O inimigo interno de Israel
País começa a tomar consciência da ameaça do terrorismo judaico
Após passar décadas desviando os olhos da violência cometida por colonos radicais judeus contra os palestinos da Cisjordânia, Israel começa a tomar consciência da presença de um inimigo interno que ameaça seu futuro como Estado democrático. O atentado incendiário da semana passada na aldeia de Duma, próxima a Nablus, que resultou na morte imediata de uma criança palestina de 18 meses, parece ter rompido a lei do silêncio que protegia o terrorismo judeu. O pai da criança morreu no sábado, em decorrência das queimaduras que sofreu em 80% do corpo.
O ataque abalou a sociedade israelense, que expressou sua rejeição à violência com enormes manifestações em Tel Aviv e outras cidades, forçando o Governo a uma contundente reação contra os radicais judeus. O ataque com faca contra vários participantes de uma parada gay em Jerusalém – uma das vítimas morreu – também motivou uma ampla condenação, apesar de ter sido uma ação isolada de um judeu ortodoxo.
Um dos primeiros a serem presos pelo Shin Bet (serviço de segurança interna) depois do assassinato da criança palestina foi o extremista Meir Ettinger, de 24 anos, líder dos colonos da região. Neto do rabino radical Meir Kahane, ele já havia passado um ano e meio detido por violar uma ordem de prisão domiciliar.
Muito mais radicalizado depois de deixar a prisão, em 2012, aderiu a uma seita judaica ultranacionalista num assentamento da Cisjordânia. O grupo propõe acabar com o Estado de Israel e substituí-lo por um reino teocrático, onde impere a halachá (lei religiosa judaica).
Ettinger e um grupo de colonos jovens, caracterizados por um traje informal a meio caminho entre o rastafári e o paramilitar, posteriormente formaram uma organização chamada A Revolta, que, segundo relatórios do Shin Bet obtidos pelo jornal Haaretz, pretende semear o caos com atentados terroristas como o de Duma, com o objetivo de derrubar os alicerces do Estado instituído por David Ben Gurion em 1948.
Esses colonos radicais, alguns dos quais mal completaram os 16 anos, procedem do movimento denominado É Preciso Pagar um Preço, surgido após a desocupação israelense da Faixa de Gaza, há 10 anos. Na época, 21 assentamentos judaicos em áreas palestinas foram fechados pelo Exército e seus 8.000 moradores foram retirados. Os seguidores desse movimento consideram que a população palestina, a minoria cristã e inclusive os soldados israelenses precisam sofrer represálias diante de cada retrocesso nos planos de expansão territorial dos colonos judeus.
Está surgindo um Estado de facto na Judeia [nome bíblico da Cisjordânia], onde se desenvolvem ideologias anarquistas e anti-Estado, ao mesmo tempo violentas e racistas, que são tratadas com tolerância pelos sistemas policial e judiciário de Israel”, observa o ex-chefe de segurança interior, que hoje apoia o líder trabalhista Isaac Herzog
Essas represálias extremistas geralmente se expressavam na forma de danos materiais –a Autoridade Palestina documentou mais de 110 ataques em 2015 –, até que o grupo A Revolta resolveu ultrapassar a linha vermelha que divide os delitos sectários das ações terroristas, passando a atentar diretamente contra mesquitas e igrejas e a atacar pessoas.
A polícia e o Exército de Israel frequentemente fazem vista grossa às ações violentas dos colonos contra os palestinos, como o apedrejamento de moradores ou a queima de lavouras, por considerar que a Justiça lhes imporia penas menores ou apenas multas. A decisão do Gabinete de Benjamim Netanyahu de submeter extremistas judeus à chamada detenção administrativa, que pode ser prorrogada de forma indefinida, sem a intervenção de advogados e juízes, representou uma reviravolta nessa situação. A medida de exceção até agora afetava quase exclusivamente os palestinos.
Yuval Diskin, que dirigiu o Shin Bet entre 2005 e 2011, considera que o surto de extremismo radical judaico entre os colonos da Cisjordânia não é um fenômeno limitado a “algumas dúzias de jovens frustrados que fracassaram nos seus estudos”, e sim que se estende como uma corrente de opinião dominante entre os setores nacionalistas religiosos de Israel. Diskin, que criticou abertamente a política de Netanyahu nos territórios palestinos ocupados, escreveu essas reflexões em sua página do Facebook, de onde foram recolhidas pelo site da agência israelense JTA. “Está surgindo um Estado de facto na Judeia [nome bíblico da Cisjordânia], onde se desenvolvem ideologias anarquistas e anti-Estado, ao mesmo tempo violentas e racistas, que são tratadas com tolerância pelos sistemas policial e judiciário de Israel”, observa o ex-chefe de segurança interior, que hoje apoia o líder trabalhista Isaac Herzog.
Essa opinião acabou sendo superada pela realidade. Benzi Gopstein, líder do movimento extremista judaico Lehava, manifestou na quinta-feira a seminaristas judaicos seu apoio à queima de igrejas.
“Devemos sufocar esse incêndio antes que nos atropele”, alertou o presidente de Israel, Reuven Rivlin, uma das vozes mais incisivas do país no combate à violência, em várias entrevistas concedidas nesta semana. Rivlin reconheceu que o Estado “escondeu a cabeça” diante dos extremistas judeus. O Shin Bet redobrou sua proteção ao chefe do Estado por causa de ameaças de morte feitas a ele após sua condenação ao terrorismo judaico.
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