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“Que fermento é esse que colocaram na animação brasileira?”

‘O menino e o mundo’, filme do Brasil no Oscar 2016 que reestreia em salas, é só a ponta do iceberg

Quando o diretor de O menino e o mundo – filme de animação que é responsável pelo debut do Brasil em 2016 nesta categoria do Oscar – deu a primeira coletiva de imprensa de sua vida, transcorria o ano de 2014, e ele estava na pequena cidade francesa de Annecy, rodeado de um grupo de jornalistas internacionais. Eram “poucos e bons”, ali presentes para cobrir o festival de cinema de animação mais importante do mundo. E queriam saber de Alê Abreu, cujo Menino havia acabado de conquistar o Crystal du Longe-Metráge, o prêmio máximo do evento: “Que fermento é esse que colocaram na animação brasileira?”.

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Não era a primeira vez que em Annecy se celebrava o Brasil. No ano imediatamente anterior, Luiz Bolognesi tinha, ele também, atendido a imprensa, na ocasião para comentar seu Uma história de amor e fúria, que levou o mesmo troféu de Alê Abreu em 2013. Ambos diretores, Bolognesi e Abreu – hoje parceiros na produção de seus próximos filmes – trataram de explicar seus trabalhos à luz do que julgam fermentar a animação brasileira: mentes criativas que alicerçam seus filmes no país, a partir de esforços constantes e individuais. “Nunca quisemos ser o braço barato da indústria, como acontece em outros lugares, como Coreia do Sul e Índia, por exemplo”, disse Abreu.

A declaração foi dada por esse cineasta paulistano que debutou em longa-metragem com Garoto cósmico (2008), nascido em 1971 e formado em Comunicação Social, na que foi a segunda coletiva de imprensa de sua vida – organizada às pressas para suprir o assédio dos jornalistas um dia após a indicação de O menino e o mundo ao Oscar, que este ano acontece em 28 de fevereiro. Para Alê Abreu, o Brasil – que luta para plasmar sua identidade em outros setores, como a moda e a arquitetura – está muito próximo de lograr essa missão no cinema animado. “Os filmes animados hoje em dia têm essa cara plástica e todos parecem ter sido feitos pela mesma produtora”, diz ele, defendendo a marca da animação nacional. Em poucas palavras: “Não é padronizada, é autoral”.

O Menino, que veio ao mundo em 2013, esteve em cartaz no Brasil durante todo o ano de 2014 e até o fim de 2015 – quando estreou em Hollywood para circular entre os que têm bala na agulha do Oscar – conquistou 44 prêmios de 150 festivais espalhados pelo globo. Se você só escutou falar dele agora, agradeça à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, pois foi ela quem colocou no centro do palco da indústria um dos filmes mais anti-indústria que Hollywood provavelmente já permitiu que disputasse uma estatueta dourada. “O grito ecoou onde precisa ecoar”, declarou Alê Abreu sobre seu feito ao blog Tela Tela, da revista Carta Capital.

Alê Abreu.
Alê Abreu.arquivo pessoal

David contra Golias

Não dá para dizer que é pouca a esperança do Brasil e do diretor, muito solto e simpático diante dos jornalistas nesta sexta-feira em São Paulo, de conquistar o Oscar, ainda que a consciência geral da nação seja de que Divertida mente (“Um filme bom, não ótimo”, diz Abreu sobre a produção da Pixar) é o grande favorito ao troféu. Pode ser – por que não – que o Menino que custou apenas dois milhões de reais para ser produzido (pouco para o gênero) – sem dúvida, a zebra do Oscar de animação este ano, como bem definiu a revista Indiewire – termine consagrado. Afinal, tanto Alê Abreu como a GKids, a maior distribuidora de filmes de animação independentes nos Estados Unidos, que detém os direitos de distribuição do filme e está batalhando seu posicionamento no país, farão “tudo o que estiver ao alcance”.

De fato, a empresa cujo catálogo é invejável (inclui títulos como O conto da princesa Kaguya, Chico & Rita) e que organiza o principal festival de cinema infantil de Nova York (o NY International Children’s Film Festival), está fazendo seu trabalho. O menino e o mundo poderia ter feito campanha para entrar no Oscar no ano passado (afinal, foi lançado em 2014), mas a GKids preferiu guardá-lo para 2016, “porque os concorrentes de 2015, dentro da própria distribuidora, eram ainda mais fortes que este ano”, explicou Alê Abreu. O fato é que desta vez “o milagre aconteceu”, ele diz, abrindo caminho para outros milagres mais. Ainda que ele não espere outro embate que não “a briga de um David de 500.000 dólares e um Golias de 200 milhões”, esclarece, citando o poderio de Divertida mente.

Uma explosão de lirismo com mensagem social

Foram 50.000 os espectadores que O menino e o mundo fez em 2014 no Brasil, onde encontrou os velhos problemas do mercado exibidor local (poucos blockbusters em muitas salas, zero interesse comercial por variedade). Em contraposição, foi visto por 120.000 pessoas na França – um dos 90 países que compraram os direitos de exibição do filme –, onde por sinal ele vai virar série de televisão.

Não viu o filme ainda? É possível que essa sensação de incompletude que te acompanha venha daí (ao menos no cinema). Para preencher esse vazio, corra ao Espaço Itaú de Cinema, caso esteja em São Paulo, a partir da próxima quinta-feira, 21 de janeiro, quando o filme volta a ser exibido na rede ao lado dos outros quatro concorrentes ao Oscar (Divertida mente, Anomalisa, Shaun, o carneiro e As memórias de Marnie). Em outras cidades brasileiras, ele terá reestreia também, mas o novo circuito ainda não está definido. Outra possibilidade, é sintonizar a HBO, onde ele será lançado em breve e ficará por um período determinado (até migrar a outra janela televisiva, conforme explica a Elo Company, a distribuidora brasileira do longa).

Vendo-o onde for, prepare-se: o Menino é uma explosão de lirismo que nasceu da paixão de Alê Abreu pela música de protesto latino-americana de Victor Jara, Violeta Parra e outros nomes fortes das décadas de 60 e 70 na região. Colorido (quase psicodélico) como a América Latina e belamente musicado, como é de se esperar, mostra como um menino descobre o universo do trabalho e das injustiças, mas também da solidariedade, enquanto percorre o mundo em busca do pai – que teve de sair de casa para buscar sobrevivência. Feito com uma mistura de técnicas de animação, com a predominância de um traço simples, amoroso e contundente, não precisa de diálogos para falar ao coração do espectador. Apesar de todo o lobby que se exige em Hollywood, deve ser por isso que quebrou a carcaça da Academia.

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