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O que espero da COP21

Paris deve proporcionar visão de longo prazo e enviar claro sinal aos mercados de que a transformação da economia rumo a um modelo de baixas emissões de carbono é inevitável

Ban Ki-moon, Barack Obama e François Hollande, ao fundo.
Ban Ki-moon, Barack Obama e François Hollande, ao fundo.Thierry Orban (Getty Images)

Durante os quase nove anos como Secretário-Geral, tenho percorrido o mundo até as linhas de frente da mudança climática e tenho conversado repetidamente com líderes mundiais, empresários e cidadãos sobre a necessidade de uma resposta mundial urgente. Por que esta questão me preocupa tanto?

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Em primeiro lugar, assim como qualquer avô, quero que meus netos desfrutem da beleza e da generosidade de um planeta saudável e, como qualquer ser humano, me dá pena comprovar que as inundações, as secas e os incêndios estão se agravando, que as nações insulares desaparecerão, e que inúmeras espécies serão extintas.

Como foi lembrado por Sua Santidade o Papa Francisco e por outros líderes religiosos, temos a responsabilidade moral de agir solidariamente com os pobres e os mais vulneráveis, que são os que menos fizeram para causar a mudança climática e, no entanto, serão os que sofrerão em primeiro lugar e sentirão seus efeitos mais intensamente.

O aquecimento global não tem passaporte; as emissões em qualquer lugar contribuem para o problema em todos os lugares

Em segundo lugar, em minha condição de responsável pelas Nações Unidas, tenho dado prioridade à mudança climática porque nenhum país pode enfrentar este desafio sozinho. A mudança climática não tem passaporte; as emissões de carbono em qualquer lugar contribuem para o problema em todos os lugares. Constitui uma ameaça para a vida e meios de subsistência em todo o mundo. A estabilidade econômica e a segurança das nações estão ameaçadas. Apenas através das Nações Unidas poderemos responder coletivamente a esta questão mundial por excelência.

O processo de negociação tem sido lento e complicado, mas estamos vendo resultados. Em resposta ao apelo das Nações Unidas, mais de 166 países, que juntos representam mais de 90% das emissões, já apresentaram planos nacionais sobre o clima nos quais estabeleceram metas. Se implementados com sucesso, esses planos nacionais reduzirão a curva de emissões para um aumento estimado da temperatura global de cerca de 3 graus Celsius até o final do século.

Trata-se de um progresso significativo, mas ainda não é suficiente. O desafio agora é ir muito mais longe e mais rápido para reduzir as emissões globais, e assim manter o aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius. Ao mesmo tempo, devemos apoiar os países na adaptação às consequências inevitáveis que já enfrentamos.

Quanto mais cedo agirmos, maiores serão os benefícios para todos: uma maior estabilidade e segurança; um maior e mais sustentável crescimento econômico; uma maior resistência a choques; ar e água mais limpos; uma melhora da saúde.

A cúpula de Paris não é o ponto final. Deve marcar o piso, não o teto de nossas ambições

Não conseguiremos isso de um dia para o outro. A conferência sobre a mudança climática em Paris não é o ponto final. Deve marcar o piso, não o teto de nossas ambições. Deve ser o ponto da virada para um futuro de baixas emissões de carbono e resistente às alterações climáticas.

Em todo o mundo, a ação contra a mudança climática está ganhando força. Cidades, empresas e investidores, líderes religiosos e cidadãos estão agindo para reduzir as emissões e aumentar a resiliência. Agora cabe aos Governos a responsabilidade de alcançar um acordo significativo e vinculante em Paris, que estabeleça regras claras de conduta para fortalecer as ambições mundiais. Para conseguir isso, os negociadores precisam de orientações a partir do topo.

Acredito que isso está a caminho. O líderes do G-20, que se reuniram este mês em Antália (Turquia), deram sinais de um firme compromisso com a luta contra a mudança climática. Mais de 120 chefes de Estado e de Governo confirmaram que estarão em Paris, apesar das crescentes preocupações com segurança após os ataques terroristas.

Acredito que há quatro elementos essenciais para que a cúpula do clima de Paris seja um sucesso: durabilidade, flexibilidade, solidariedade e credibilidade. Comecemos pela durabilidade. Paris deve proporcionar uma visão de longo prazo compatível com uma trajetória de aumento da temperatura inferior a 2 graus e enviar um sinal claro aos mercados de que a transformação da economia mundial rumo um modelo de baixas emissões de carbono é inevitável, benéfico e está em curso.

Em segundo lugar, o acordo deve proporcionar flexibilidade para que não precise ser renegociado continuamente. Deve ser adaptável às mudanças na economia mundial e alcançar um equilíbrio entre a liderança exercida pelos países desenvolvidos e as crescentes responsabilidades dos países em desenvolvimento.

O acordo deve incluir ciclos quinquenais periódicos para que os Governos avaliem e reforcem seus planos nacionais

Em terceiro lugar, o acordo deve demonstrar solidariedade, especialmente através de financiamento e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos devem manter seu compromisso de fornecer 100 bilhões de dólares por ano a partir de 2020, tanto para adaptação quanto para mitigação.

Em quarto lugar, o acordo deve demonstrar credibilidade na resposta aos impactos das mudanças climáticas, que estão crescendo rapidamente. Deve incluir ciclos quinquenais periódicos para que os Governos avaliem e reforcem seus planos climáticos nacionais em conformidade com o que a ciência exige. Paris também deve incluir mecanismos sólidos e transparentes para medir e monitorar os avanços e a apresentação de relatórios sobre o assunto.

A ONU está totalmente preparada para apoiar os países na implementação de um acordo desse tipo. Um acordo climático significativo em Paris servirá para construir um presente e um futuro melhores. Isso nos ajudará a acabar com a pobreza; a limpar e a proteger nossos oceanos; melhorar a saúde pública; criar novos empregos e catalisar as inovações ecológicas. Também vai acelerar os avanços para o cumprimento de todas as Metas do Desenvolvimento Sustentável. Por isso me importo tanto com a mudança climática.

Minha mensagem para os líderes mundiais é muito clara: o sucesso em Paris depende de vocês. Chegou a hora do senso comum, do compromisso e do consenso. É hora de olhar para além dos horizontes nacionais e colocar em primeiro lugar o interesse comum. A população mundial — e as gerações futuras — acredita que vocês terão a visão e a coragem de aproveitar este momento histórico.

Ban Ki-moon é secretário-geral das Nações Unidas

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