A Brasília de Temer à sombra da Lava Jato: as entrelinhas das gravações
A semana que ampliou de vez o foco da investigação com cúpula do PMDB e PSDB sob holofotes
A semana encurtada pelo feriado estava desenhada para ser o arranque do Governo Michel Temer para valer, com diretrizes econômicas de longo prazo e uma exibição de comando do Congresso com a aprovação da meta fiscal. O roteiro foi sacudido de vez com a série de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro e delator da Operação Lava Jato, Sergio Machado, que colocaram na mira a cúpula do novo Governo, derrubaram em horas um de seus pilares, Romero Jucá e, de quebra, jogaram suspeitas sobre um aliado de peso, o PSDB do senador Aécio Neves. Para usar as palavras que Machado repetiu, de uma forma ou de outra, em todos os seus diálogos: reinstalou-se de vez o "salve-se quem puder".
Três congressistas que falaram com EL PAÍS sob a condição de não terem seus nomes divulgados relataram que seus colegas do PMDB e do PSDB já estão até buscando advogados para se defenderem de investigações que podem ser abertas contra eles à luz do novo capítulo da Lava Jato. “Primeiro foi o homem-bomba do PT, agora o do PMDB/PSDB. Daqui a pouco não vai sobrar ninguém. Será o fim da classe política”, disse um senador governista, ecoando o ex-presidente da Transpetro.
Além do que está explícito nos diálogos, em poder da Procuradoria-Geral da República, as entrelinhas das gravações também sugerem subtramas e dão pistas dos desdobramentos. Renan Calheiros aparece insistindo na mudança de Governo para o parlamentarismo, parada no Supremo Tribunal Federal, como um plano A ou B, a depender dos caminhos do impeachment de Dilma Rousseff. Nos cenários de médio prazo, propõe apoiar legislação para mudar as regras da delação premiada, cerne da Lava Jato e matéria de projeto do PT na Câmara.
Ainda que os casos dos políticos estejam nas mãos de Rodrigo Janot, o procurador-geral, é o nome do juiz Sérgio Moro, responsável pelos julgamentos da operação em primeira instância, que se sobressai. É de Moro que Machado quer fugir, é dele que depende a decisão de aceitar ou não a delação do Marcelo Odebrecht, o "dono do Brasil", segundo Machado, a "metralhadora ponto 100", segundo ex-presidente da República e ex-senador José Sarney.
Aécio e Supremo
Com o PT fora do poder, as gravações parecem conduzidas por Machado para levar os investigadores às articulações para deter a própria operação e a Aécio Neves, que não é ainda investigado formalmente pela Lava Jato e é citado em duas gravações. No primeiro caso, há uma sugestão de que houve irregularidades na campanha que elegeu o tucano à presidência da Câmara em 2005. No segundo, de que o senador tucano estaria preocupado com as informações que o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) deu em sua delação premiada. Na ocasião, Delcídio disse que Aécio agiu para que o Banco Rural escondesse dados que pudessem comprovar irregularidades com seu partido.
Aécio nega que tenha praticado esses crimes e, se seu nome tomou o noticiário de forma pouco lisonjeira, ele teve notícias a comemorar vindas do Supremo. Depois de arquivar uma primeira investigação contra Aécio dias atrás, nesta sexta o ministro Gilmar Mendes, do STF, decidiu pedir que a Procuradoria-Geral da República se manifestasse sobre outra investigação contra o tucano.
A decisão provocou reações da neo-oposição. “Estou há um ano e dois meses sendo investigado e nada foi encontrado. O delator que me acusou mudou sua versão umas seis vezes. Enquanto isso vemos dez delatores citando alguns políticos e nada contra ele é feito”, afirmou Humberto Costa (PT-PE), ex-líder do Governo Rousseff no Senado, se referindo principalmente a Aécio Neves.
O caso de Mendes e o teor das gravações colocaram o STF de vez no centro do debate. O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel diz que lhe chamou a atenção a ausência de manifestação aberta dos ministros do Supremo Tribunal Federal defendendo a atuação deles e demonstrando que são imparciais e não se deixam ser pressionados. Desde que a Lava Jato estourou é comum ver políticos citando que poderiam interferir nas decisões dos ministros daquela Corte. Nas gravações mais recentes, Jucá vai além e sugere que um pacto pelo país poderia ser feito inclusive com o suporte da Corte. Renan afirma que o presidente do Supremo, Ricardo Lewandovski, só estava preocupado com o reajuste salarial dos servidores da Justiça.
“Ao invés de se defender enquanto instituição, o Supremo fica em silêncio e vê vários de seus ministros darem entrevistas analisando a conjuntura política, enquanto deveriam apenas falar pelos autos dos processos”, diz Miguel. "O STF tem protegido alguns dos envolvidos, mesmo com várias citações aos nomes deles. É um processo sendo arquivado depois do outro”, completa.
“As gravações causam um descrédito em toda a classe política, sem dúvida. Nas conversas gravadas há uma série de indícios que precisam ser melhor investigados”, diz o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB). Diante das revelações dos últimos dias, Caldas acredita que o próximo a sofrer alvo da Justiça deve ser Renan.
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