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Temor do zika vírus ameaça disparar aborto clandestino na América Latina

Falta de acesso a métodos contraceptivos e a proibição do aborto levam a práticas inseguras

Uma criança com microcefalia em Recife, Brasil.
Uma criança com microcefalia em Recife, Brasil.Felipe Dana (AP)
María R. Sahuquillo

O alerta contra o zika vírus no continente americano e sua vinculação com casos de microcefalia em bebês nascidos de mães infectadas têm levado as autoridades de países como Equador, Colômbia e El Salvador a aconselhar que mulheres evitem a gravidez. Uma recomendação difícil de cumprir em uma região onde os programas de educação sexual são quase inexistentes. Cerca de 24 milhões de mulheres não têm acesso a métodos contraceptivos modernos na região, segundo a ONU. O vírus também se espalha por uma das regiões com mais restrições à interrupção da gestação no mundo: apenas seis países permitem o aborto por malformação fetal; em outros sete, não é autorizado nem para salvar a vida da mulher. Especialistas alertam que as dúvidas sobre os riscos do zika vírus, somadas à falta de opções para que as mulheres decidam se querem ou não ser mães, podem causar um aumento dos abortos clandestinos, inclusive no Brasil.

Na América Latina e no Caribe, cerca de 56% das gestações não são planejadas, como mostra a pesquisa do Instituto Guttmacher — especializado em saúde sexual —, com base em dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Conseguir preservativos, contraceptivos farmacológicos (como a pílula) ou DIU é complicado para 33% das mulheres em idade fértil e com parceiro fixo no Haiti; 17% das mulheres na Guatemala; 15% das argentinas; ou 12% das salvadorenhas (segundo dados do UNFPA de 2015). Não são apenas barreiras econômicas, mas também socioculturais, numa região em que, além disso, as taxas de violência sexual são muito elevadas.

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As mulheres mais pobres e de zonas rurais combinam as maiores dificuldades de acesso a contraceptivos com a menor quantidade de informações sobre a doença, diz Giselle Carino, diretora-adjunta da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na sigla em inglês). Também fazem parte do grupo mais vulnerável ao zika, um vírus transmitido pelo mosquito Aedes aegypti — o mesmo da dengue e do chikungunya —, que se prolifera em áreas com menor nível de saneamento e mais locais com água parada.

Atualmente, Equador, Porto Rico, Colômbia, República Dominicana, El Salvador, Honduras, Jamaica e Panamá pediram que as mulheres evitem engravidar; em alguns casos, até mesmo no prazo de um ano e meio. Um conselho não só insuficiente, mas também pouco realista. "O que faz é transferir toda a responsabilidade para as mulheres", critica Carino. As autoridades de saúde ainda não lançaram programas específicos para prevenir a gravidez, apesar do alerta da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

“A crise do zika vírus voltou a colocar em evidência a vulnerabilidade dos direitos de reprodução na América. Não falta somente acesso à anticoncepção e ao aborto, a informação, atenção e controles pré-natais também são pontos falhos”, diz Mónica Roa, vice-presidenta da Women’s Link Worldwide. E para determinar que o feto sofre de microcefalia – uma doença neurológica muito grave que faz com que o cérebro e o crânio tenham menor tamanho – é preciso, minimamente, de uma ecografia. “É, além disso, um diagnóstico que não é fácil e que ocorre a partir da 18° semana de gestação. Algumas vezes mais tarde, porque é preciso ver como o desenvolvimento do feto evolui”, explica a especialista em diagnóstico pré-natal Pilar Martínez-Ten.

Mapa do aborto no mundo
Mapa do aborto no mundo

Diante dos riscos do zika vírus e sua associação com a microcefalia – no Brasil, o país mais afetado pelo vírus, existem 4.783 casos suspeitos desde o final de outubro –, as organizações de mulheres e direitos da reprodução exigem que os Governos revisem suas leis sobre o aborto. “Uma vez que existe esse diagnóstico e com toda a informação à disposição, são as mulheres que devem decidir se levam a gravidez adiante”, argumenta Roa, que diz que nem mesmo nos países nos quais o aborto é permitido em algumas circunstâncias o acesso é fácil. As leis do México, Belize e Panamá permitem a interrupção da gravidez por malformações fetais; no Brasil, somente se o feto sofre de anencefalia ou oferece risco de morte para a mãe, enquanto que na Colômbia é possível se a malformação é mortal. Em outros – como a Argentina – essa opção existe se a saúde física e psicológica da mulher estiver em risco. Na República Dominicana, Chile, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua e Suriname esse serviço é totalmente proibido. Em todos esses países foram detectados casos de zika.

Os especialistas e as organizações que trabalham pelos direitos da reprodução temem que o medo do zika vírus e as dúvidas sobre seus efeitos no desenvolvimento do feto, que ainda devem ser esclarecidos pelos especialistas, levem a um aumento dos abortos clandestinos. “A experiência nos diz que, apesar das restrições legais, quando as mulheres têm uma gravidez não desejada, especialmente as jovens e aquelas que não têm recursos, acabam por buscar formas inseguras de abortar, o que coloca sua saúde e suas vidas em grave risco”, diz Gillian Kane, assessora da IPAS, uma organização que trabalha para prevenir o aborto inseguro.

Na América Latina e no Caribe ocorrem aproximadamente quatro milhões de abortos inseguros por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), um problema de saúde pública que provoca a morte de milhares de mulheres.

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