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Operação Lava Jato: a ‘terceira temporada’

Quer queira ou não, brasileiro segue 'thriller' político-policial com impacto na economia Volta das sessões da Justiça e do Legislativo, nesta terça, movimentam a trama

Rodrigo Janot ao lado de Eduardo Cunha, durante sessão no Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira, dia 1º.
Rodrigo Janot ao lado de Eduardo Cunha, durante sessão no Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira, dia 1º. José Cruz (Agência Brasil)

O ano de 2016 começou oficialmente nesta segunda na corte mais importante do país, o Supremo Tribunal Federal. Nesta terça, recomeçam os trabalhos do Congresso Nacional, parado por um mês e meio para o recesso de deputados e senadores. Embora a Operação Lava Jato não tenha tirado férias, o retorno das atividades parlamentares e judiciais faz com que os holofotes se voltem novamente à operação da Polícia Federal que, cheia de reviravoltas e mudanças bruscas de roteiro, mais lembra um thriller televisivo acompanhado com atenção pelos brasileiros devido aos impactos sobre a política e a economia —estudo do Ministério da Fazenda no ano passado atribuiu aos cortes na Petrobras e à Lava Jato ao menos 2 pontos da retração brasileira em 2015. Se fevereiro é o mês oficial das estreias de séries de TV, a Lava Jato não fica atrás com sua terceira temporada, onde eventuais consequências para o ex-presidente Lula e a cúpula do PT dividirão atenções com as decisões dos tribunais superiores sobre os acusados presos na investigação. 

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O foco da trama continua a ser o esquema de desvios bilionários da Petrobras, que envolve dezenas de parlamentares, executivos de grandes empreiteiras, lobistas, doleiros, além de ex-diretores e ex-gerentes da estatal petrolífera. Ao que tudo indica, em 2016, continuam no elenco principal o juiz federal Sérgio Moro, que julga os casos na primeira instância judicial, que verá suas decisões confirmadas ou rejeitadas pelas cortes superiores; o procurador-geral da República Rodrigo Janot; o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró; o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu; o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki (relator da Lava Jato); além de, claro, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha –o nosso Frank Underwood à brasileira.

Cunha é protagonista da série desde meados da segunda temporada. Em agosto de 2015, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção e lavagem de dinheiro, sob a acusação de ter recebido cerca de 5 milhões de dólares em propinas para favorecer empresas a fechar contratos com a estatal. Pouco depois, foi acusado de esconder o dinheiro obtido com o esquema em contas secretas na Suíça –o que ele nega. A exemplo das séries que compõem a era de ouro da TV norte-americana (Os Sopranos, Breaking Bad, Mad Men...), a season two da Lava Jato encerrou 2015 no auge: num dia, o presidente da Câmara Federal foi acordado por agentes da PF batendo à porta de sua residência em Brasília com mandados de busca e apreensão, na fase intitulada Catilinárias –tendo seus celulares e notebooks apreendidos. No outro, Janot pediu ao STF o seu afastamento da Câmara, apenas um dia antes do recesso parlamentar, deixando quem acompanha o caso em total suspense.

Os ‘furos’ no roteiro

Em três anos, a Lava Jato também colecionou críticas, e não só por aqueles que estão sob a investigação da Polícia Federal, mas também de alguns juristas que acompanham com atenção os desdobramentos do caso. Entre elas:

  • O fato de que alguns depoimentos de delatores e acareações entre investigados não terem sido gravados. De acordo com reportagem da Folha, foram pelo menos seis o total de depoimentos sem gravação em áudio e em vídeo. A gravação não é uma exigência legal, mas dá margem para que os advogados de defesa critiquem a legalidade e legitimidade das delações.
  • Outro objeto de críticas é o vazamento seletivo de trechos das delações —setores governistas criticam o fato de a maioria dos depoimentos que chegam à imprensa citarem nomes do PT e não de outros partidos. Em carta aberta enviada no dia 15 de janeiro, mais de cem advogados questionam a imparcialidade dos investigadores e alertam para o fato de que a "presunção da inocência" é prejudicada com a publicação de informações privadas e ainda em investigação.

Ainda centrada neste personagem, a terceira temporada começou eletrizante: nem bem 2016 teve início e o ministro Teori Zavascki autorizou a quebra de sigilos bancário e fiscal de Underwood... (desculpem, Cunha), da esposa dele, a jornalista e ex-apresentadora global Cláudia Cruz, da filha, Danielle, além das empresas ligadas à família, no período entre 2005 e 2014. Dias depois, surgiram novas suspeitas: outros dois delatores, empresários da Carioca Engenharia, também afirmaram ter pago uma quantia milionária em propina ao peemedebista (assim, já são quatro o número de delatores citando Cunha).

E apenas um dia antes do início do ano parlamentar, na segunda-feira, o presidente da Câmara teve um encontro constrangedor com seu rival: ele e Janot praticamente ignoraram um ao outro durante a sessão de abertura do ano judiciário no STF, na qual o procurador exaltou a Lava Jato e declarou não compactuar com qualquer tipo de autoritarismo (em uma crítica nada velada a Cunha). Ambos sentaram um ao lado do outro, mas não trocaram olhares.

