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FESTIVAL DE CANNES
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

Os aplausos e o tédio

Que bom que os críticos gostaram de ‘Julieta’. Eu que não vou madrugar para revê-la. ‘Personal Shopper’, de Assayas, não tem lógica

Emma Suárez (esq.), Almodóvar e Adriana Ugarte, em Cannes.Vídeo: Thibault Camus
Carlos Boyero

Muitos cronistas do Festival de Cannes asseguram ver sistematicamente seis filmes por dia. Eu os invejo, já que aparentemente conciliam o prazer com a obrigação. O que não entendo é de onde tiram tempo para o seu fervoroso trabalho, já que também inundam as redes sociais (isso me contaram; continuo virgem) com seus comentários sobre esses filmes, cobrem coletivas, fazem entrevistas e não sei quantas coisas mais. E assim durante treze dias. Da minha parte, vejo três filmes, entre os da competição e algum evento especial, mas acabo esgotado. Por isso, é muito louvável chegar com uma mínima parte dos deveres feitos. Ou seja, ter tido a possibilidade de ver antes, nas cabines de imprensa na Espanha, alguns filmes que serão exibidos. Quero dizer: poder despertar algum dia às 9h da manhã em vez de às 6h30.

Mas neste ano não dei sorte. O único filme que eu havia visto é Julieta, do ínclito Pedro Almodóvar. E já contei numerosas vezes que o meio, o lugar e as circunstâncias podem influir no seu julgamento precipitado sobre um filme, que aquilo que mais me angustiou ou que não entendi durante um festival pode me surpreender ou fascinar quando o revejo numa sessão das 16h em um cinema de Madri. E ao contrário. Há ocasiões em que os festivais deixam a gente tão enfastiado que, quando alguma coisa interessante aparece, você a coloca diretamente num altar. E ao revê-la de um jeito relaxado descobre que não era para tanto.

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Enfim, não vou madrugar por causa de Julieta. Depois me contam que a projeção para a imprensa terminou com aplausos breves, mas convictos. Que bom que os críticos gostaram tanto da última obra deste cineasta universal.

Ontem eu falava aqui da adrenalina que Jarmusch e Nichols trazem para a seção competitiva. Mas o tédio voltou. O tão prestigioso diretor francês Olivier Assayas demonstra uma doentia tendência ao delírio na grotesca Personal Shopper, habitada por espíritos e uma médium. Não sei se eles existem, mas os desta trama são tão incríveis quanto tediosos. Além disso, se manifestam enviando mensagens nas redes sociais, o que permite ao diretor dedicar grande parte da duração a chatíssimas trocas de whatsapps entre uma menina que usa aparelhos tecnológicos de todo tipo e o protetor espírito do seu defunto irmão gêmeo. Como cinema de terror, não assusta. Não há lógica. Nem o diretor compreende a sua história. Imagine o espectador.

A brasileira Aquarius tenta se sustentar com a presença de Sonia Braga, uma mulher que foi muito bonita e é um ícone permanente do cinema brasileiro. Ela merecia que tivessem lhe entregado um roteiro no qual ocorresse algo de interessante. Interpreta a uma sessentona crítica de música, que recorda seu passado, é viúva, teve um seio extirpado devido a um câncer, se distrai com seus amigos, leva bem sua solidão e se nega a vender sua casa a uma imobiliária. E o que mais? Pois nada.

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