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A árdua batalha contra a redução da maioridade penal no Brasil

Avanço do projeto no Congresso aumentam os protestos contra a mudança na legislação Eduardo Cunha defende proposta que seria vontade da maioria da população

Representantes de movimentos sociais e de direitos humanos reunidos em SP.
Representantes de movimentos sociais e de direitos humanos reunidos em SP.Divulgação

À medida que o debate sobre a redução da maioridade penal avança na Congresso, as vozes contrárias a essa proposta se amplificam. Nesta segunda, o o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aproveitou o aniversário de 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente para apresentar um relatório que aponta avanços gerados pela legislação brasileira nas áreas de saúde, educação e combate ao trabalho infantil.

Apesar de o Brasil ter evoluído nessas áreas ao longo da vigência do ECA, permanece ainda o “grande desafio” de tentar reduzir os homicídios de crianças e adolescentes, que crescem a cada ano. De acordo com o Unicef, 28 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil (os dados vêm do Sistema Único de Saúde, o Datasus). Foram 5.000 casos no ano de 1990 e 10.500 em 2013. Se esse ritmo for mantido, serão 42.000 assassinatos de adolescentes de 2013 a 2019.

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Aproveitando o intenso debate ao redor do tema, a organização se manifestou contra a redução da maioridade penal no país, defendendo que não será uma política benéfica. A ideia é dedicar a energia para que o Estatuto funcione de fato, uma vez que a legislação é tida como referência mundial na proteção dos direitos de crianças e jovens brasileiros até os 17 anos. Porém, não é aplicada de forma adequada. É preciso "garantir que o que está na legislação seja aplicada no dia a dia”, afirmou o coordenador do Programa Cidadania do Adolescente do Unicef no Brasil, Mário Volpi. Gary Stahl, representante do fundo no Brasil, comemorou a criação do ECA, mas apontou que o desafio, daqui para frente, é fazer com que ele seja aplicado a todas as crianças e os adolescentes.

Os 25 anos do estatuto incentivaram também protestos em São Paulo. A Praça da Sé, no centro de São Paulo, foi palco de um ato público, convocado por entidades de direitos humanos e movimentos sociais e replicado em outras cidades do país. O objetivo era questionar a aprovação da proposta de emenda constitucional pela Câmara dos Deputados no último dia 2 e celebrar o ECA.

Os manifestantes começaram a se concentrar às 13h, no Vale do Anhangabaú, e marcharam pelo centro depois de acompanhar apresentações culturais, pintar cartazes e faixas com mensagens como “Redução tem classe e cor: 77% dos jovens assassinados no Brasil são negros” e “Todo jovem tem direito a praticar esporte, você sabia?" e ensaiar gritos de protesto. Na Praça da Sé, em um palco cuja estrutura foi fornecida pela Prefeitura de São Paulo, representantes dos vários movimentos se posicionaram contra a redução, capitaneados pela Frente Nacional contra a Redução da Maioridade Penal.

Participaram do ato o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Eduardo Suplicy, e a primeira-dama de São Paulo, Ana Estela Haddad. “Recomendamos aos deputados e senadores que digam não à diminuição da maioridade penal”, disse o secretário. O advogado Ariel de Castro Alves, que tem experiência à frente de diferentes organizações de Direitos Humanos, também presente, foi mais enfático: “Reduzir a maioridade penal é um golpe contra o ECA. É assinar um atestado de incompetência do que não pudemos fazer por nossos jovens. O que o Brasil quer é a ampliação dos direitos dos adolescentes, não a redução”.

Suplicy vem participando de diferentes ações relacionadas ao tema e inclusive acompanhando os passos da Frente Nacional contra a Redução, segundo contou um dos participantes da organização, Carlos Alberto Souza Júnior. “Estivemos em Brasília no dia 1, quando a PEC foi votada e não conseguiu a maioria. Saímos de São Paulo em quatro ônibus, com muita dificuldade de organizar a viagem. O secretário ficou conosco nos deu apoio até o final. Valeu a pena, ainda que no dia seguinte [Eduardo] Cunha tenha virado o jogo”, relata Carlos Alberto, que é membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Entre o público presente – que chegou a ser de 12.000 pessoas, segundo estimativas da organização do evento –, muitos eram jovens universitários. “Está certo, a juventude é alvo dessa discussão e tem que falar. O importante é que isso seja feito pacificamente, para que se esclareça que respondemos ódio com amor e não com mais ódio”, disse o conselheiro, que é também educador. Militantes estudantis de grupos como a União dos Estudantes Secundaristas e a União Nacional de Estudantes tocavam música e, reforçando as críticas ao tema que dominam as redes, exibiam placas com a hashtag “#anulaSTF”.

