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Coluna
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Deus perdeu a paciência com os congressistas do Brasil?

O Deus de boa parte dos deputados é o Deus do atraso, da vingança, o que parece pouco se importar com a corrupção já que os mais desonestos são os que mais prosperam

Juan Arias
O presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, nesta segunda-feira.
O presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, nesta segunda-feira. ADRIANO MACHADO (REUTERS)

Os deputados do Brasil estão loucos por Deus. Quanto mais corruptos, mais o invocam. É o melhor amuleto de seus crimes. Mas, de repente, parece que Deus perdeu a paciência e está se vingando deles, enlouquecendo-os.

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Só isso explica o fato do Congresso com seus 513 deputados ter se transformado em um circo, um sabá, em uma fúria coletiva, que está desconcertando até mesmo a opinião pública internacional.

Quando o emblemático Eduardo Cunha, um dos mais corruptos do grupo, que batiza seus carros de luxo com o nome de Jesus, foi temporariamente afastado de seu cargo pelo STF, o ex-presidente do Congresso escreveu nas redes sociais: “Que Deus proteja a todos nós!”.

E quando seu sucessor, o vice-presidente Waldir Maranhão, mais um na longa lista de corruptos, soube que ele tomaria o controle do Congresso, pediu para se ausentar já que precisava, disse, “falar uns minutos com Deus”.

O suficiente para horas depois tomar a impensada decisão monocrática, sem consultar-se com seus pares, de anular a grave decisão tomada pela maioria absoluta do Congresso, a favor de abrir um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, decisão que convulsionou o país. Mas Deus dá e Deus tira. Horas depois, e quando já havia colocado em polvorosa a imprensa de meio mundo, voltou atrás anulando a anulação.

Será a vingança de Deus que se sente um pretexto na boca desses deputados, geralmente os mais conservadores e corruptos, que está injetando o delirium tremens divino nos deputados?

Semanas atrás, dezenas de deputados gritavam em um microfone que votavam a favor da saída de Dilma “em nome de Deus”.

Mas são esses devotos de Deus, que também o invocam na hora de comprar votos para se reeleger, que se opõem a legislar a favor dos direitos humanos; os que não impedem que centenas de milhares de mulheres morram em abortos clandestinos; que desaprovam que pessoas do mesmo sexo possam unir-se estavelmente formando uma família; que se opõem à utilização de células tronco para salvar vidas, do uso da fecundação artificial e que defendem que as pessoas se armem contra a violência ao invés de lutar contra suas causas.

Deveria existir uma lei que impeça que o nome de Deus “seja invocado em vão” no Congresso

O Deus de boa parte dos deputados é o Deus do atraso, da vingança, da antimodernidade, o Deus que parece pouco se importar com a corrupção já que os mais desonestos são os que mais prosperam.

A Constituição admite a separação entre a Igreja e o Estado, mas existem congressistas, entre as hostes evangélicas, que não perderam a esperança de chegar a conquistar a Presidência da República para poder governar em nome da Bíblia.

Alegam que na introdução da Constituição está escrito que foi promulgada “sob a proteção de Deus”, e que sem ele não será possível criar um Brasil fundado sobre os pilares da Pátria e da família, o país sonhado, curiosamente, por vossas senhorias mais corruptas.

Quem sabe essa vingança de Deus, que parece ter decidido tirar-lhes o juízo, sirva à opinião pública mais sensata, mais honrada e mais moderna para que pensem duas vezes, no futuro, a quem dar seu voto.

O Brasil merece mais do que essa série de espetáculos oferecidos pelo Congresso que faz corar as pessoas normais e decentes.

Deveria existir uma lei que impeça que o nome de Deus “seja invocado em vão” no Congresso. Os deputados da Bíblia deveriam saber que essa ofensa a Deus não tem perdão.

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