O PMDB será capaz de governar o Brasil?
Partido de Michel Temer usufruiu do poder, mas não assumiu os custos políticos do exercício do Governo
A crise brasileira deixou em evidência a complexidade e a opacidade do seu sistema político. Na verdade, até poucas semanas atrás, a imprensa internacional tinha focado seu olhar – e sua crítica – no Partido dos Trabalhadores (PT), a organização política da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula. A impopularidade da presidenta, os maus resultados na economia e uma opinião pública exasperada pela avalanche de denúncias de corrupção tomavam conta da agenda da mídia. No entanto, com o avanço do processo de impeachment da presidenta no Congresso, bem como o número de implicados no escândalo da Lava Jato (incluindo membros proeminentes da oposição), o ângulo da cobertura de notícias mudou.
Em particular, ficou evidente a dificuldade para a (o) presidente de liderar um país sendo minoritária (o) no Congresso – o que Sergio Abranches, cientista político brasileiro, definiu como o "presidencialismo de coalizão" –, junto com a extrema promiscuidade entre dinheiro e política no Brasil, encarnado na figura de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados até poucos dias atrás. Agora, com o início do período interino de Michel Temer na presidência da República, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) capta a atenção da opinião pública. Será que o PMDB vai conseguir liderar um governo capaz de dar respostas imediatas na economia, construir uma maioria política forte e estável no Congresso, e dar total liberdade às investigações da justiça no escândalo da Lava Jato? Terá a ousadia de conduzir a reforma política e do financiamento da vida política no Brasil, depois de ter sido o principal beneficiário deste sistema?
Visto de maneira geral, é possível dizer que o PMDB nunca deixou de governar, seja do Planalto (sede da presidência, entre 1985 e 1990), da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (exceto nos dois primeiros anos do primeiro Governo Lula) e, sobretudo, na maioria dos Estados e municípios do Brasil. Esta presença territorial permitiu que elegesse numerosas bancadas no Congresso, o que dá a possibilidade de exigir de qualquer Governo, de esquerda ou de direita, uma parcela significativa do bolo ministerial.
Assim, embora o PMDB tenha governado desde 1985, seria preciso indicar que, na verdade, esse partido usufruiu o poder, mas não assumiu os custos políticos do exercício governamental. O PMDB surge e se alimenta da disputa política local, e projeta essa força em Brasília, utilizando para isso a arma da divisão. Na verdade, ao contrário do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), uma divisão do PMDB, e do PT, que sempre privilegiaram um projeto político nacional, e, portanto, cederam espaços importantes da máquina do governo, tanto em nível nacional quanto estadual e local, em troca da supremacia da orientação política de suas coalizões, os caciques do PMDB sempre negociaram separadamente seus espaços na máquina pública, com referência à correlação de forças em nível local, e respeitando uma divisão tácita, mas consistente, entre as bancadas do Senado e da Câmara dos Deputados.
A economia – a principal preocupação dos brasileiros – será, sem dúvida, o maior desafio do Governo interino
A multiplicidade de agendas e a fragmentação territorial do PMDB, junto com as lideranças fracas em termos de opinião pública, fazem com que o PMDB prospere na divisão. Paradoxalmente um PMDB unido é um PMDB frágil ou fraturado. O problema para este partido – e especialmente para seu presidente honorário, Michel Temer – é que, hoje, quem deve dar orientação política do Governo é o próprio PMDB. Embora seja a principal força política do país, continua a ser minoria no Congresso, assim como foram PSDB e PT em seus Governos.
A economia – a principal preocupação dos brasileiros – será sem dúvida o grande desafio do Governo interino (incluindo para tentar esconder o fato de que uma boa parte da cúpula do PMDB está sob investigação pela justiça). No entanto, ao contrário de 2003, quando Lula não só tinha a legitimidade das urnas, mas também a força política para impor a seu partido, e aos partidos de sua coalizão, medidas impopulares, hoje uma parte não desprezível da opinião pública considera Michel Temer como um presidente "ilegítimo".
No Congresso, Michel Temer terá de lidar com a mesma maioria parlamentar que se recusou a adotar medidas impopulares durante o ano de 2015. Acima de tudo, será que o PMDB estará disposto a se sacrificar para obter a governabilidade do país? No livro O Leopardo, Giuseppe Lampedusa, disse que "tudo tinha que mudar para que nada mudasse". O problema é que talvez, nesta ocasião, a opinião pública não esteja de acordo.
Gaspard Estrada é diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC).
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