O ‘pote de ouro’ por trás do lixo
Como os restos de comida de restaurantes retornam à mesa em forma de adubo
Do alto do telhado de um grande hotel em São Paulo, Fernanda Danelon explica que a cozinha do restaurante que fica no piso térreo daquele prédio utiliza alimentos que foram plantados ali na cobertura. E que aqueles alimentos foram adubados com os restos da comida que vieram da mesma cozinha. É assim como o Eau French Grill desse hotel, o Grand Hyatt, e outros 12 estabelecimentos em São Paulo fazem esse ciclo completo do alimento: do prato ao prato.
Com esse lema, Fernanda, jornalista por formação, criou o Instituto Guandu, cujo objetivo é pensar em soluções sustentáveis para o problema do lixo. "Cada brasileiro produz um quilo de lixo orgânico por dia", diz Fernanda. "Notei que era preciso fazer alguma coisa com isso". Em 2012, ela decidiu colocar em prática sua ideia, e transformar o lixo orgânico dos restaurantes da cidade em adubo para devolvê-lo aos estabelecimentos, transformando-o em comida novamente.
Hoje, Fernanda coleta mais de 500 quilos de lixo por dia. São restos de comida, cascas de legumes e ovos, sementes, verduras, temperos que não foram utilizados. Todo esse lixo é tratado em máquinas com leveduras e enzimas capazes de acelerar a decomposição. "O resíduo de restaurante é o pior resíduo que existe, depois do lixo tóxico", diz. "É muito difícil de tratar, porque são ossos, gordura, diversos dejetos". Por isso, uma composteira no estilo das domésticas demoraria tempo demais para decompor todo o lixo recolhido.
As composteiras domésticas – feitas, basicamente de minhocas e terra – podem demorar mais de um mês para decompor o lixo e começar a produzir adubo. O ritmo da cozinha industrial requer mais agilidade e tecnologias que não se limitem apenas às minhocas. "O lixo, no futuro, será alta tecnologia", diz. Para tratar dos resíduos dos restaurantes, o lixo é levado para um terreno que abriga uma espécie de lixeira imensa, contendo as leveduras e bactérias. Depois da decomposição, o que sobra é um rico substrato, que volta para os restaurantes adubarem suas hortas. "E assim, o ciclo se completa", conta Fernanda.
Pensando nesse ciclo, a Prefeitura de São Paulo desenvolveu no ano passado o Composta São Paulo para aplicar essa prática com o lixo doméstico. O projeto piloto distribuiu para 2.000 famílias, de diversas faixas de renda e diferentes regiões da cidade, composteiras que funcionam com minhocas. Os números mais recentes informam que mais de 250 toneladas de lixo orgânico foram decompostos até agora.
Fernanda afirma que, além da redução do lixo descartado, outros resultados foram registrados. "78% dos participantes mudaram seus hábitos alimentares e passaram a consumir mais frutas e verduras", conta. "Além disso, muitos começaram a plantar em casa, para poder dar destino ao adubo produzido".
Da horta que o hotel Grand Hyatt cultiva, saíram a capuchinha (uma espécie de flor comestível) e a ora-pro-nóbis (uma folha pequena e macia), que estão no cardápio do restaurante. No prato, um ovo orgânico a 65º C (técnica usada para o ovo perfeito, segundo os chefes de cozinha) com molho de vinho tinto, espinafre, cogumelos, pancetta, preparado pelo chef Thierry Buffeteau utilizando a capuchinha e ora-pro-nóbis retirados da horta. Do prato saiu, ao prato voltou.
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