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Cunha, o dono de “Jesus” na internet

Presidente da Câmara tem 212 domínios de cunho religioso na internet, 154 com "Jesus"

Cunha no plenário da Câmara.
Cunha no plenário da Câmara.Luis Macedo (Câmara dos Deputados)

Pense em qualquer variação de um domínio de internet .br que misture as palavras "facebook" e "jesus". Nenhum deles leva a qualquer conteúdo, mas todos pertencem ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. "jesusfacebook.com.br", "facebookjesus.com.br", "facejesusbook.com.br" e "portaljesusfacebook.com.br" estão entre os 287 endereços para sites registrados no nome de Cunha, como expôs no início deste mês o site Pastebin (os dados são públicos e revelados por uma simples pesquisa por CPF). Do total, 212 têm cunho religioso — 154 deles mencionam "Jesus".

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A militância religiosa do evangélico Eduardo Cunha não é segredo para ninguém. O deputado peemedebista frequenta com assiduidade cultos religiosos, suas redes sociais publicam com frequência mensagens bíblicas e seus críticos condenam posições como a oposição à liberação do aborto, de base religiosa, mas o grande número de domínios ligados ao tema chamou a atenção e virou notícia. Questionado sobre o assunto pelo EL PAÍS por meio de sua assessoria de imprensa, Cunha não se manifestou até a edição desta reportagem.

A posse de um domínio custa 30 reais por ano (se o dono fechar 10 anos de uma vez, o preço total fica 273 reais). O Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) não tem informações sobre a quantidade de domínios religiosos registrados no país, explica Frederico Neves, diretor de Serviços e Tecnologia do NIC.br. Portanto, não é possível ter uma ideia da representatividade dos endereços detidos por Cunha. Mas uma conversa com quem atua na área pode ajudar a esclarecer os motivos de tantos domínios.

Diretor de internet na Rede Novo Tempo de Comunicação, Carlos Magalhães explica que a primeira preocupação de uma instituição religiosa ou de uma empresa é conseguir garantir seu nome em um domínio. A maioria das igrejas evangélicas até incentiva seus fiéis a comprar os endereços, como forma de colaboração, para partilhar custos — segundo Magalhães, apenas grupos como os mórmons ou as testemunhas de Jeová tendem a concentrar entre os membros da cúpula da igreja a responsabilidade por preservar o nome na internet.

Outra preocupação é evitar que terceiros façam uso inadequado de nomes que aludam à entidade. Mas há também quem mantenha domínios inativos à espera de quem queira comprá-los. A Rede Novo Tempo, por exemplo, teria de pagar 80.000 dólares se quisesse publicar seu site em espanhol, com o endereço nuevotiempo.com. É o preço que o dono desse domínio registrado na Espanha cobraria se a Novo Tempo quisesse utilizar a terminação .com. Para evitar o gasto, ele utiliza um domínio com a terminação .net (nuevotiempo.net).

Cunha mantém um portal cristão na internet, chamado "Fé em Jesus", e detém vários domínios alusivos a essa expressão, além de endereços de cunho político e empresarial, como da rádio Melodia FM. Em 2012, quando muitos desses registros foram feitos, aproveitando a mobilização de uma Marcha para Jesus, o deputado explicou à revista Época a iniciativa. "Disponibilizaremos contas de e-mails, teremos um buscador, recolheremos doações para igrejas, transmitiremos cultos, comercializaremos produtos cristãos, teremos uma rede social, em suma, é uma internet só para cristãos”, disse à coluna de Felipe Patury. À Folha de S.Paulo, Cunha declarou à época que mirava a "maior audiência evangélica do país".

Entre os serviços oferecidos pelo portal está o Jesus Tube, canal de vídeos que reúne conteúdo religioso — Cunha detém o domínio alternativo jesustube.net.br, que não leva a nenhum conteúdo. Mas a lista do deputado também tem nomes que não aludem diretamente ao portal, como os já mencionados domínios com referência ao Facebook e a outras empresas, como 'jesusyahoo.com.br', 'messengerfeemjesus.com.br' e 'youtubejesus.com.br'.

Segundo o advogado especializado em tecnologia da informação Omar Kaminski, a utilização de uma marca registrada em domínio pode render condenação por concorrência desleal ou ato ilícito, desde que configurada a má-fé na utilização do nome. "Na ausência de legislação específica, é válida uma resolução de 2008 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, e as decisões judiciais vêm equiparando domínios a marcas registradas", explica Kaminski.

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