_
_
_
_
_

A ‘magia’ de Elizabeth Gilbert

A autora de ‘Comer, Rezar, Amar’ volta com um tratado otimista sobre a criatividade

Elizabeth Gilbert, em um evento recente.
Elizabeth Gilbert, em um evento recente.

Não é qualquer autor de um best seller com mais de 10 milhões de exemplares vendidos sob o seu nome que consegue se livrar do peso do sucesso. Comer, Rezar, Amar, de Elizabeth Gilbert foi, mais que um livro, um fenômeno cultural e social que inspirou muita gente a seguir seus passos e tentar reinventar suas vidas. Uma década depois, a escritora retorna com Grande Magia: Vida Criativa Sem Medo (editora Objetiva, tradução de Renata Telles), uma obra a meio caminho entre um tratado sobre a criatividade e um texto de autoajuda que convida seus leitores a descobrirem a vida que os espera do outro lado do medo, abordando a arte de criar com uma dose de otimismo tão incomum quanto radical.

“Não é uma questão de coragem ou de autoestima. Parece que não entendemos isso no dia em que nos disseram que podíamos”, diz Gilbert em entrevista ao EL PAÍS. A escritora norte-americana, atualmente envolvida numa turnê de divulgação no seu país, defende aos seus fãs, principalmente mulheres, que “qualquer um pode viver uma vida em que a curiosidade prepondere”. Se Comer, Rezar, Amar foi a narração em primeira pessoa de quem embarcou numa viagem por meio mundo e deixou para trás um doloroso divórcio e uma depressão, Grande Magia contém a coleção de princípios e práticas de Gilbert para permitir que a criatividade guie seus passos.

Mais informações
Oprah Winfrey, agora uma especialista em auto-ajuda
Cartas de Mario de Andrade a Anita Malfatti, Drumond, Portinari...
Criatividade e psicose têm raízes genéticas comuns
Por que as mentes mais brilhantes precisam de solidão
O cansaço mental

A escritora não fala unicamente de uma vida “dedicada profissional ou exclusivamente à arte”, mas sim de como deixar que a curiosidade nos guie em vez de nos rendermos ao medo ou entrarmos em pânico. Gilbert, que já abordou esta temática em uma bem-sucedida palestra no Ted Talks, escreve que a razão pela qual conhece “intimamente” o medo é ter sido “uma pessoa medrosa a minha vida inteira”. Uma vez superados os temores – desde os infantis até a crise pessoal após seu divórcio –, Gilbert afirma que o antídoto para o medo é a curiosidade. Sua avalanche de otimismo, enfeitada com a dose de humor de quem fala por experiência própria, servirá de mantra para muitos leitores. “Quando você faz isso, sua vida, dia após dia, se expande e se torna mais interessante”; “se você passa o dia defendendo suas limitações, ganhou o direito de conservá-las”; “é muito provável, que se você não estiver criando, estará destruindo algo neste instante”; “seu medo é a parte mais chata de você”.

A autora pergunta ao leitor de Grande Magia se “tiver a coragem de descobrir os tesouros que há escondidos em você”, e garante que sua vida mudou não só por causa do sucesso de Comer, Rezar, Amar – que virou filme com Julia Roberts como protagonista –, e sim porque todos os dias ela se faz essa mesma pergunta. Àquele livro se seguiu Comprometida, um ensaio no qual explorou em primeira pessoa as diferentes experiências culturais do compromisso e do casamento. E há um ano A Assinatura de Todas as Coisas voltou a colocar Gilbert entre as assinaturas mais valorizadas dos Estados Unidos.

Hoje a escritora lidera também uma comunidade de mais de 1,5 milhão de pessoas que, pelas redes sociais, recebem sua dose diária de inspiração. Gilbert se corresponde com mulheres de todo o mundo, como as que nos últimos dias vão a suas sessões de autógrafos. “Nunca teria escrito este livro sem minha experiência dos últimos anos no Facebook”, afirma.

Depois de muitas dúvidas sobre se as redes sociais tragariam seu tempo, Gilbert contou que, ao preparar a apresentação de A Assinatura de Todas as Coisas – que será adaptada para a televisão pelos criadores de Downton Abbey –, sentiu que o romance precisaria ser “traduzido” para seus seguidores. A obra de ficção, com uma poderosa personagem feminina no centro da trama, rompia com os moldes anteriores. Gilbert não abandonou Facebook desde então: “Quase toda manhã me levanto com a mesma pergunta: do que vamos falar hoje? E posso manter essa conversa com pessoas que vivem ao redor de todo o mundo e de uma maneira muito mais íntima que em qualquer outro lugar”.

Muitas dessas conversas giram em torno da mesma temática de Grande Magia, uma coleção de respostas de Gilbert para como viver uma vida plena, livre das pressões sociais, das inseguranças e de quaisquer obstáculos que cruzem o caminho do leitor. Nas palavras da autora, “esta não é uma obra para os que já estão criando, e sim para aqueles que querem e não podem, por medo”.

Criar com otimismo

A resposta parte da experiência de Gilbert, que pesquisou durante anos o que levou ao longo da história o sofrimento a ser aceito como parte da vida de um criador. “Temos um pequeno problema no mundo ocidental com o fetichismo que rodeia o sofrimento”, explica. "As pessoas acham que podem convencer os outros do valor de seu trabalho através de seus sacrifícios ou da sua dor, mas então qualquer tipo de prazer é suspeito”. A cruzada otimista de Gilbert parece querer acabar com essa ideia. Do capítulo de Grande Magia dedicado a isso até qualquer uma das suas palestras. “Se aliviarmos um pouco esta carga, poderemos trabalhar melhor e criar um melhor ambiente para fazer arte. Ser um mártir não é ser um artista”, afirma.

“Durante mais de uma década colecionei e estudei tratados, manifestos e ensaios sobre a criatividade”, contou ela no último fim de semana durante a apresentação de seu livro em Washington. “Mas agora sei por experiência própria como funciona, é algo que pesquisei a minha vida inteira.” O texto, entretanto, fica muito longe da rigidez acadêmica e soa muito mais próximo da experimentada e coloquial voz do Gilbert. A mesma que publica odes ao otimismo em sua página do Facebook e recomenda a seus seguidores como ter melhores relações pessoais e se lançar ao vazio para começar a escrever o livro com que sempre sonharam.

A escritora conta que o sucesso de Comer, Rezar, Amar lhe deu acesso ao seu lado mais feminino, e que ela então começou a se perguntar “o que é ser uma mulher na atualidade”. De repente, se viu “rodeada de uma irmandade de mulheres” que abraçaram seu trabalho. “Tendo em conta que 95% das pessoas que vêm aos meus eventos são mulheres, eu me sinto muito afortunada por confiarem em mim para liderar estas conversas”, afirma. “Um dos obstáculos que muitas mulheres encontram para deixar que a curiosidade as guie é a dificuldade de se permitirem isso. Para mim é uma bênção que o meu trabalho tenha se transformado em uma forma de levar esta mensagem.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_