Viviane Godoy, mãe de quatro filhos, dos quais dois a acompanhavam (João, de 13 anos, e Arthur, de 4), foi ver de perto a movimentação. “Abraço causas que para mim são justas. E vejo as coisas a partir da periferia, que sofre porque não recebe investimento e não tem palavra na discussão. A redução é um golpe que querem aplicar na gente, ainda mais com o aumento das penitenciárias privadas no país. Querem prender mais gente para gerar mais lucro”, avaliou Godoy, que faz parte do coletivo Lute pela Água, em busca de soluções para a crise hídrica em São Paulo.

Ao final, parte dos manifestantes seguiu a pé em direção à Avenida Paulista, onde o encontro se dispersou. Mobilizações semelhantes, em defesa do ECA e contra a redução da maioridade penal, aconteceram também em Macapá, Salvador, Fortaleza, Belém, Curitiba e no Rio de Janeiro, entre outras cidades. A PEC será votada pela segunda vez na Câmara em agosto e, se obtiver de novo maioria entre os deputados, passará uma votação em dois turno no Senado antes de entrar em vigor – a menos que seja questionada, em algum momento, no Supremo Tribunal Federal.

Efeito Cunha

Um dos maiores defensores da mudança na legislação, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem trabalhado arduamente para obter o avanço do projeto. Durante a votação do dia 2, Cunha fez manobras consideradas polêmicas para ver o projeto que reduz de 18 para 16 a idade penal para crimes hediondos ser aprovada. O líder do PMDB tem repetido que continuará “lutando para que a vontade da maioria da população prevaleça”. A referencia é à pesquisa do Instituto Datafolha, que cita que 87% dos brasileiros são favoráveis à mudança.

Cunha tem aproveitado o período de baixa do Governo Dilma para se fortalecer como liderança política defendendo projetos ‘populares’. Nesta sexta, ele fará um pronunciamento em cadeia nacional para defender o trabalho da Câmara, inclusive a aprovação do projeto de redução da maioridade. Movimentos sociais se articulam para promover um ‘barulhaço’ para protestar durante a fala de Cunha, a exemplo do panelaço que houve contra a presidenta Dilma Rousseff no dia 8 de março. Até o momento, há 47.000 pessoas garantindo que farão barulho.

Não se sabe ao certo se as vozes contrárias à redução serão ouvidas num momento em que o debate sobre o tema está tão à flor da pele. Mas o assunto tem feito grandes lideranças, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, se posicionarem contra até mesmo do próprio partido, aliado a Cunha em prol da redução. Em artigo publicado no dia 5 em diversos jornais, inclusive no EL PAÍS, o ex-presidente argumentou que “espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas sim a extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes com a dignidade humana”.

Morte de jovens preocupa o Unicef

No dia em que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 25 anos, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apresentou um relatório que aponta avanços gerados pela legislação brasileira nas áreas de saúde, educação e combate ao trabalho infantil.

Apesar de o Brasil ter evoluído nessas áreas ao longo da vigência do ECA, permanece ainda o "grande desafio" de tentar reduzir os homicídios de crianças e adolescentes, que crescem a cada ano.

De acordo com o Unicef, 28 crianças e adolescentes são assassinados por dia no Brasil (os dados são do Sistema Único de Saúde, o Datasus). Foram 5.000 casos no ano de 1990 e 10.500 em 2013.  Se esse ritmo for mantido, serão 42.000 assassinatos de adolescentes de 2013 a 2019.

Aproveitando o intenso debate ao redor do tema, a organização se manifestou contra a redução da maioridade penal no país, defendendo que não será uma política benéfica. É preciso "garantir que o que está na legislação seja aplicada no dia a dia”, afirmou o coordenador do Programa Cidadania do Adolescente do Unicef no Brasil, Mário Volpi.

Gary Stahl, representante do fundo no Brasil, comemorou a criação do ECA, mas apontou que o desafio, daqui para frente, é fazer com que ele seja aplicado a todas as crianças e os adolescentes.

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