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Coluna
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O enigma ainda sem decifrar da única coisa que Jesus escreveu na vida

A única certeza é que Jesus, com sua provocação escrita ou desenhada no pó, salvou uma mulher adúltera da morte

Juan Arias

Passaram-se mais de 2.000 anos e continua a curiosidade sobre a única coisa que Jesus escreveu em sua vida. Sempre houve não só crentes, mas também escritores e artistas agnósticos, que não se conformaram com o fato de os apóstolos não terem nos transmitido as únicas palavras escritas pelo profeta de Nazaré. O escritor argentino Jorge Luis Borges, já quase cego, afirmou numa conferência à qual pude assistir em Veneza, perto do Natal, que nenhum personagem ao longo da história foi tema de tantos escritos como Jesus, sobre quem mal sabemos se realmente existiu. “Existem bibliotecas inteiras a respeito dele”, comentou o poeta dos espelhos.

Apesar desses milhões de obras, ninguém foi, entretanto, capaz de decifrar o que o profeta judeu escreveu com o dedo na poeira. O texto do evangelista João conta que Jesus estava ensinando, sentando no chão do templo, quando um grupo de homens chegou arrastando até seus pés uma mulher adúltera, que, “segundo a lei de Moisés, deveria morrer apedrejada”. Jesus, sem responder aos acusadores, “inclinando-se, se pôs a escrever com o dedo na terra”. Depois, dirigindo-se aos que insistiam em apedrejar a adúltera, lhes disse: “Quem dentre vós não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. E diz o texto que Jesus “continuou escrevendo no chão”.

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Estive, quando jovem, com o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, comunista, ateu e anticlerical, que era também poeta e semiótico. Foi durante um congresso sobre literatura, em Assis, a linda cidade medieval de são Francisco. O cineasta estava sentado ao meu lado. Quando viu no programa que eu falaria sobre “o Jesus escritor”, com seu gracejo delicado me disse: “Mas se Jesus não sabia ler nem escrever!”.

Encerrado o seminário, onde eu comentei a cena do Evangelho de João em que Jesus aparece pela primeira vez escrevendo com o dedo no chão, Pasolini, enquanto almoçávamos, me perguntou por que eu não tinha falado sobre o que Jesus escrevera. Quando lhe expliquei que nunca, em nenhum manuscrito antigo, nem nos evangelhos canônicos nem nos apócrifos, aparece o conteúdo do que Jesus escreveu na terra, ele se inflamou e disse: “Que loucos os apóstolos, que não nos transmitiram aquelas palavras!”.

Intrigado Pasolini com aquela passagem da adúltera, prometeu permanecer em Assis por alguns dias para reler com calma os evangelhos. Ao terminar de ler o de Mateus, o primeiro dos sinóticos, não quis esperar mais e começou a rodar seu filme O Evangelho Segundo São Mateus, no qual escolheu sua mãe, uma crente, para o papel de Maria, a mãe de Jesus.

Ainda se continua a discutir esse enigma nunca decifrado do que teria Jesus escrito com seu dedo sobre a terra – escrito ou desenhado, já que a palavra grega graphein pode significar ambas as coisas, o que confere um mistério ainda maior àquela passagem. Dele, a única certeza é que Jesus, com sua provocação escrita ou desenhada no pó, salvou uma mulher adúltera da morte.

Hoje está em carne viva a discussão sobre o respeito às diferenças e às minorias, assim como sobre o moderno “olho por olho, dente por dente” da antiga intransigência farisaica. Talvez neste Natal, quando a insensibilidade moderna abandonou a figura de Jesus para render culto ao deus do consumismo, poderia ser um bom exercício nos perguntarmos, como Pasolini, o que teria escrito o profeta judeu para afugentar, “começando pelos mais velhos”, os acusadores da mulher adúltera.

Uma coisa é certa: aquela provocação de Jesus, “quem dentre vós estiver limpo que atire a primeira pedra”, dirigida aos homens que queriam apedrejar a mulher, não foi emudecida e continua ecoando, através dos séculos, como um toque de atenção às nossas consciências de aprendizes de inquisidores.

Aquele Jesus que salvou a adúltera desnudando a hipocrisia de seus acusadores foi o mesmo que em sua vida se deu mal com quem se gabava da própria inocência. “Não sou como esse publicano, ladrão, injusto, adúltero”, jactava-se o fariseu do templo. A esses falsos justos Jesus chegou a chamar de “sepulcros caiados”. Dizia-lhes: “exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade”.

Jesus, o consolador dos desprezados pela sociedade bem posta, sabia também usar sua ira contra os que se arvoravam em juízes implacáveis do próximo. Furioso, por exemplo, com a exploração capitalista dos devotos pobres que peregrinavam ao templo de Jerusalém para fazer suas oferendas, deixou de pernas para o ar as mesas dos mercadores que exploravam sua devoção: “Não podeis converter a casa de meu Pai em um covil de ladrões”.

Hoje, estamos todos necessitados é de compreensão, diálogo e respeito sobre o que nos une e nos diferencia, que é sempre mais do que aquilo que nos separa, porque, como dizem os astrônomos, “somos todos feitos da mesma poeira das estrelas”. Somos todos mergulhadores da felicidade. Não existem em nosso planeta anjos e demônios em estado puro. Somos todos metade de cada coisa. Melhor juntar o positivo de cada um.

FELIZ NATAL, portanto, a todos os meus leitores, sem excluir os mais críticos desta coluna. Feliz Natal de pausa nas brigas, que estas festas são uma época de abraço e de concórdia. E uma lembrança especial aos que passarão o Natal na solidão e no esquecimento. Aos que a crise obrigará a passá-lo no desamparo da rua, sem um teto que os acolha.

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