Nas cenas dos próximos capítulos a expectativa é pelo desfecho do pedido de afastamento no Supremo e pelo andamento do processo no Conselho de Ética da Câmara, que pode culminar na cassação do deputado. São tantos as acusações envolvendo Eduardo Cunha que ele mereceria uma série só sua. Sua atuação, aliás, tem ofuscado a do colega de partido, não menos importante: o senador peemedebista Renan Calheiros, alvo de três inquéritos no Supremo no âmbito da Lava Jato, também por suspeita de receber propina no esquema. Aliado do Governo, mais discreto que o colega, ele tem conseguido se manter à sombra do escândalo, apesar das acusações que pairam contra ele (que surgiram nove anos depois de renunciar à presidência do Senado devido a outro escândalo).

Lula, de coadjuvante a protagonista

Oficialmente nem a Polícia Federal, nem o juiz Sérgio Moro ou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confirmam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteja no foco da Lava Jato. Porém, a notar pelo noticiário recente, o líder petista deve sim ganhar destaque no enredo nos próximos meses. Na última semana de janeiro, ao investigar um suposto esquema de lavagem de dinheiro pela empreiteira OAS, a PF mirou um conjunto de prédios de alto padrão tríplex no Guarujá, no qual a ex-primeira-dama Marisa Letícia supostamente tinha um investimento. A informação foi negada posteriormente pela assessoria do ex-presidente, que divulgou uma nota de "repúdio" no site do Instituto Lula. Na mesma semana, reportagem da Folha de S.Paulo apontou que a PF, ainda com a Lava Jato, passou a investigar a participação da empreiteira Odebrecht na reforma de um sítio em Atibaia, no interior paulista, frequentado pelo ex-presidente. Novamente, o petista rebateu: em nota, classificou o fato como uma "tentativa de associá-lo a supostos atos ilícitos" com "o objetivo mal disfarçado de macular a imagem do ex-presidente".

O ex-presidente Lula, alvo da PF, mas defendido pelo PT nas inserções do partido em rede nacional.
O ex-presidente Lula, alvo da PF, mas defendido pelo PT nas inserções do partido em rede nacional.Andre Penner (AP)

Além da Lava Jato, Lula está na mira da Operação Zelotes, cuja audiência é bem menor, mas não menos danosa à imagem do ex-presidente. A PF tenta comprovar a venda de medidas provisórias em benefício do setor automobilístico, e que envolveria o filho caçula do ex-presidente, Luís Claudio Lula da Silva, e sua empresa de consultoria. A PF apura se o pagamento de 2,5 milhões de reais à empresa de Luís Claudio por um lobista têm ligação com o esquema e, assim, o ex-presidente foi intimado a depor. Ambos classificam as suspeitas como mentirosas.

O Partido dos Trabalhadores reagiu e, embora a presidenta Dilma Rousseff enfrente um processo de impeachment, decidiu usar as inserções que fará a partir desta terça-feira em rede nacional para defender o legado de Lula —único nome do PT para concorrer à Presidência em 2018 e cujo prejuízo na imagem também afeta a presidenta, diretamente ligada a ele. Em vídeo, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, acusa os "preconceituosos de sempre" de "perseguições e ataques" contra Lula. “Eles não aceitam que o Lula continue morando no coração do nosso povo”, diz.

A tentativa do PT de tentar blindar Lula surge em meio à volta (não que ele tenha ido a lugar algum) aos noticiários de José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil, personagem central do escândalo do Mensalão, esse sim, um caso que renderia uma novela. Em depoimento à Justiça Federal, o petista rebateu as acusações de que recebeu 11 milhões de reais em propinas no esquema e, em quase três horas de depoimento, exaltou sua atuação como consultor para explicar como enriqueceu. "Sem falsa modéstia, 120 mil [reais, por mês, que teria recebido de uma empresa investigada] é irrisório [...] Eu ganhei o que ganha qualquer consultor ou advogado, 60 mil, 80 mil [reais] por mês", disse, segundo trecho do depoimento publicado pelo jornal O Globo. Ele, mais uma vez, saiu em defesa de Lula. "Eu não consigo aceitar a minha prisão, doutor Moro", segundo trecho obtido pela Folha. "Eu não posso aceitar também qualquer espécie de cassação do registro do PT, criminalização do PT ou a tentativa de envolver o presidente Lula nisso", afirmou. 

Apesar do foco em Lula, alguns fios da investigação ligam, pelo menos com indícios e citações em delações premiadas, o escândalo da Lava Jato ao Governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Para especialistas, é recorrente a afirmação de que a corrupção na Petrobras perpassa governos e partidos políticos.

Enquanto os roteiristas não deixam pistas de quem roubará a cena de vez, outros tantos figurantes dão cor à trama: segundo Janot, 80 foram os condenados em primeira instância por ligação com a Lava Jato, já em sua 22ª fase (e ainda longe de acabar), o que colocou em ação advogados de ao menos 40 grandes escritórios de advocacia do Brasil.  Nas contabilidade do procurador-geral, 6,4 bilhões de reais, foram desviados no megaesquema, dos quais 2,8 bilhões de reais foram recuperados pela Justiça e 659 milhões foram repatriados. Janot apostou na frase de efeito para prometer guinadas na Lava Jato no primeiro episódio da temporada: "Os poderes político, econômico e os setores da sociedade civil hão de entender que o país adentrou em nova fase", disse. "Os holofotes não serão desligados".

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