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Islamofobia, o preço do medo nos EUA

Republicanos caem nos braços do extremismo e pedem que muçulmanos sejam fichados

Yolanda Monge
Muçulmanos rezam em uma mesquita.
Muçulmanos rezam em uma mesquita.DOMINIQUE FAGET (AFP)

Os Estados Unidos vivem dias de histeria, medo do estrangeiro e pânico de que os vindos de fora possam impor o terror dentro das suas fronteiras. Pouco ou nada importam os dados que apontam que nenhum dos 750.000 refugiados que se estabelecerem nos EUA dede os ataques de 11 de setembro de 2001 foi detido até hoje por suspeita de envolvimento com o terrorismo doméstico, como observou nesta semana o deputado californiano Xavier Becerra, citando a revista The Economist.

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Os ataques de Paris fizeram aflorar o medo e a ignorância. O prefeito de Roanoke, pequena localidade no Estado da Virgínia, sugeriu na semana passada que os refugiados sírios sejam recolhidos a campos de internação, assim como aconteceu com os cidadãos norte-americanos de ascendência japonesa depois do ataque a Pearl Harbor (1941). Esse prefeito, chamado David Bowers, deve ter achado que bastaria recorrer à história e mencionar o presidente Franklin D. Roosevelt para que sua proposta ganhasse legitimidade. Movido pela premência em tomar medidas contra a barbárie, Bowers falou sem antes fazer nenhuma verificação, o que o levou posteriormente a pedir desculpas por seus comentários.

“O presidente Roosevelt se viu obrigado a encerrar a cidadãos japoneses depois do bombardeio de Pearl Harbor, e agora parece que a ameaça contra a América por parte do Estado Islâmico é tão real e séria como foi a dos nossos inimigos naquela época”, disse o prefeito. Na verdade, Roosevelt deteve não cidadãos japoneses, e sim norte-americanos cujo único crime era terem tido antepassados japoneses. O Governo dos EUA pediu perdão por isso em 1988, afirmando que a prática havia sido motivada por “preconceitos racistas, pela histeria da guerra e por uma falha da liderança política”.

A detenção de nipo-americanos por Roosevelt foi motivada 'por preconceitos racistas, pela histeria da guerra e por uma falha da liderança política'

E, no entanto, vários aspirantes a liderar os Estados Unidos parecem ansiosos por repetir esses erros do passado. Marco Rubio já comparou os muçulmanos aos nazistas. Ted Cruz e Jeb Bush querem proibir a entrada no país de refugiados sírios – mas só dos muçulmanos, já que os cristãos teriam portas abertas. Ben Carson, líder nas pesquisas, chegou a comparar os refugiados sírios a “cães raivosos”, e todos sabem que final aguarda estes últimos. Chris Christie, para citar outro exemplo de histeria norte-americana, chegou a dizer que “nem mesmo os órfãos menores de cinco anos deveriam ser admitidos nos Estados Unidos”.

E finalmente há Donald Trump, que merece um comentário à parte, porque sua proposta é pura e simplesmente um apelo ao renascimento do fascismo que arrasou a Europa. O magnata multimilionário, que diz ter soluções expressas para praticamente qualquer assunto que for debatido, disse na quinta-feira passada que seria necessário criar um cadastro nacional de muçulmanos, algo que não se afasta muito da estrela amarela com a qual os nazistas marcavam os judeus.

Como exemplo prático de uma reação de urgência ao pânico instaurado pelos atentados de Paris, a Câmara de Deputados aprovou nesta semana um projeto de lei que freia os planos do presidente Barack Obama para dar proteção a 10.000 refugiados sírios. “Não podemos deixar nenhum deles entrar enquanto não estivermos 100% seguros de que eles não representam um perigo para a pátria”, afirmou o presidente da Câmara, Paul Ryan.

O magnata Donald Trump propõe criar um cadastro nacional de muçulmanos para confrontar o terrorismo islâmico

Uma semana depois de os terroristas do EI matarem 130 pessoas em vários ataques em Paris, a comunidade muçulmana nos Estados Unidos se viu obrigada, como já ocorrera após o 11 de Setembro, a se colocar na defensiva. Ela não só precisa argumentar em prol da sua fé, recordando que o islamismo é uma religião de paz, como também enfrenta ataques físicos. A profanação com fezes de uma mesquita no Texas e as páginas arrancadas de um Corão; outra mesquita vandalizada em Nebraska; ataques verbais e nas redes sociais contra locais religiosos em Tampa e em Houston… “Temo que, infelizmente, estejamos assistindo a uma corrente generalizada de islamofobia”, diz Ibrahim Hooper, diretor nacional de comunicação do CAIR (Conselho de Relações Islâmico-Americanas, na sigla em inglês).

Em seu livro American Hysteria (histeria americana), o jornalista Andrew Burt, hoje pesquisador visitante da Escola de Direito de Yale, sustenta que a histeria política surge em períodos de profunda incerteza sobre a identidade norte-americana. “Quando os norte-americanos perdem o sentido de quem são, agridem aqueles que são percebidos como ameaças, criando listas negras, bodes expiatórios, conspirações ou acobertamentos”, escreve Burt no prólogo de um volume que revê momentos cruciais do extremismo político nos EUA, tais quais o macarthismo dos anos 1950.

Burt conclui as páginas de seu livro citando o terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson: “A melhor maneira de proteger as liberdades que tanto amamos é deixando-as intactas – não só em tempos de normalidade, mas também em períodos de crise”. Do contrário, paga-se o preço do medo, cuja moeda os Estados Unidos tão bem conheceram na última década, seja invadindo o Iraque sob mentiras ou violando os direitos de centenas de prisioneiros sequestrados na base naval de Guantánamo, encravada em território cubano.

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