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Sob protestos, José Serra viaja à Argentina para fazer de Macri o grande sócio de Temer

Chanceler se reúne com presidente da Argentina, o único na região que dá respaldo ao processo brasileiro

Manifestantes protestam contra Serra em Buenos Aires.
Manifestantes protestam contra Serra em Buenos Aires.ENRIQUE MARCARIAN
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Apenas duas semanas depois de assumir como ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra inaugurou sua agenda internacional com uma breve visita à Argentina, seu principal parceiro no Mercosul. Serra pediu ao presidente Mauricio Macri para ratificar seu apoio a Michel Temer, no poder após a suspensão por seis meses da presidenta Dilma Rousseff, submetida a um processo de impeachment no Congresso.

A Argentina foi o primeiro país a apoiar Temer há pouco mais de duas semanas, quando o Governo interino se esforçava para obter legitimidade internacional. “O Governo argentino afirma que respeita o processo institucional que está acontecendo” no Brasil, assegurou então o governo de Macri, enquanto Dilma falava de “golpe” e outros presidentes como Evo Morales e Nicolas Maduro apoiavam essa acusação.

Agora, a ministra de Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra, afirmou que seu Governo seguiu passo a passo o processo de impeachment contra Dilma Rousseff e viu “que nas formalidades não existe nenhum motivo para dizer que o processo não foi legal”. “Não cabe à Argentina legitimar o que decidiu o Senado do Brasil", disse a ministra. Mas “há um esquema muito estabelecido pela presidência de Temer, que estabeleceu um gabinete e, como tal, estabeleceu um novo ministro de Relações Exteriores com quem devemos fazer contato e trabalhar. E foi o que fizemos. É um sinal claro de continuidade institucional e devemos trabalhar com nosso principal sócio. O que acontece no Brasil afeta a Argentina e não temos alternativa a não ser a de trabalhar com eles”, disse a chanceler argentina para a imprensa.

Consultada sobre a posição crítica dos países da região ao impeachment de Dilma Rousseff, Malcorra disse que “há países americanos que fazem uma leitura diferente e, inclusive, estudaram a aplicação da cláusula democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA)”. “Nós não vemos assim agora e nem durante todo o processo. Não foi algo que aconteceu de um dia para o outro. Se em algum momento tivéssemos achado que as instituições não foram respeitadas como deveriam ser, estaríamos em condições de rever nossa posição”, respondeu Malcorra a uma pergunta do EL PAÍS.

O apoio já teve resultados concretos. Malcorra e Serra assinaram um memorando que chamaram de Entendimento para o estabelecimento do Mecanismo bilateral de Coordenação Política. “O mecanismo terá como principal objetivo a troca da agenda bilateral, regional e global, com o objetivo de coordenar posições, assim como o acompanhamento dos projetos estratégicos de integração bilateral”, explicou o Ministério das Relações Exteriores em um comunicado. Na prática, o acordo significa um forte apoio de Buenos Aires a Brasília.

A questão de fundo é como mostrar ao mundo que o Governo Temer pode resolver os problemas políticos do Brasil em um momento no qual, na prática, há dois presidentes, pois Dilma só está suspensa e ainda ocupa a residência oficial, embora com a metade do seu salário. Neste contexto, Macri se tornou um grande aliado de Temer, um político de ideias conservadoras que compartilha com Buenos Aires a aposta no retorno à ortodoxia econômica e a uma política exterior baseada na aproximação com os EUA.

A visita de José Serra vem reforçar essa ideia, mas o fato de no final do encontro não ter sido convocada uma conferência de imprensa conjunta com a chanceler da Argentina demonstra como a situação é sensível. Na verdade, Macri ainda não ligou para Temer, pois está se equilibrando entre dar seu apoio e mostrar cautela. O presidente argentino quer que a crise seja resolvida o mais rápido possível, porque o Brasil é o país para onde vão 40% das exportações argentinas e a recessão brasileira arrasta o vizinho junto. Alguns líderes acreditam que a crise fará com que alguns investimentos internacionais acabem indo para a Argentina, mas a maioria concorda que as más notícias em Brasília não são boas para o vizinho do sul.

Serra é uma das peças mais importantes da equipe de ministros escolhida por Michel Temer. Senador, prefeito de São Paulo e, depois, governador estadual e duas vezes candidato presidencial pelo PSDB, Serra, de 74 anos, tem sobre os ombros a complexa missão de dar legitimidade ao impeachment da presidenta Dilma. Na região, apenas Macri ratificou sua aliança com o Brasil, em meio ao silêncio de países como Chile e Peru e as críticas abertas da Venezuela, Bolívia e Equador, aliados do governo do Partido dos Trabalhadores (PT).

Antes de sua partida de São Paulo, o ministro das Relações Exteriores disse que a Argentina “tem prioridade” na agenda da política externa brasileira e viajou com a ideia de “fortalecer o Mercosul”. A imprensa brasileira lembrou ontem as críticas que, no passado, Serra fez contra o bloco que seu país integra com Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, além da Bolívia como associado. No entanto, a mudança política para a direita na Argentina, e agora no Brasil, poderia recuperar o perfil mais econômico do Mercosul, longe das tentativas anteriores de avançar para uma união de caráter político. O jornal O Globo explicou em um longo artigo que Serra apoia a ideia de “desideologizar” a política externa brasileira, uma referência ao caráter assumido pelo bloco durante a convergência de governos progressistas na região. “O governo argentino mudou, o governo brasileiro também, então devemos começar uma nova etapa”, disse Serra.

Esta nova etapa também poderia marcar a recuperação da autonomia do poder político que historicamente marcou o Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, e que durante o século XX foi o orgulho da política exterior brasileira. A oposição acusou Luiz Inácio Lula da Silva primeiro, e Dilma Rousseff depois, de minar essa independência para promover a aproximação a governos próximos como Argentina, Venezuela e Bolívia. A mudança vai marcar a nova agenda externa do Brasil e a viagem de Serra a Buenos Aires foi nessa direção. Malcorra disse que a visita de Serra serviu para “trabalhar e enriquecer a relação” bilateral.

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