Sobreviver à adolescência (e à Barra da Tijuca) não é para os fracos
Para ‘Mate-me, por favor’, brasileiro da 39ª Mostra de SP, radicalizar limites faz crescer É o primeiro longa-metragem da carioca Anita da Rocha Silveira, novo talento nacional
Não se é adolescente para sempre. Ainda bem. Se fosse assim, um filme como o brasileiro Mate-me, por favor – um dos destaques da atual 39a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – teria um final diferente daquele (esperançoso) que sua diretora, a carioca Anita Rocha da Silveira, 30 anos, escolheu para ele.
Na cena derradeira do longa-metragem, vários jovens de 15, 16 anos despertam junto com os primeiros raios de luz, depois de passar uma noite ao relento em um terreno baldio da Barra da Tijuca. O que eles faziam ali, sozinhos com seu drama existencial? Procuravam seus próprios limites, instigados por uma onda de assassinatos nessa área da cidade que, justamente, delimita o Rio de Janeiro pelo seu lado oeste. Escaparam da morte e, uns mais feridos que outros, podem seguir com suas vidas.
A mensagem é de crescimento, mas Mate-me, por favor, coproduzido com a Argentina, beira o tempo todo a violência e o sexo. Quatro adolescentes de classe média que frequentam uma escola de classe média do bairro sentem uma curiosidade mórbida por cadáveres de jovens mulheres que vão aparecendo nas imediações. Se não estão em aula, trocando mensagens pelo celular, escutando e dançando funk, o que mais atrai as meninas é imaginar e refazer os passos das vítimas de um criminoso desconhecido ou, então, buscar a companhia que irá aliviá-las de sua crescente tensão erótica. Assim como qualquer adolescente, descobriram a violência e o sexo. Descobriram, enfim, o outro e, para crescer, precisam decifrá-lo.
O problema é que a busca, além de moral, pode ser mortal. A protagonista Bia, que vive em um dos vários condomínios gradeados que caracterizam a Barra, sabe disso e não se furta às descobertas; ao contrário, tem sede de sangue. Beija a boca ensanguentada de uma das vítimas ao deparar com seu corpo violentado, brinca de estrangular o pescoço do namorado depois de ficar com ele em uma festa e agride a melhor amiga no meio da disputa para retirar um pedido na apinhada cantina da escola. Vigiada por câmeras de segurança, mas nunca pelos pais ou professores, entende que para crescer precisa radicalizar e exibir as marcas de uma guerra – que é, antes de tudo, interna, ainda que não pareça.
“Quis fazer um filme sobre ser jovem que não fosse de época, no qual os adolescentes pudessem se reconhecer sem preconceitos em suas pulsões e desejos”, explica Anita Silveira. A diretora, que dirigiu antes três curtas-metragens sobre o universo adolescente (entre eles, Handball, que toca temas parecidos ao trabalho atual), achou que devia fazer seu primeiro longa-metragem sobre a mesma temática, sobre a qual já tinha ganhado experiência.
Para definir a trama, ela se inspirou no assassinato da jovem atriz Daniela Perez na Barra em 1992 e, principalmente, na curiosidade que começou a sentir aos 10 anos, quando vários de seus amigos se mudaram para o bairro. “A aridez desse espaço cheio de prédios, alguns prontos, outros em construção, chamava muito minha atenção. As pessoas se mudam para a Barra com seus filhos por causa de segurança, porque há câmeras por todos lados, mas nem imaginavam o que eles fazem durante o dia”. Se imaginassem, teriam muitas críticas, afinal pertencem a outra geração – como, não raro, é o caso do espectador. É por isso que Anita optou por não mostrar nenhum adulto no filme. “Não queria ninguém pontuando o que é certo e errado”, justifica a diretora.
Até porque cada geração lida com suas próprias novidades. Em Mate-me, a trilha sonora oficial dos adolescentes é o funk, a tecnologia (computadores e celulares) é um meio para validar as sensações antes mesmo de senti-las e os cultos evangélicos próprios para jovens atraem não só pelo apoio espiritual, mas por ter caráter de show e um forte apelo pop. De fora, tudo parece exagerado, mas do ponto de vista dos personagens nada poderia ser mais comum do que passar de um extremo de paixão a outro de ódio – coisa que a montagem do filme, com um ritmo particularmente lento que relativiza a radicalidade das ações, é capaz de transmitir.
Um dos filmes brasileiros selecionados para a mostra Horizontes, dedicada a novos talentos dentro do Festival de Cinema de Veneza, Mate-me, por favor é um primeiro filme de uma diretora jovem, mas tem DNA de autor, daquele que garante que uma história simples seja contada de maneira não só particular como necessária. Poucos filmes brasileiros conseguiram afirmar, como esse, que superar a adolescência não é tarefa para os fracos. Muitos pontos para ele – que, à espera de um fundo de distribuição cinematográfica, ainda não tem data definida de estreia no Brasil.
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