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“Despoluir os rios é irrenunciável, uma prioridade mundial”

Como o rio Segura, na Espanha, passou de esgoto a lugar de lazer

María Martín
Miguel Ángel Ródena, da Confederação Hidrográfica do rio Segura.
Miguel Ángel Ródena, da Confederação Hidrográfica do rio Segura.M. M.

“Qual é o rio sujo que passa por Múrcia?”. A pergunta aparece no Trivial Pursuit, um famoso jogo de tabuleiro na Espanha, e até pouco tempo atrás a resposta era inquestionável: o rio Segura. O rio espanhol, de 325 quilômetros de extensão, começou uma profunda transformação no ano 2000 e em dez anos passou a ser um exemplo de engenharia e de reuso de água no mundo.

Em São Paulo, a despoluição dos rios Tietê (cerca de 1.000 quilômetros) e Pinheiros (30 quilômetros), destino do esgoto urbano e efluentes industriais, é discutida há mais de duas décadas. Todas as tentativas fracassaram e hoje, em plena crise hídrica, são rios sem vida, poluídos e fedorentos, ainda que o Governo do Estado afirme que a revitalização, com o investimento e a tecnologia do setor privado, será possível em 30 anos.

O caso do rio Segura, por extensão, vazão e uso, não deve ser equiparado ao dos principais rios da enorme São Paulo, mas é um exemplo de como uma cidade passou de olhar para seu rio com o nariz tampado a mergulhar nele. O espanhol Miguel Ángel Ródenas foi um dos responsáveis pela limpeza daquelas águas compartilhadas por um milhão de pessoas em 40 municípios do sudeste espanhol. Hoje, presidente da Confederação Hidrográfica do rio Segura (dependente do Ministério de Agricultura e Meio Ambiente), Ródenas explica em São Paulo como foi feito o milagre.

Pergunta. Por que se decidiu pela limpeza do rio Segura?

Resposta. A situação era terrível na década dos 90. O rio atravessava a cidade [de Múrcia, 442.000 habitantes] e havia graves problemas de odores, houve até protestos de cidadãos que foram para Madri para pedir uma solução. O rio era um coletor de água residual, a sujeira não era perigosa, era sujeira orgânica, mas aquilo era esgoto a céu aberto. A partir de 95, quando entrei como diretor geral da água da região de Múrcia, o problema social era tão grave que ficou claro que isso devia ser uma prioridade.

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P. Como foi feito?

R. Foi um processo chamado de lamas ativadas que consiste em um arejamento da água. A água já tem uma depuração natural com um séria de bactérias que vão comendo a sujeira, e com esse processo nós aceleramos o que a natureza faz naturalmente. Essa água é decantada depois, a lama e a sujeira vão para o fundo e a água limpa fica acima. No caso do rio fizemos ainda um tratamento terciário, basicamente uma filtração e eliminação de agentes patogênicos intensa, porque queríamos usá-los de forma segura na agricultura.

P. Quanto custou? E como se conseguiu que fosse sustentável economicamente?

R. Este foi um dos maiores projetos de reuso de água do mundo, participaram mais de 100 empresas de engenharia e construção. Custou 650 milhões de euros (2,1 bilhões de reais) e 80% foram financiados por fundos da União Europeia. Para que fosse sustentável incluímos na conta de água uma taxa de depuração. Era um imposto regional que as companhias de água deveriam arrecadar e que não podia ser gasto em outro conceito que não fosse a depuração, pois a tentação de gastar esse dinheiro em outras coisas é grande. Aumentar impostos sempre gera uma tensão política e cidadã, mas a resposta foi muito suave, a necessidade de limpar o rio era aceita socialmente.

P. Em São Paulo se fala da despoluição dos rios há duas décadas, e na Espanha? Antes da execução houve outras tentativas falidas?

Uma estátua de uma mulher em um trampolim em uma ponte do rio Pinheiros. Batizada de "As Margens do Rio Pinheiros", a intervenção do artista plástico de Eduardo Srur alerta para a poluição.
Uma estátua de uma mulher em um trampolim em uma ponte do rio Pinheiros. Batizada de "As Margens do Rio Pinheiros", a intervenção do artista plástico de Eduardo Srur alerta para a poluição.Andre Penner (AP)

R. A história da depuração é muito difícil. Nos 60, na época do pós-guerra, já havia um plano nacional para a despoluição dos rios. Nos 70 e 80 houve outros planos, foram construídas muitas depuradoras, mas os projetos eram abandonados porque nunca se previu como fazer com que fossem sustentáveis economicamente. É um exemplo clássico, os políticos gostam de inaugurar coisas, mas o desafio é mantê-las funcionando. A entrada da Espanha na União Europeia, em 1985, foi um impulso, pois Bruxelas exige e financia desde 1991 que todos os municípios depurem sua água.

P. Como a despoluição mudou a vida dos cidadãos?

R. O rio se tornou um centro de atração. Há concursos de pesca, canoagem, há vida, as pessoas vão lá para passear, nadar... No mundo há muitos rios contaminados. O grande desafio atual é despoluir o Ganges [na Índia], mas há outros como o Matanza-Riachuelo, em Buenos Aires, ou o Tietê, em São Paulo. A limpeza dos rios é irrenunciável, é o futuro. Trata-se de uma prioridade mundial porque gera água e a limpa, transforma os rios em um corredor de vida.

P. O que o senhor pensou ao ver os rios de São Paulo?

R. Lembrei daquela época, mas é difícil dar conselhos porque não conheço com detalhes as razões da contaminação. No nosso caso conseguimos despoluir o rio com tratamentos biológicos, mas não sei se isso é possível aqui.

P. Qual é a importância de ter um rio limpo em uma cidade?

R. O rio é parte da identidade de uma cidade. Antes as pessoas fugiam do nosso rio, passavam tampando o nariz, e agora vão pescar ali. Passamos de um rio morto a ter nutras (uma espécie de capivara) e enguias, animais que precisam de água muito limpa. Ninguém bebe, mas a água que sai hoje das depuradoras e volta para o rio cumpre as exigências de potabilidade.

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