Mercado financeiro saúda Temer e cobra ações concretas na economia
Agentes financeiros e investidores enxergam em seu Governo uma possibilidade mais concreta de um giro na economia, capaz de tirar o país da recessão
O presidente interino Michel Temer (PMDB) começa seu Governo com a difícil missão de recolocar o país na trajetória do crescimento. Em meio a uma desordem fiscal, uma taxa de desemprego alta (de mais de 10%) e uma dívida pública que não para de crescer, Temer tem o voto de confiança do mercado financeiro e dos investidores, pelo menos num primeiro momento. Os investidores enxergam em seu Governo uma possibilidade mais concreta de um giro na economia, capaz de tirar o país da armadilha da recessão e da inflação alta.
O otimismo com a sua chegada se refletiu ao longo do processo de impeachment por meio de indicadores que começaram a reagir positivamente quando a destituição da presidenta começou a parecer mais concreta: a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) oscilou, mas manteve uma trajetória de alta, subindo mais de 20% de janeiro até o dia 12 de maio. O dólar também caiu e o Credit Default Swaps (CDS), uma medida do risco-Brasil, retrocedeu. A possibilidade de troca de Governo que foi se tornando cada vez mais real nos últimos dias fez, inclusive, algumas projeções do Produto Interno Bruto (PIB) para o próximo ano serem revistas. Há um mês, na pesquisa Focus, do Banco Central, que levanta as projeções de mais de 100 instituições financeiras do país, a estimativa era de um crescimento de 0,3% e, no início desta semana, subiu para 0,5%.
A sensação é de que o mercado atravessa uma fase de lua de mel com o recém-empossado presidente, já que os agentes financeiros têm gostado das sinalizações de Temer. A começar pelos nomes que irão integrar sua equipe econômica. Para o comando do ministério da Fazenda o escolhido foi o “queridinho” do mercado Henrique Meirelles, ex-presidente do BC dos dois Governos de Lula. Já o atual economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn deve assumir como titular do Banco Central. “São nomes muito bem-recebidos, dotados de alto grau de credibilidade, com experiências passadas importantes e que todas sabem qual a linha de pensamento”, explica o economista Silvo Campos Neto da consultoria Tendências.
O “Uma Ponte para o Futuro”, documento lançado pelo PMDB no fim do ano passado - com propostas para a retomada do crescimento do país - também já esboça uma mudança de direcionamento na política econômica. Ele trata de temas como reforma do orçamento, privatizações e abertura comercial, o que agrada o setor privado. O documento também fala em desvincular a Previdência dos reajustes do salário mínimo e de mudar a idade mínima para aposentadoria – mínimo de 65 anos para homens e 60 para mulheres. A alteração dessas regras para diminuir os gastos públicos foi um tema espinhoso que Dilma não conseguiu negociar no Congresso.
O economista pondera, no entanto, que não basta apenas apresentar uma linha liberal e progressista se o presidente não bancar e tiver força política para aplicar essas propostas. “A gente se lembra do episódio recente da chegada de Joaquim Levy, para a pasta da Fazenda, em um Governo Dilma que não encampou as propostas dele. Porém, acho que a situação agora tende a ser diferente ”, explica Campos Neto.
Para que essa lua de mel não termine rápido será preciso que as sinalizações se convertam em ações concretas em um curto espaço de tempo. “O mercado estará atento ao compromisso e à capacidade de entrega de Temer. Agora há o benefício da dúvida, mas passado alguns meses serão necessários resultados”, explica Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
Na opinião da economista, o cenário que Temer terá que enfrentar nos próximos meses será muito desafiador já que Dilma está deixando um quadro “infinitamente pior” que o do ano passado. “Há um déficit público de 2%, um déficit primário de 10% do PIB , e o país perdeu o grau de investimento, o que podemos demorar uma década para reverter”, explica Latif.
Temer também precisa garantir o apoio do Congresso Nacional para aprovar reformas impopulares, o que não está muito claro após a tumultuada saída de Eduardo Cunha da presidência da Casa. “O problema fiscal é tão complexo que mesmo sinalizando um corte de gastos na máquina pública, Temer em um segundo momento terá que subir também os impostos e precisará de apoio político e da sociedade”, explica Juan Jensen, professor de economia do Insper.
'Brisa' a favor da economia
Nem tudo são notícias ruins. Ainda que timidamente, outros ventos, ou melhor chamar de brisa, sopram a favor de Temer. Hoje, o cenário internacional está mais tranquilo do que o de 2015, quando, por exemplo, os sinais da desaceleração da China provocaram uma convulsão nos mercados mundiais. Internamente, também já começam a aparecer algumas indicações de estabilização. Segundo relatório do Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas do Bradesco (Depec), as quantidades importadas de bens de capital, por exemplo, não caem desde outubro. Já o índice de capacidade instalada- um indicador da porcentagem do parque industrial que está trabalhando- que chegou ao mínimo em fevereiro, apresentou resultados positivos em março e abril. A confiança da indústria também tem melhorado desde agosto do ano passado.
“O que temos é a indústria nesse momento batendo no fundo do poço. Mas o poço pode ser sempre cavucado caso o Governo não arrume a casa e coloque em prática o ajuste fiscal. Ainda não se pode falar em retomada”, explica Zeina. Para a economista, os dados de confiança da indústria refletem mais a expectativa com o impeachment que o fim de um ciclo de retração.
O ajuste dos preços administrados realizado no ano passado e o recuo na inflação nos últimos meses, ainda que pelas razões ruins – como pela queda do poder de renda da população – também podem ajudar Temer a trazer o índice para mais perto do centro da meta, permitindo baixar também a taxa básica de juros que hoje é de 14,25% ao ano. “Com os indicadores se estabilizando, o quadro pode começar a apresentar melhora no terceiro trimestre deste ano, mas a trajetória de queda só deve ser interrompida no próximo ano”, explica o professor Jensen.
Mesmo com tons de euforia diante da mudança de comando, os especialistas concordam que não há passe de mágica para sair do atoleiro sem grandes reformas estruturais e, menos ainda, em um período de dois anos e meio. “Ninguém imagina que o Temer vai fazer um ajuste que consiga fazer que a dívida caia. Temer não vai entregar um PIB fantástico, mas pode evitar que a recessão continue até 2018”, conclui Sérgio Valle, economista da MB Associados.
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