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Estado Islâmico lança jihad global após ser atacado em seus feudos

ISIS ataca os países que bombardeiam seus bastiões enquanto perde posições

Juan Carlos Sanz
Fonte: Agências e elaboração própria.
Fonte: Agências e elaboração própria.

Quando os jihadistas do Estado Islâmico (ISIS, ISIL ou Daesh) conquistaram a cidade de Mossul, a terceira maior do Iraque, em junho de 2014, proclamaram um califado islâmico que se estendia do norte iraquiano ao vale do Eufrates na vizinha Síria. Foi a primeira entidade paraestatal do islamismo radical desde a queda do Talibã no Afeganistão após os atentados do 11 de Setembro. Diferentemente da Al Qaeda, que nunca contou com um território próprio e manteve como objetivo atacar o ocidente e os países islâmicos que colaboravam com os “cruzados”, o ISIS se consolidou sobre o terreno em um território no qual impôs a sharia, cobrou impostos, organizou a vida civil cotidiana segundo suas regras e recriou para milhares de radicais o sonho de um califado em expansão, como nos primeiros tempos do Islã, há 11 séculos.

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Os ataques do ISIS em Paris, que estão entre os mais sangrentos e ousados do jihadismo, dirigiram-se precisamente contra um dos países que bombardeava suas posições e suas bases. A onda de atentados da capital francesa coincidiu além com uma das maiores derrotas do califado no norte do Iraque, depois de mais de um ano de vitórias ininterruptas. O ISIS empreendeu uma jihad global, na esteira a antiga estratégia da Al Qaeda, que parece responder a uma reação defensiva diante da perseguição e do confinamento que começa a sofrer em seus próprios bastiões, apesar de contar com “províncias” como a Líbia, o Sinai e o Magreb. Só neste ano, o ISIS causou mais de 800 mortes fora da Síria e do Iraque em ações terroristas cada vez mais sangrentas.

Javier Martín, autor de Estado Islámico. Geopolítica del Caos (Estado Islâmico. Geopolítica do Caos, ed. La Catarata, 2015), acredita que “existe uma relação evidente entre os bombardeios da coalizão [liderada pelos Estados Unidos, e em que participa a França] e os atentados de Paris”. “Mas o objetivo do ISIS não é o Ocidente por definição; o principal continua sendo consolidar e ampliar o califado nas terras da antiga Mesopotâmia”, define.

“Assistimos ao nascimento de um califado islâmico territorial, em que o líder do ISIS se ergue como chefe religioso em uma região do planeta”, reconhecia no ano passado ao EL PAÍS – pouco depois da proclamação efetuada em Mossul por Abubaker al Bagdadi – Olivier Roy, cientista político francês especialista em Islã. “Os notáveis e os membros das tribos sunitas precisam dos jihadistas locais e estrangeiros para lutar contra os xiitas, no Iraque, ou os alauítas na Síria”, segundo o diretor do programa para o Mediterrâneo no Instituto Universitário Europeu de Florença.

Quase ninguém notou que, no mesmo dia do massacre de Paris, o Estado Islâmico tinha perdido para as tropas curdas do Iraque a cidade de Sinjar, um ponto estratégico em suas rotas comerciais, de abastecimento e de recrutamento de estrangeiros, diz Martín. Trata-se de um dos retrocessos militares mais importantes do ISIS em mais de um ano de avanços triunfais. “Mas, graças a sua propaganda, ficou ofuscada pela ‘vitória de Paris’ aos olhos dos seguidores”, argumenta o jornalista espanhol especializado em Oriente Médio, que considera neste momento “muito possível” que outros países envolvidos ou que se envolvam na coalizão contra o Estado Islâmico “sofram atentados se os bombardeios prosseguirem”.

