Empresas espanholas pagaram propinas para dirigentes chavistas
Relatório sobre o Banco de Madrid menciona comissões milionárias para venezuelanos
Altas autoridades do Governo da Venezuela no período em que Hugo Chávez era presidente figuram entre os clientes do Banco de Madrid cujas contas despertam suspeitas de lavagem de dinheiro, segundo um trecho do relatório ao qual o EL PAÍS teve acesso, elaborado pela Comissão de Prevenção de Lavagem de Dinheiro e Infrações Monetárias (Sepblac), presidida pelo secretário de Estado da Economia, Íñigo Fernández de Mesa.
O relatório aponta para o possível pagamento de comissões multimilionárias a altas autoridades do chavismo para a concessão de grandes contratos públicos. Dois deles têm particular destaque. Em primeiro lugar, um contrato para o pagamento, à empresa Duro Felguera, de uma comissão de 5,5% sobre a concessão da construção de uma central elétrica de mais de 1,5 bilhão de euros (4,5 bilhões de reais), ou seja, uma importância de 82,5 milhões de euros (mais de 100 milhões de dólares no câmbio daquele momento). Em segundo lugar, outros contratos para o pagamento de uma comissão de 4,8% por parte de várias empresas espanholas sobre um projeto de 1,85 bilhão de dólares para a reabilitação da linha 1 do metrô de Caracas, ou seja, uma comissão de 88,8 milhões de dólares (65 milhões de euros no câmbio de então). Em ambos os casos, os receptores desses pagamentos seriam sociedades controladas por altas autoridades do Governo venezuelano.
O Sepblac vinha investigando o Banco de Madrid desde abril do ano passado, mas continuava atuando com total normalidade sem que o Governo espanhol tenha tomado qualquer decisão até os Estados Unidos divulgarem um duro relatório contra sua matriz na Andorra, o BPA. Depois disso, o Banco de Espanha interveio na filial espanhola e os interventores decidiram suspender os pagamentos, bloqueando as economias de milhares de clientes.
O relatório do Sepblac inclui as operações de vários venezuelanos entre as que deveriam ter sido objeto de exame especial e de comunicação às autoridades por indícios de lavagem de dinheiro. Nos trechos do documento aos quais o EL PAÍS teve acesso figuram Nervis Gerardo Villalobos, ex-vice-ministro de Energia venezuelano e ex-presidente da empresa pública Cadafe; Javier Alvarado Ochoa, ex-vice-ministro de Desenvolvimento Elétrico e ex-presidente da Eletricidade de Caracas (EDC); Carlos Luis Aguilera Borjas, que, segundo o relatório “é antigo capitão do Exército venezuelano, tendo formado parte do círculo mais próximo ao ex-presidente Hugo Chávez, de quem teria sido guarda-costas”; Omar Jesús Farías Luces, empresário venezuelano dos setores de seguros e saúde; José Luis Zabala, próximo a Farías, e Fred Aarons Pointevien, “um dos principais diretores do mibanco, o Banco de Desenvolvimento”. Segundo o jornal El Mundo, que revelou a presença de chavistas entre os suspeitos de lavagem no Banco de Madrid, além dos citados também está sendo investigado o ex-vice-ministro do Interior e Segurança Pública, Alcides Rondón, que não aparece no trecho do relatório ao qual o EL PAÍS teve acesso.
"Indícios de lavagem de dinheiro"
O relatório do Sepblac relata um a um os indícios contra os clientes do Banco de Madrid. O relatório elaborado pelo organismo presidido por Íñigo Fernández de Mesa se detém especialmente em seis operações.
No caso de Nervis Gerardo Villalobos, o relatório assinala que, para justificar os recursos recebidos em seu nome pelo Banco de Madrid, foram apresentados dois contratos de consultoria do setor elétrico de duas sociedades controladas por Villalobos e sua mulher que o Sepblac não considera claros. O primeiro, de 2010, é assinado pela Kingsway Ltda (sociedade de Villalobos) e a empresa norte-americana Miami Equipment & Export, que contrata os serviços de consultoria da primeira por 9,5 milhões de dólares. “Chamam atenção os fatos de que as faturas sejam pagas em uma conta bancária na Espanha e que não se verifiquem movimentos na conta que possam indicar a existência de uma prestação de serviços de consultoria real pela Kingsway Ltda”, diz o relatório.
