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É proibido sair do armário na Polônia

Novo governo afasta perspectiva de avanços em relação aos direitos de homossexuais

Participantes da marcha LGTB polonesa em maio de 2015 em Gdansk.
Participantes da marcha LGTB polonesa em maio de 2015 em Gdansk.M. FLUDRA (CORDON)
Íñigo Domínguez

Uma das batalhas de maior impacto midiático pelos direitos dos homossexuais na Polônia é protagonizada por um espanhol e seu parceiro, José Luis Alonso e Jakub Urbanik – de 46 e 40 anos, respectivamente –, dois professores universitários. Eles queriam se casar na Espanha, mas a prefeitura de Varsóvia negou fornecer um documento que Urbanik necessitava para realizar os trâmites, o nulla osta. O argumento foi que permitir a união entre os dois estava contra a Constituição polonesa, que em seu artigo 18 protege o casamento entre homem e mulher. Eles levaram o caso aos tribunais e apareceram muitas vezes na televisão. “Escândalo homossexual na Universidade de Varsóvia”, publicou o jornal mais vendido do país.

“Somos juristas e achamos que tínhamos a responsabilidade de defender nossos direitos em nome das pessoas que não podem fazê-lo”, explicou, na sexta-feira, Urbanik, professor da Faculdade de Direito de Varsóvia. Na Polônia, a legislação sobre homossexualismo é uma das mais restritivas da União Europeia (UE), seguindo o mesmo padrão no que diz respeito a outros temas como reprodução assistida e aborto. Nem sequer é permitida a união estável entre casais do mesmo sexo, que o anterior governo conservador do Plataforma Cívica (PO) não conseguiu aprovar, em quatro ocasiões, por votos contra em suas próprias fileiras. E se supõe que eles eram os mais progressistas. Agora, com o novo governo ultraconservador do Lei e Justiça (PiS), a população LGBT não acredita que as coisas vão melhorar, já que a bandeira do partido é a exaltação dos valores tradicionais e cristãos.

Um espanhol e seu parceiro apresentaram ao Tribunal de Estrasburgo a proibição do casamento

Alonso, professor da Universidade do País Basco, decidiu enfrentar uma batalha pública junto com seu parceiro, apesar de que podiam ter saltado o obstáculo burocrático por meio de outro certificado. “Quisemos gerar um estado de opinião que tivesse consequências políticas”, afirma. Perderam, em março de 2015, em primeira instância e, em outubro, em apelação. Então, se uniu à causa a Defensoria pública polonesa, que fornece apoio ao casal na preparação do recurso a ser apresentado perante o Tribunal de Estrasburgo. Os parentes de ambos os professores também os apoiam, inclusive os de Urbanik, que, apesar de serem muito católicos, demonstraram sua solidariedade inúmeras vezes.

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“Houve uma mudança profunda. A sociedade já está acostumada, por meio da cultura popular, e de personagens gays em séries de televisão… Mas uma coisa é Varsóvia e outra é fora, em províncias, onde se vive em um mundo clandestino. Comparado com o passado, o país se modernizou, mas em relação a cidades como Berlim ou Barcelona estamos 50 anos atrasados”, explica Ewa Wanat, jornalista da rádio pública que era muito popular por participar de um programa que dava voz à comunidade homossexual, e que agora foi despedida.

Na Polônia, poucos homossexuais saem do armário e assumem sua sexualidade em público. Em 2011, passaram a integrar o Parlamento um homossexual, Robert Biedron, e a transexual Anna Grodzka. Mas ele deixou a cadeira em 2014, ao ser eleito prefeito de Slupsk, uma cidade de 80.000 habitantes.

Para Lech Walesa, ex-presidente da Polônia e histórico líder do sindicato governamental Solidarnosc e da luta pelas liberdades durante o regime comunista, “os homossexuais deveriam se sentar atrás de um muro, não na primeira fila”. Falamos do país que tentou proibir a série infantil dos Teletubbies porque um dos personagens parecia ser gay. É preciso esperar para ver se haverá algum tipo de mudanças em outras frentes controversas, sobre as quais a é bastante alta a pressão da Igreja Católica, muito influente na Polônia, onde 40% da população vai à missa regularmente.

A restritiva lei do aborto e a corrida de obstáculos em que se transforma conseguir realizar o procedimento em algumas ocasiões, embora seja legal, também leva muitas polonesas a viajarem à República Tcheca ou à Eslováquia. Ficou famoso o caso da exoneração do diretor de um hospital de Varsóvia que, em 2014, se negou a autorizar um aborto de um feto com má formação. Quanto à reprodução assistida, o último governo aprovou, na última hora, em 2015, uma lei que gerou muitas críticas negativas contra o anterior presidente, Bronislaw Komorowski, que a assinou.

No momento, ele citou o monarca renascentista polonês Segismundo Augusto, que, quando permitiu a liberdade religiosa, disse: “Não sou o rei de vossas consciências”. Agora, o financiamento público destinado à reprodução assistida será cortado. O novo governo, com toda a sua obsessão pelo passado, não tem uma mentalidade precisamente renascentista.

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