena do crime, mas o estendeu aos demais acusados, denunciados também por homicídio doloso (com intenção de matar). A ordem, de 14 de junho, permitirá que os agentes retomem seu trabalho na corporação em funções administrativas.
O choro desesperado de Mônica, a mãe de Cleiton, de 18 anos, desgarra no celular ao conhecer a notícia. “É muita covardia, com a quantidade de tiros que nossos filhos receberam. Não é possível tanto sofrimento na vida de uma mãe. Aqui todo o dia morre gente e nunca sai na imprensa, quem garante que esses policiais não vão vir na minha casa e fuzilar todo mundo?”, grita aos prantos. “Sentimos indignação. É mais impunidade, enquanto as famílias estão condenadas a prisão perpetua”, lamenta Jorge Roberto Lima da Penha, 52 anos, pai de Roberto, um dos caçulas do grupo que morreu com apenas 16 anos. “Eu tenho medo com eles soltos, eles podem fazer o que eles quiserem, fazer uma maldade ou fugir”, diz o taxista Carlos Henrique, pai de Carlos Eduardo, também de 16 anos.
Os quatro policiais que, naquela noite de novembro, estariam procurando os responsáveis por um roubo de carga em Costa Barros, no perigoso e pobre subúrbio carioca, atiraram mais de cem vezes contra o carro dos jovens que saíram para jantar e comemorar o primeiro salário de Roberto em um supermercado. A maioria desses tiros foram de fuzil e suas marcas ainda permanecem nas árvores e no muro da cena do crime. Após a execução, os policiais, segundo declararam testemunhas, ainda colocaram uma arma no carro para tentar transformar as vítimas em criminosos. A versão dos agentes de que estariam se defendendo de bandidos armados desmoronou com as primeiras conclusões da perícia, que não achou indícios de disparos vindo do interior do carro.
A execução de Wilton, Wesley, Cleiton, Carlos Eduardo e Roberto, de 16 a 30 anos, que teve ampla repercussão na imprensa local, acabou também com a vida das suas famílias. Adriana, a mãe de Carlos Eduardo, de 16 anos, tentou se suicidar em várias ocasiões; Mônica, a mãe de Cleiton, que nega ter recebido ajuda do Estado, vive o luto entre a depressão e o desespero por morar em uma casa miserável sob tiros diários e com seu marido, de 62 anos, desempregado; Jorge, o pai de Roberto, diz que a ferida não cicatriza e que, embora se obrigue a não pensar, o sorriso do seu filho o persegue.
O episódio custou o cargo do então comandante do 41º BPM (Irajá), o batalhão que responde pelo maior número de mortes decorrentes de ações policiais e de balas perdidas, e levou à prisão em flagrante de Antonio Carlos Gonçalves Filho, Thiago Resende Viana Barbosa, Marcio Darcy Alves dos Santos – por homicídio e fraude processual – e Fabio Pizza Oliveira da Silva, apenas por fraude processual. A próxima audiência do caso, quando serão ouvidas testemunhas da defesa e os réus serão interrogados, acontecerá no dia 4 de julho no Tribunal de Justiça do Rio. Antes de entrar na sala, as famílias prometem um protesto contra a liberação dos algozes de seus filhos. “É o único que podemos fazer", diz Mônica, "que saibam que fizeram tantas promessas sobre o sangue daquele carro e que ninguém cumpriu”.
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