No segundo contrato, de 2011, cede-se à Ingespre, uma empresa de Villalobos, a posição em um contrato anterior da Técnicas Reunidas Terca, C. A. com a empresa espanhola Duro Felguera. Esse contrato foi firmado em 2008 para que a empresa espanhola recebesse assessoria na “possível consecução da obra de uma central termoelétrica de ciclo combinado de 1080 MW (central Termocentro)”.
Duas comissões multimilionárias
Conforme destaca o relatório, “apesar de a consultoria ser uma atividade em que a experiência e o perfil profissional do consultor é um elemento fundamental, nem no contrato nem em outra documentação do Banco de Madrid se oferece uma justificativa razoável para uma alteração tão importante do contrato como a mudança de consultor”. O relatório também assinala que chama a atenção o fato de se especificar que “o conteúdo da assessoria objeto deste contrato será, geralmente, de forma oral”. No contrato de 2008, de apenas quatro folhas, são estipulados pagamentos de 50 milhões de dólares pela Duro Felguera, embora os honorários sejam fixados globalmente em 5,5% do possível contrato de concessão da usina termoelétrica por parte da Eletricidad de Caracas. Segundo a nota da Duro Felguera, de maio de 2009, a obra foi concedida por um valor superior a 1,5 bilhão de euros. Com isso, a comissão teria chegado a 82,5 milhões de euros, ou mais de 100 milhões de dólares pelo câmbio de então.
Sobre Javier Alvarado, ex-vice-ministro de Desenvolvimento Elétrico, o relatório assinala que aparece na mídia vinculado a Villalobos e que, dada essa relação, as operações deveriam ter sido objeto de exame especial e de comunicação por indício de lavagem de dinheiro, em vista do fato de Alvarado ter ocupado cargo público em seu país e não oferecer explicação sobre as razões para abrir uma conta no Banco de Madrid.
Outro cliente suspeito é Carlos Luis Aguilera Borjas, “ex-capitão do Exército venezuelano, tendo formado parte do círculo mais próximo ao ex-presidente Hugo Chávez, de quem teria sido guarda-costas” e ex-diretor da Direção dos Serviços de Inteligência e Prevenção (DISIP). Dele se destaca que tem uma participação de 40% em duas sociedades da Venezuela: a Semeca e a Tecnotren.
O relatório menciona comissões da Duro Felguera e outras empresas espanholas
A Semeca tem uniões temporárias com as empresas espanholas CAF, Dimetronic, Cobra (do grupo ACS) e Constructora Hispánica (envolvida em outro caso de lavagem de dinheiro envolvendo políticos e empresas espanholas). A Tecnotren presta serviços a essas mesmas companhias. Esta última assinou contratos com a Cobra, a Dimetronic e a Constructora Hispánica para o projeto de reabilitação e modernização da linha 1 do metrô de Caracas. Neles, fixavam-se comissões de 4,8% para a empresa de Aguilera. “Chamam atenção, entre outros fatores, os fatos de as três empresas contratarem o mesmo consultor, ainda que com objetos diferentes, e de se estipular, nos três casos, uma retribuição variável e não fixa, sendo, ademais, idêntica a percentagem de remuneração”.
Em 3 de outubro de 2008, o Governo venezuelano concedeu o contrato de reabilitação da linha 1 do metrô de Caracas por 1,85 bilhão de dólares ao consórcio liderado pela CAF, no qual participavam a Dimetronic, a Cobra e a Constructora Hispánica. Uma comissão de 4,8% sobre essa cifra equivale a 88,8 milhões de dólares.
Na documentação do Sepblac também aparecem outras operações suspeitas, em alguns casos de clientes que já tinham cancelado suas contas antes da inspeção do Sepblac.
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