_
_
_
_
_

O verbo que quase afundou o acordo contra a mudança climática

França trocou “deverá” por “deveria” no capítulo que se refere às obrigações Objetivo era que os EUA pudessem assinar o pacto de Paris

O ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o presidente francês, François Hollande.Foto: atlas | Vídeo: EFE
Manuel Planelles

Tudo aconteceu já no final, quando todos davam por garantido que o primeiro acordo global contra a mudança climática seria assinado na capital francesa. O texto definitivo da proposta já estava pronto para que os 195 países presentes no plenário da Cúpula do Clima de Paris o aprovassem.

Mas, na última versão, que, inclusive, foi traduzida do inglês às distintas línguas oficiais na ONU, havia um problema. No artigo 4, que faz referência às obrigações de corte de emissões de gases do efeito estufa por parte dos signatários, aparecia o verbo "dever" ("shall", em inglês). Concretamente, se dizia: "As partes que são países desenvolvidos deverão seguir liderando os esforços e adotando metas absolutas de redução de emissões para o conjunto da economia". Também se estabelecia que cada signatário "deverá preparar, comunicar e manter" seus planos de diminuição de emissões de dióxido de carbono.

Mais informações
Países assinam em Paris histórico acordo contra a mudança climática
Quatro pontos para entender o acordo de Paris sobre as mudanças climáticas
Acordo marca “virada”, mas ONGs conclamam a não baixar vigilância
Obama, uma presidência marcada pela luta contra mudanças climáticas

Esta formulação, segundo indicam fontes das negociações, colocava os Estados Unidos em uma posição complicada. O grau de vinculação do acordo de Paris foi um dos pontos centrais dos debates durante a cúpula. O Governo americano, com uma posição frágil no Senado, fez desaparecer do pacto, por exemplo, a vinculação legal dos objetivos de cada país relacionados à redução das emissões. Isso não quer dizer que a administração de Barack Obama não queira atuar. Como outros 187 países, os EUA apresentaram, perante a ONU, um plano concreto de mitigação, no qual se compromete a diminuir suas emissões entre 26% e 28% em 2025. Mas os Estados Unidos temiam problemas futuros se no pacto aparecesse um objetivo concreto e pré-determinado por outros.

No sábado, dada a presença do verbo "dever" no texto, a presidência francesa decidiu modificá-lo: "As partes que são países desenvolvidos deveriam seguir liderando os esforços e adotando metas absolutas de redução de emissões para o conjunto da economia". "Deverão" (shall) foi substituído por "deveriam" (should). Esses dois verbos em inglês tinham estado entre colchetes nas minutas do texto elaborado durante os últimos dias, o que significava que não havia acordo. Segundo fontes da negociação, "em uma versão anterior aparecia should, mas houve um erro no último texto". "Isso já estava estipulado", acrescentaram.

A presidência da cúpula, que estava nas mãos da França por ser a anfitriã da reunião, justificou a mudança como um erro seu na hora de modelar o texto. Após dar breves explicações, o ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, perguntou se todos estavam de acordo com o pacto, que considerou como aprovado.

O único país que criou problemas foi a Nicarágua, que criticou a mudança e disse que não podia respaldar o texto final. Mas, ainda assim, o país, que se mostrou muito rígido durante as negociações, não boicotou o pacto. Só se manifestou contra depois da aprovação do acordo por parte da presidência da cúpula.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_