Mas enquanto os atentados do mês de janeiro contra o semanário satírico Charlie Hebdo, em uma clara agressão à liberdade de imprensa das sociedades ocidentais, e o supermercado judeu de Paris foram obra de “lobos solitários” que agiram isolados e aparentemente descoordenados, a série de ataques registrados agora na capital francesa estava perfeitamente “coreografada”, segundo os especialistas, como os atentados islâmicos radicais de 2008 em Mumbai.

Em pouco mais de um mês, entre 10 de outubro e 13 de novembro, atacou duramente os países que participaram ativamente em bombardeios e operações contra suas tropas no Iraque e na Síria. Paris (130 mortos). Beirut (43) em um bairro xiita de estilo de vida ocidental mas que apoia o Hezbolá, que combate os jihadistas nas fileiras do regime sírio. Península do Sinai (224), todos os ocupantes do Airbus russo que caiu quando transportava turistas de Sharm el Sheikh para São Petersburgo. A Rússia intervém diretamente na guerra síria ao lado de Bashar al Assad. Ancara (100 mortos), dois atentados suicidas semearam o terror em um comício em plena campanha eleitoral turca.

São, sem dúvida, respostas do ISIS a países ou grupos que lutam contra o califado. Com exceção da Tunísia, país pioneiro da “primavera árabe” e o único em que parecem ter-se consolidado as reformas democráticas. Javier Martín, que é correspondente da agência EFE na capital tunisiana – depois de trabalhar no Cairo, Teerã e Jerusalém –, considera que os atentados contra o museu do Bardo, em março, e na localidade costeira de Susa, em junho, “responderam a um entorno local, aos objetivos e às necessidades de combate dos grupos jihadistas na Líbia e na Tunísia”. Sustenta que ambos foram planejados e executados por grupos com financiamento e recursos próprios para afetar o turismo em pleno processo de transição. A tomada de reféns na sexta-feira em Bamako, que terminou com 27 mortos, também se inscreve nessa perspectiva local, além de não se ter comprovado a lealdade dos comandos que atuaram na capital do Mali ao ISIS.

Em caráter local

Todos esses ataques e atentados devem ser considerados, em última instância, como “uma forma de autodefesa e uma sangrenta campanha de propaganda do ISIS”, segundo o autor de El Estado Islámico. Geopolítica del Caos. Assim, o duplo atentado suicida no Líbano que precedeu a onda de ataques em Paris contém “um evidente componente religioso” contra a comunidade xiita. Quanto ao Airbus 321, acredita que se trata de “um recado para a Rússia”, embora também possa responder a interesses locais, como na Tunísia, com o objetivo de “prejudicar o Governo egípcio mediante o colapso do turismo”. Os objetivos são cuidadosamente preparados e escolhidos e têm uma dupla mensagem, segundo Martín: “Um para consumo externo: cada inimigo receberá seu castigo onde for mais doloroso. E outro de consumo interno: embora o califado sofra derrotas, é forte o bastante para acolher os seus seguidores”.

Em um artigo publicado nesta semana no The New York Times, Olivier Roy ressalta que o Estado Islâmico não é o principal inimigo do regime de Bashar al Assad nem da Rússia, que combatem fundamentalmente outros grupos rebeldes; nem da Turquia, concentrada em sua luta contra as tropas curdas sírias e turcas; nem dos curdos, que se movem dentro de suas fronteiras étnicas; nem dos sauditas, com quem compartilha uma visão rigorosa do Islã; nem dos iranianos, que desejam conter o ISIS sem que deixe de ameaçar ao mesmo tempo outros grupos sunitas. Até Israel parece satisfeito que grupos árabes e islâmicos briguem entre si, enquanto o conflito palestino cai no esquecimento. Ninguém parece ter a intenção de derrotar um ISIS que já alcançou seus limites territoriais em território sunita. “Estagnado no Oriente Médio, volta-se agora para o terrorismo globalizado (…) Os atentados de Sharm el Sheikh, de Beirute, de Paris, têm o mesmo objetivo: manter vivo o terror”, conclui o autor de El Islam Mundializado (O Islã Globalizado).

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