_
_
_
_
MORTE SEM TABU

Vamos falar sobre a morte

Tema ainda é pouco debatido no Brasil, que entrou na onda dos 'Death Cafés' Nessas reuniões, o objetivo é falar sobre a morte com mais leveza e naturalidade

Bolo de um Death Café realizado em Cambridge, na Inglaterra.
Bolo de um Death Café realizado em Cambridge, na Inglaterra.

É verdade que muitas pessoas preferem não falar sobre a morte e se sentem mais confortáveis fazendo de conta que ela não existe. Também é verdade que outras tantas precisam conversar sobre ela, encará-la como algo concreto e então seguir vivendo. Se for um bate-papo acompanhado de bolo e café, melhor ainda.

Para os adeptos dessa postura, o Death Café promove “um jeito fácil de falar sobre coisas difíceis”, com o objetivo de “aumentar a consciência sobre a finitude e a ajudar as pessoas a aproveitarem melhor suas vidas (finitas)”. O formato propõe um encontro para um bate-papo livre e surgiu em 2011, a partir das ideias do sociólogo e antropólogo suíço Bernard Crettaz – o primeiro defensor famoso dos espaços para falar sobre o morrer e crítico ferrenho do que ele chama de “tyrannical secrecy” (sigilo tirânico). Pode ser organizado em qualquer lugar, e cada vez mais lugares o organizam.

Mais informações
Cemitérios para os vivos
Parque das Cerejeiras, em SP: beleza é a 'alma' do negócio
“Se você pretende morrer, o Brasil não é um lugar legal”, diz especialista em cuidados paliativos
José Luis, com câncer terminal: "Quero morrer, porque amo a vida"
Brittany Maynard, a jovem com câncer que planejou a própria morte
Eutanásia pode virar crime no Brasil, com pena de quatro anos de prisão
“Todo mundo já praticou eutanásia”
Onze razões pelas quais o México vive a morte como nenhum outro país
Seremos adubo, mas vai fazer sentido

Já aconteceram quase 2.000 Death Cafés – definidos pelos organizadores centrais como uma “franquia social” – em cidades do mundo inteiro, incluindo São Paulo. Aqui, a estreia do Death Café Sampa aconteceu em 2014 depois que a economista formada pela USP Elca Rubinstein, que viveu 18 anos em Washington trabalhando no Banco Mundial, participou em 2014 de sua primeira conversa organizada sobre a morte. “A experiência de viver em um país em que a longevidade e o envelhecimento foram assimilados me permitiu pensar mais sobre a morte. Não é o caso do Brasil, onde as pessoas ainda morrem jovens e não dá nem tempo de falar sobre o assunto”, diz Elca.

Segundo ela, que já organizou seis cafés paulistanos ao lado do psiquiatra Bernardo Gregorio, algumas pessoas preferem não revelar aos familiares que vão a um Death Café. “Elas inventam que vão passear, porque se contam o que de fato farão vão ser chamadas de malucas. Aqui, não temos espaço para falar de questões de morte nem dentro de casa”, conta. Ela acredita que a geração de brasileiros que nasceu nos anos 40 e 50 é a primeira a pensar na finitude: “Eles dizem: ‘Tenho 50, 60 anos e vou viver mais 20, 30. O que vai acontecer? Vou ter grana? Minha família vai cuidar de mim?'”. Nos cafés, fala-se sobre essas questões práticas e outras filosóficas. “As pessoas que frequentam não estão morrendo, não estão na crise. Querem simplesmente conversar a respeito”, garante a organizadora, que prepara mais um encontro paulistano, dia 22 de agosto, na pousada Ziláh.

Ainda que se proponha ser um papo solto e agradável que pode ser organizado por qualquer interessado – desde que não tenha vínculos com nenhuma instituição –, um Death Café implica respeito a algumas regras básicas: não pode ser uma atividade com fins lucrativos, ter tópicos pré-definidos, “vender ideias” e se apresentar como um espaço de terapia. Uma recomendação especial é que se sirva algo doce, como um bolo, para contribuir com o clima informal e facilitar a abordagem de um tema que não deixa de ser pesado.

Camila Appel, jornalista e dramaturga que mantém na Folha de S. Paulo um blog exclusivamente dedicado ao tema chamado Morte sem tabu, participou de um desses cafés. Em sua experiência, vários questionamentos surgiram e foram tratados com naturalidade, amparados por "depoimentos pessoais e reflexões que realmente não têm espaço no dia a dia”. "Isso me pareceu o grande triunfo do Death Cafe, deixar que a informalidade e a falta de agenda conduza estranhos a se abrirem e aprenderem com as experiências dos outros”, ela opina.

O impulso de Camila para criar um blog temático sobre a morte, coisa rara inclusive na superpovoada blogosfera, veio do próprio medo de morrer. “A ideia da morte já me assustava, e isso piorou depois que virei mãe. Pensei: ‘Vou me curar e ainda oferecer um serviço’”, conta. Segundo a jornalista, posts não faltam, porque “fala-se pouco sobre a própria indústria da morte” e, além disso, “a cada minuto tem uma notícia nova”. Uma dessas notícias que ela destaca é um serviço da NASA que lança cápsulas com restos mortais no espaço a cada seis meses. O serviço atende a um certo gosto extravagante, mas custa relativamente pouco: 7.000 dólares.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_