_
_
_
_
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O PMDB será capaz de governar o Brasil?

Partido de Michel Temer usufruiu do poder, mas não assumiu os custos políticos do exercício do Governo

O presidente interino do Brasil, Michel Temer.
O presidente interino do Brasil, Michel Temer.UESLEI MARCELINO (REUTERS)

A crise brasileira deixou em evidência a complexidade e a opacidade do seu sistema político. Na verdade, até poucas semanas atrás, a imprensa internacional tinha focado seu olhar – e sua crítica – no Partido dos Trabalhadores (PT), a organização política da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula. A impopularidade da presidenta, os maus resultados na economia e uma opinião pública exasperada pela avalanche de denúncias de corrupção tomavam conta da agenda da mídia. No entanto, com o avanço do processo de impeachment da presidenta no Congresso, bem como o número de implicados no escândalo da Lava Jato (incluindo membros proeminentes da oposição), o ângulo da cobertura de notícias mudou.

Mais informações
Dilma Rousseff: “Nós vamos lutar para voltar”
Especialistas preveem retrocesso na educação com ajustes de Temer
Temer terá ‘superbase’ no Congresso para passar medidas impopulares

Em particular, ficou evidente a dificuldade para a (o) presidente de liderar um país sendo minoritária (o) no Congresso – o que Sergio Abranches, cientista político brasileiro, definiu como o "presidencialismo de coalizão" –, junto com a extrema promiscuidade entre dinheiro e política no Brasil, encarnado na figura de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados até poucos dias atrás. Agora, com o início do período interino de Michel Temer na presidência da República, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) capta a atenção da opinião pública. Será que o PMDB vai conseguir liderar um governo capaz de dar respostas imediatas na economia, construir uma maioria política forte e estável no Congresso, e dar total liberdade às investigações da justiça no escândalo da Lava Jato? Terá a ousadia de conduzir a reforma política e do financiamento da vida política no Brasil, depois de ter sido o principal beneficiário deste sistema?

Visto de maneira geral, é possível dizer que o PMDB nunca deixou de governar, seja do Planalto (sede da presidência, entre 1985 e 1990), da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (exceto nos dois primeiros anos do primeiro Governo Lula) e, sobretudo, na maioria dos Estados e municípios do Brasil. Esta presença territorial permitiu que elegesse numerosas bancadas no Congresso, o que dá a possibilidade de exigir de qualquer Governo, de esquerda ou de direita, uma parcela significativa do bolo ministerial.

Assim, embora o PMDB tenha governado desde 1985, seria preciso indicar que, na verdade, esse partido usufruiu o poder, mas não assumiu os custos políticos do exercício governamental. O PMDB surge e se alimenta da disputa política local, e projeta essa força em Brasília, utilizando para isso a arma da divisão. Na verdade, ao contrário do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), uma divisão do PMDB, e do PT, que sempre privilegiaram um projeto político nacional, e, portanto, cederam espaços importantes da máquina do governo, tanto em nível nacional quanto estadual e local, em troca da supremacia da orientação política de suas coalizões, os caciques do PMDB sempre negociaram separadamente seus espaços na máquina pública, com referência à correlação de forças em nível local, e respeitando uma divisão tácita, mas consistente, entre as bancadas do Senado e da Câmara dos Deputados.

A economia – a principal preocupação dos brasileiros – será, sem dúvida, o maior desafio do Governo interino

A multiplicidade de agendas e a fragmentação territorial do PMDB, junto com as lideranças fracas em termos de opinião pública, fazem com que o PMDB prospere na divisão. Paradoxalmente um PMDB unido é um PMDB frágil ou fraturado. O problema para este partido – e especialmente para seu presidente honorário, Michel Temer – é que, hoje, quem deve dar orientação política do Governo é o próprio PMDB. Embora seja a principal força política do país, continua a ser minoria no Congresso, assim como foram PSDB e PT em seus Governos.

A economia – a principal preocupação dos brasileiros – será sem dúvida o grande desafio do Governo interino (incluindo para tentar esconder o fato de que uma boa parte da cúpula do PMDB está sob investigação pela justiça). No entanto, ao contrário de 2003, quando Lula não só tinha a legitimidade das urnas, mas também a força política para impor a seu partido, e aos partidos de sua coalizão, medidas impopulares, hoje uma parte não desprezível da opinião pública considera Michel Temer como um presidente "ilegítimo".

No Congresso, Michel Temer terá de lidar com a mesma maioria parlamentar que se recusou a adotar medidas impopulares durante o ano de 2015. Acima de tudo, será que o PMDB estará disposto a se sacrificar para obter a governabilidade do país? No livro O Leopardo, Giuseppe Lampedusa, disse que "tudo tinha que mudar para que nada mudasse". O problema é que talvez, nesta ocasião, a opinião pública não esteja de acordo.

Gaspard Estrada é diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC).

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_